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Reportagem
Diminui índice de crianças e jovens fora da escola
Por Romulo Orlandini
10/02/2012

Dentre uma exibição e outra no semáforo, Ruan pede dinheiro para os motoristas apressados. Todos os dias da semana, pela tarde, o menino vai até a praça IV Centenário, em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, fazer malabares. As “ferramentas” de trabalho nada mais são do que três pedaços de galhos, envoltos com borracha de pneu velho. Tudo é feito em menos de 30 segundos, entre exibição e coleta de dinheiro. Mesmo trabalhando no semáforo, Ruan cursa o sexto ano, durante as manhãs, na escola Francisca de Assis Ferreira Novak, no Jardim Santa Bárbara. Ele sabe ler, mas não com desenvoltura. Ao tentar fazer a leitura de um encarte infantil distribuído por uma rede de alimentação, o garoto só conseguiu dizer algumas palavras e não soube explicar o conteúdo do texto.

O garoto é reflexo da situação escolar brasileira, revelado no Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): cada vez mais crianças e jovens entre 7 e 14 anos estão na escola. Para a Unicef, no relatório Direito de Aprender (2009), a evasão escolar atinge crianças vindas de populações vulneráveis, como as negras, indígenas, quilombolas, pobres, sob risco de violência e exploração, e com deficiência. Atualmente, 96,9% das crianças brasileiras entre 7 e 14 anos cursam o ensino fundamental. Segundo a amostra preliminar do Censo, publicada em dezembro do ano passado, o índice nacional de evasão escolar caiu de 5,5% em 2000 para 3,1%. São aproximadamente 822 mil que ainda estão fora da escola, em um total de mais de quase 25 milhões e meio de crianças e jovens. Os dados desse último Censo mostram ainda que as regiões Norte e Nordeste tiveram maior queda no índice em relação ao de 2000: de 11,2% para 5,5% e 7,1% para 3,2%, respectivamente. A região Sudeste é a que tem melhores níveis escolares.


Censo IBGE 2010: percentual de crianças e jovens que estão em sala de aula por região

Para o educador Mozart Neves Ramos, membro do conselho de governança do movimento Todos Pela Educação e do Conselho Nacional de Educação (CNE), os dados do IBGE refletem um investimento feito nas últimas décadas e mostram que o Brasil pode atingir a meta de universalização antes do previsto, em 2020. O educador explica que contribuíram para o atual cenário as ações como Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), além do aumento da verba do Ministério da Educação, por meio da não cobrança da Desvinculação das Receitas da União, chamada de DRU. Mesmo assim, segundo Ramos, a velocidade na melhora na educação poderia ser ainda maior e acompanhar países que estão dando saltos de aprendizagem.

"É possível ver que a educação vem melhorando, mas não na velocidade desejada, quer dizer, é possível fazer um esforço maior, que passa por vários aspectos importantes, entre eles, a valorização da carreira do magistério, tornando-a mais acessível e uma estrutura curricular comum, minimamente organizada com base em expectativas de aprendizagem”, diz o educador. Ele ainda acrescenta melhorias na gestão da educação, e cita como exemplo a Prova Brasil. “Seus resultados traduzidos em um relatório tem como consequência informações para que os gestores possam saber onde está o problema e façam as correções mais rapidamente", destaca Ramos.

Com relação aos investimentos na educação, Ramos avalia que, apesar do aumento nos últimos três anos, o Brasil ainda está atrás de outros países e afirma que não basta investir se a gestão de recursos não for adequada.

"O per capita por aluno no Brasil ainda é inferior ao Chile, México e Argentina. Quer dizer, o Brasil investe 2.948 reais/aluno/ano na educação básica, enquanto os países citados têm investimentos em torno de 3.500 reais. É preciso fazer com que esse dinheiro efetivamente chegue à escola, que não fique nas secretarias, no mau uso desse valor nas administrações", disse.

No último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), aplicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com questões de matemática, leitura e ciências, o Brasil foi o terceiro país que mais melhorou a pontuação em comparação com o último teste. No entanto, no índice geral, o Brasil ainda figura nas últimas posições: é o 57º entre 65 nações.

"Os dados do Todos Pela Educação em matemática, por exemplo, mostram que dos 50% de jovens que terminam o ensino médio (os outros 50% evadem), somente 11% aprenderam o que seria esperado em matemática. Então, a questão da aprendizagem deve ser o grande produto final. Para que isso aconteça, todos os fatores como valorização do magistério, mais dinheiro, melhor gestão, devem resultar na aprendizagem, que é o desafio para os próximos anos", aponta o educador.

A escola na vida

Com os mais jovens na escola e o problema da universalização do ensino caminhando para ser resolvido, a dificuldade passa a ser fazer com que eles prossigam, pelo menos, até o fim do ensino médio. Dentre os jovens com idades entre 15 e 17 anos, o Censo 2010 relevou que houve redução na evasão escolar. Em 2000, 22,3% não frequentavam instituições de ensino. Agora, 16,7%, ou cerca de 1 milhão e setecentos mil jovens, não estão mais no banco escolar, em um total de cerca de 10 milhões.

As maiores quedas ficaram com as regiões Norte, que caiu de 22,9% para 18,7% e Sul, de 24,8% para 18,6%. Na visão do economista da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Insper, Naercio Aquino Menezes Filho, houve uma melhora nos índices, mas ainda não há espaço para comemorações. Para ele, nessa idade o jovem passa a ter outros interesses, além do acesso ao mercado de trabalho. "É necessário fazer um ensino médio mais voltado para o mercado de trabalho, enfatizar o ensino técnico e profissionalizante, porque muitos jovens não estão interessados em concluir, com diversas matérias abstratas: uma parte está interessada em prosseguir para o ensino superior, mas outra não", disse. Os dados confirmam a tese: a região Sul (que não tem os problemas estruturais da região Norte) é a que tem nível de ocupação mais elevado entre os estados. Segundo o IBGE, 60,1% da população da região está trabalhando.

A solução para diminuir a evasão escolar, segundo os especialistas, seria buscar saídas práticas, como ensino a distância para regiões em que os alunos têm que percorrer longas distâncias para chegar à escola, ensino integral dividido em turnos de ensino regular e técnico, como acontece na Europa e parte dos Estados Unidos.

Para Naercio Aquino, mesmo com a queda nos índices, é preciso continuar investindo. O docente diz que não podemos reviver cenários antigos, como no início do século XX, quando o país viveu um ciclo de crescimento educacional e depois estagnou. "Neste período, a progressão até o fim do ensino médio e o ingresso no superior foi muito lenta no Brasil, quando comparada com outros países do mundo, inclusive com nível de desenvolvimento parecido. As pessoas pararam de estudar mais cedo do que em outros países e isso tem muitas implicações. Tem a ver com uma instabilidade econômica muito forte a partir da década de 1980, inflação, baixo crescimento. Algumas áreas rurais do Norte e Nordeste que ficaram muito atrasadas. Isso teve consequências ruins para a economia e para sociedade como um todo, porque aumentou a desigualdade de renda e diminuiu o acesso ao ensino superior, e? a possibilidade de ter boas condições financeiras e de emprego", ressalta ele.


Alerta: Estados da região Norte nas piores colocações - distância e falta de professores pode ser a causa

O último estudo relevante sobre a questão da evasão escolar foi publicado em 2008, pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Pelos dados apresentados, o desinteresse é o principal motivo para os jovens abandonarem a escola: 40,3% dos entrevistados afirmaram não ter interesse na educação formal. A equipe da FGV concluiu que a desmotivação passa pela falta de interesse pelo conteúdo das aulas até a falta de escolas ou professores qualificados próximos do lugar onde os estudantes vivem. Pelo estudo, a cada 10 jovens que ingressam no ensino médio, quatro saem da escola antes de obter o diploma. E, destes, somente três em cada 10 alunos aprendem o esperado.

A pesquisa ainda mostrou que a maioria dos jovens não consegue identificar que a educação está diretamente ligada com emprego e renda. O salário médio da pessoa que conseguiu atingir o ensino universitário é 544% superior ao dos analfabetos – enquanto a possibilidade de conseguir emprego é 422% maior. Já a questão da saúde é peculiar: quem estudou mais, demonstrou o estudo, avaliou o próprio o estado de saúde melhor do que quem estudou menos. Porém, relacionar educação com saúde é difícil. O problema, afirma a pesquisa, é que "a educação é em larga medida definida no começo da vida e a maior parte dos impactos sobre a saúde são sentidos em seus últimos anos".