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Editorial
Multicentros
Por Carlos Vogt
10/05/2012

Há uma tendência que imprime um sentido ao desenvolvimento e evolução do conhecimento que se constitui num traço epistemológico característico do mundo contemporâneo: a formação de novas áreas de conhecimento por agregação do conhecimento de áreas já constituídas e de áreas em constituição. Disso resulta, não propriamente a soma de áreas que, acumuladas, adicionam, em série, conhecimento mais conhecimento, mas uma multiplicação do conhecido elevado a potências cada vez maiores do que há para se conhecer.

Diferentemente do movimento para a compartimentação e a especialização segmentada que marcou a ciência positivista, a ciência contemporânea tem, entre outras características, esta da formação de novas áreas, não pela divisão de grandes áreas teóricas, mas pela agregação e multiplicação dessas grandes áreas em áreas ainda maiores, mais abrangentes e de maior complexidade epistemológica, fenômeno que se estendeu também para as tecnologias, envolvendo todas as tecnociências dentro da dinâmica da cultura científica contemporânea.

É o que aconteceu, por exemplo, com a genética, com a neurolinguística, com a sociolinguística, com a biofísica, com a bioquímica, com a biotecnologia, com a bioinformática e com a nanotecnologia.

Há áreas de conhecimento que se constituíram como temas de grande interesse e atenção na contemporaneidade e foram agregando conhecimentos requeridos de tantas áreas diversas e diversificadas tal que o processo de sua constituição seria impensável, do ponto de vista científico, durante uma boa parte dos primeiros decênios do século passado.

É o caso do meio ambiente como tema de investigação e de ensino nas escolas e dos estudos ambientais que foram se consolidando com o concurso de várias áreas, próximas e aparentemente, até então, distantes, do ponto de vista teórico e metodológico. Da matemática à física, da física à química, da química à biologia, da biologia à informática, da informática às biotecnologias, das biotecnologias às ciências humanas, das ciências humanas à estatística, da estatística às modelagens, das modelagens às ações das políticas públicas e de suas formulações ativas para a preservação do meio ambiente e as propostas globais dos protocolos e dos grandes encontros internacionais sobre o clima e as mudanças climáticas como o que vai ocorrer, neste ano, na Rio+20.

Esse fenômeno de agregação de áreas para constituir novas áreas de conhecimento está, de algum modo, ligado à mudança de paradigma da ciência que começou a ocorrer no final do século XIX e no começo do século XX e que se deu concomitantemente a grandes descobertas responsáveis por grandes mudanças no pensamento científico: a física quântica, a relatividade, o evolucionismo, o marxismo e a psicanálise.

Essa mudança de paradigma implicou, entre outras coisas, na substituição do conceito ontológico de verdade, na ciência, por um conceito probalístico, segundo o qual a probabilidade de negar, isto é, de descobrir a falibilidade de um método e a falsidade de uma teoria, passa a dar os limites e as fronteiras do conhecimento que por essa teoria e esse método se estabelece.

A interdisciplinaridade e a multiplicidade características desse movimento marcaram também o desenho institucional interno de universidades e centros de pesquisa, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, e mais propriamente a partir dos anos 1980 com a consolidação da economia global e a emergência da sociedade do conhecimento, assentada real e virtualmente sobre a ampla proliferação das tecnologias de informação e comunicação.

Várias universidades, por todo o mundo, passaram a adotar uma geografia institucional que, ao lado das unidades de ensino e pesquisa tradicionais, abriu espaço para centros e núcleos, numa organização mais funcional do que anatômica; isto é, entidades cuja existência se dá em função dos projetos que desenvolvem e cuja anatomia, agora periódica, se adequa a essa funcionalidade. Isso aconteceu com as universidades estaduais paulistas e com as universidades federais, sendo a Unicamp pioneira nessa iniciativa.

O conceito de multicentros se relaciona com esse processo característico da contemporaneidade e expressa, no nível institucional, a organização do modo de produzir, ensinar, difundir e divulgar o conhecimento, buscando formas de permanência cada vez mais dinâmicas e dependentes das finalidades, não corporativas, mas acadêmicas das organizações.

Esse é o tema desse número da ComCiência, ela própria uma revista de divulgação científica, produto também desse multicentrismo institucional do conhecimento e, assim, voltada para as questões das várias formas de relação e de relacionamento entre ciência e sociedade e para a busca de elementos que ajudem a compreensão da cultura científica como fenômeno marcante de nossas vidas no mundo contemporâneo.