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Entrevistas
Maria Victoria Ramos Ballester
A presidente da Comissão de Pós-Graduação Interunidades da USP fala sobre a interdisciplinaridade e os principais desafios a serem enfrentados por este campo nas ciências ambientais
Cintia Münch
10/05/2012

Atingindo uma marcante expansão na última década, o campo interdisciplinar tem sido impulsionado na pós-graduação brasileira pela visão de que diversos problemas podem ser abordados de forma mais eficiente através da integração de diferentes disciplinas. Seguindo uma tendência internacional iniciada no final da década de 1980, o crescimento do campo interdisciplinar, especialmente no âmbito das ciênciais ambientais, reflete a necessidade de novas abordagens no tratamento de problemas complexos. De acordo com a professora do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (USP), Maria Victoria Ramos Ballester, a indissociabilidade entre o mundo natural e o construído pelo homem é o fator determinante a integrar diferentes disciplinas no campo da ecologia. Presidente da Comissão de Pós-Graduação Interunidades do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ecologia Aplicada da USP e doutora em ecologia e recursos naturais pela Universidade Federal de São Carlos, Ballester fala, nesta entrevista, sobre as características e os desafios da interdisciplinaridade, a disposição de docentes para ampliar sua base de conhecimento, os processos de cooperação implícitos em programas interdisciplinares e o reconhecimento da sua importância pelas principais agências de fomento à pesquisa. Para Ballester, a flexibilidade curricular é um fator chave para sanar as lacunas no conhecimento.

ComCiência - Quais são as principais características de um programa de pós-graduação interdisciplinar?

Maria Victoria Ramos Ballester - Um prograna interdisciplinar tem como caraterística o desafio de produzir conhecimento e formar recursos humanos de uma nova forma, através do diálogo entre as várias disciplinas com foco em uma temática comum. Isso resulta no desenvolvimento de uma linguagem comum e no surgimento de novas e múltiplas formas de abordar um dado problema e de gerar conhecimentos que ultrapassam as barreiras de apenas uma disciplina do conhecimento.

ComCiência - Por que o campo da ecologia pode ser considerado primordialmente interdisciplinar?

Ballester - Os conhecimentos que temos hoje indicam que não é possível mais dissociar o mundo natural daquele construído pelo homem, o que nos leva a integrar cada vez mais os conhecimentos no sentido de entender a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas, bem como o papel dos seres humanos no processo de transformação dos mesmos.

ComCiência - Atualmente, quais são os principais desafios a serem enfrentados pelo campo interdisciplinar das ciências ambientais na sua opinião?

Ballester - Entre os desafios estão o desenvolvimento de uma linguagem comum e a quebra das barreiras disciplinares na construção do conhecimento e formação de recursos humanos. Profissionais das áreas de ciências humanas e exatas, por exemplo, utilizam método de pesquisa muito distintos, sendo uns bem mais quantitativos e outros mais teóricos. Assim, compreender e aceitar abordagens diferentes configura um primeiro passo. Outro desafio é o de vencer a tendência natural de acreditar que o campo do conhecimento no qual trabalhamos é mais importante ou interessante que outro.

ComCiência - Para os docentes, trabalhar dentro de campos de estudo interdisciplinares exige disposição para ampliar a base de conhecimento fora da sua área de especialização. De que maneira eles têm lidado com esse desafio, tendo em vista aprofundar processos de cooperação entre as diferentes disciplinas?

Ballester - Principalmente através de seminários e do desenvolvimento e implementação de projetos de pesquisa temáticos nos quais docentes de várias áreas trabalham em função de uma temática ou uma dada pergunta. Os projetos temáticos são aqueles nos quais um problema é estudado sob várias óticas do conhecimento. Em um projeto temático, por exemplo, pode-se abordar o efeito das mudanças climáticas globais no ciclo da água, na saúde humana ou na vulnerabilidade e adaptação das populações a essas mudanças.

ComCiência - Os programas de pós-graduação interdisciplinares brasileiros na área ambiental possuem uma estrutura curricular apropriada para uma formação sólida e integradora de seus alunos?

Ballester - Sim, a flexibilidade dos currículos de muitos programas permite sanar as lacunas no conhecimento. O aluno, em conjunto com seu orientador, pode avaliar quais são as áreas ou linhas que necessitam ser reforçadas e assim buscar disciplinas nessas áreas.

ComCiência - Na sua opinião, a almejada transferência de métodos entre diferentes disciplinas está sendo sendo alcançada dentro de programas interdisciplinares na área ambiental?

Ballester - Temos ainda um longo caminho nesse sentido, mas o uso de abordagens comuns, como a sistêmica, por exemplo, tem permitido que avancemos. Contudo, as peculiaridades de cada área são importantes para manter a diversidade. Creio que seja mais interessante aprender a dialogar e entender os métodos das várias áreas do que buscar apenas uma única forma de produzir conhecimento.

ComCiência - Os critérios utilizados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para a avaliação dos programas de mestrado e doutorado interdisciplinares são suficientes para abarcar suas especificidades?

Ballester - Sim, o processo de avaliação da área interdisciplinar é muito bem estruturado. Existe um debate interno entre as quatro câmaras que compõem esse comitê e há sempre uma preocupação muito grande com a interdisciplinaridade, bem como com a valorização de todas as formas de produção de conhecimento.

ComCiência - As agências de fomento de pesquisa têm reconhecido a importância de projetos de natureza interdisciplinar?

Ballester - Algumas agências, como a Fapesp, têm sido pioneiras nessa área, mas ainda falta uma maior divulgação na própria academia sobre esses tipos de projetos, já que muitas vezes eles não encontram os devidos pares para sua revisão.

ComCiência - Existem dificuldades de aceitação para a publicação de artigos científicos que utilizem métodos interdisciplinares?

Ballester - Sim, a barreira disciplinar ainda é grande nas revistas mais tradicionais, mas novos veículos estão surgindo. Ainda é necessária a mudança de mentalidade de que para ser um bom trabalho devem haver poucos autores.

ComCiência - A partir da sua experiência, quais são as principais dificuldades encontradas, na gestão de um programa de pós-graduação, por uma Comissão de Pós-Graduação Interunidades?

Ballester - A nossa experiência tem sido muito feliz, temos sempre encontrado o respaldo institucional necessário para nossas atividades e o corpo docente tem buscado superar a barreira disciplinar. O desenvolvimento de uma lingugem comum e a quebra dos "pré-conceitos", no sentido de conceitos prévios, estão entre os grandes desafios.