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Bibliotecas virtuais - Carlos Vogt
Reportagens
As bibliotecas virtuais democratizam o acesso ao conteúdo científico?
Francisco F. Zaiden
Acesso aberto ao conhecimento científico tem apoio crescente de cientistas
Cristiane Kämpf
Bibliotecas virtuais aumentam acesso e visibilidade da produção científica
Aline Naoe
A importância da preservação dos acervos digitais
Marta Avancini
Qual o futuro das bibliotecas tradicionais?
Monique Lopes
Artigos
Internet, ciência e sociedade: o que mudou para pesquisadores e cidadãos?
Lena Vania Ribeiro Pinheiro
Acesso livre: uma nova crise no horizonte?
Paulo Cezar Vieira Guanaes e
Maria Cristina Soares Guimarães
Índices bibliográficos na América Latina
Diego Chavarro*
Tradução: Germana Barata
Um caminho para a edição universitária – o Programa de Publicações Digitais da Unesp
Marilza Vieira Cunha Rudge e
Jézio Hernani Bomfim Gutierre
Resenha
Avaliação de fontes de informação na internet
Por Maria Teresa Manfredo
Entrevista
Abel Packer
Entrevistado por Romulo Orlandini
Poema
Vinheta
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
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Reportagem
Acesso aberto ao conhecimento científico tem apoio crescente de cientistas
Por Cristiane Kämpf
10/06/2012

“Há um turbilhão acontecendo fora do Brasil na área de editoração científica”. O autor desta afirmação irrefutável é Benedito Barraviera, presidente da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC). O “turbilhão” se refere ao movimento feroz e de amplitude viral que está ocorrendo no meio acadêmico internacional em defesa ao acesso aberto à informação científica produzida com financiamento público, porém publicada por editoras privadas em periódicos científicos com preços exorbitantes. O estopim que deu início ao movimento foi um post escrito em 21 de janeiro deste ano por Timothy Gower, um dos matemáticos mais conceituados e atualmente professor da universidade de Cambridge, na Inglaterra.

Gower tornou pública sua decisão de boicotar a gigante holandesa Elsevier, a maior editora de periódicos científicos do mundo, e enumerou suas razões: os preços exorbitantes cobrados pela empresa; a prática de venda casada de periódicos para as bibliotecas das universidades e a recusa à qualquer tipo de negociação – o que as obrigava a adquirir publicações que não eram de interesse; e o fato da empresa apoiar projetos de lei americanos como o Sopa (Stop Online Piracy Act), Pipa (Protect Intellectual Property Act) e Research Works Act (RWA) (leia post sobre Sopa e Pipa) – todos rechaçados por defensores da internet livre ao redor do mundo.  O RWA, elaborado em dezembro de 2011, pretendia eliminar a divulgação online gratuita de pesquisas financiadas pelo governo americano, ou seja, com dinheiro público. O post de Gower cruzou o Atlântico em tempo real e resultou, no dia seguinte, na criação (desta vez pelo americano e também matemático Tyler Neylon) do manifesto “The cost of knowledge”, um boicote contra a Elsevier, até o momento assinado por mais de 12 mil pesquisadores ao redor do mundo. Essa ação fez com que, em 27 fevereiro, a Elsevier retirasse seu apoio ao RWA publicamente, assim como fizeram os próprios autores do projeto de lei, os deputados Darrell Issa, do Partido Republicano, e Carolyn Maloney, do Democrata – que receberam da Elsevier um apoio de U$ 29 mil dólares para se elegerem.


Tim Gowers se posicionou abertamente a favor do acesso aberto ao
conhecimento científico e catalizou enorme movimento de mudança.
Crédito: World Mathematical Year 2000 Symposium

Aproximadamente 15 dias depois da morte do RWA foi criada uma petição online no site da Casa Branca, chamada OpenAccess2Research, que insta a administração Obama a tornar lei o acesso livre a todo periódico científico resultante de pesquisas financiadas com dinheiro público. O documento já recebeu mais de 26 mil assinaturas, acima da meta de 25 mil até 19 de junho, quando será enviada ao governo para análise. Também como consequência do manifesto, a agência financiadora de pesquisas Wellcome Trust, da Inglaterra, anunciou que somente financiará pesquisas que tiverem seus resultados publicados em acesso aberto – passando a agir de maneira similar ao National Institute of Health (NIH) dos EUA. A internet está, portanto, claramente causando uma mudança completa do modus operandi da divulgação do conhecimento científico e, assim, redefinindo radicalmente o custo do conhecimento.

“A maioria das editoras internacionais aderiram a certas alternativas de acesso aberto somente porque começaram a sofrer pressões da sociedade. Foram essas pressões e a internet que causaram algumas mudanças de comportamento”, analisa Barraviera, comentando o fato de que a editora Elsevier decidiu, após o manifesto, abrir o acesso a 14 periódicos na área de matemática. Gower considera que a editora poderia e deveria fazer muito mais, principalmente em benefício das bibliotecas universitárias, abolindo o sistema de venda casada de periódicos e baixando preços.

As bibliotecas (virtuais e reais) e a luta pelo acesso aberto

A biblioteca da mais prestigiosa universidade privada americana, Harvard, também se posicionou, publicando em abril um memorando no qual incitava seus 2.100 professores e pesquisadores a deixarem de publicar artigos em periódicos pagos, pedindo para que “levassem seus prestígios” para publicações de acesso aberto. A conta paga às editoras se tornou insustentável também para a Harvard, uma das mais ricas universidades do mundo, chegando a US$ 3,75 milhões anuais.


Interior da Widener, a principal biblioteca da Universidade de Harvard,
aberta em 1915, que contém 20% dos 15,6 milhões de livros da instituição
Crédito: Karen Robinson

A Public Library of Science (PloS), que é, ao mesmo tempo, biblioteca e editora sem fins lucrativos, apoia a petição OpenAccess2Research. Em sua homepage foi divulgada mensagem do presidente da instituição, Peter Jerram, sobre “a oportunidade que se abriu com este momento do movimento pelo acesso aberto, no qual há a possibilidade de se influenciar políticas públicas em favor do acesso aberto e irrestrito ao conhecimento científico”.

No Brasil o movimento pelo acesso aberto sempre contou, desde o início, com o engajamento de bibliotecas e bibliotecários, conforme afirma Abel Packer, presidente da Scientific Electronic Library Online (SciELO), criada em 1997. “Isto porque o custo das revistas foi crescendo muito acima da inflação e os orçamentos das bibliotecas foram ficando apertados”, diz. A novidade é que, agora, o movimento conta com um apoio cada vez mais amplo da comunidade de pesquisadores e seus alunos, e a todos que se engajam via redes sociais.

De acordo com Packer, a SciELO tem o objetivo de melhorar as publicações científicas brasileiras quanto à visibilidade, acessibilidade, uso e fator de impacto. Para ele, pode-se dizer que essa biblioteca virtual atua como um “metapublisher”, desenvolvendo três funções: indexação de periódicos (passam por sistema de controle de qualidade antes de entrarem na coleção), publicação dos periódicos na internet; e promoção da interoperabilidade, ou seja, da presença de sua coleção de forma mais ubíqua possível na internet – “estamos no Web of Science, Scopos, Google etc”, afirma referindo-se a bancos de dados científicos e ferramenta de busca internacionais. A SciELO também adota as licenças creative commons para todos os artigos lá publicados, que podem ser compartilhados e adaptados para fins não comerciais contando que seus autores sejam citados. Packer acredita que o modelo de financiamento dos periódicos científicos no futuro terá o acesso aberto mantido, principalmente, via “taxa de processamento de artigo” ou article processing chargeno qual o pesquisador paga diretamente à revista caso seu artigo seja aceito e, assim, os leitores têm acesso online imediato e gratuito ao material.

Acesso aberto, fator de impacto e número de citações

Muitos periódicos científicos brasileiros são mantidos por uma gama de financiamentos – como é o caso da Revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, publicação com o maior fator de impacto no Brasil e também de acesso aberto, mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI). O fator de impacto é uma medida do prestígio e da visibilidade da revista.


Reproduções da capa do Brazilian Journal of Physics, em 1999 (esq.),
e depois de se associar à Springer. Crédito: reprodução

Talvez objetivando exatamente aumentar o fator de impacto, alguns periódicos brasileiros tradicionais, como a Revista Brasileira de Física (BJPBrazilian Journal of Physics) e a Revista da Associação Médica Brasileira (Ramb) trocaram o acesso aberto por editoras privadas. Segundo Luiz Nunes de Oliveira, editor do BJP e pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), a decisão de se associar à Springer, tomada pela gestão anterior à sua, se deve ao desejo da publicação de se profissionalizar. Ele conta que a falta de um software adequado, por exemplo, causava descontrole no processo de avaliação dos artigos e não permitia encontrar um artigo pelo nome do autor. “Isto chegou num ponto em que as pessoas nem davam mais atenção para as mensagens que vinham do software. Outro problema era achar pessoas para fazer a parte gráfica, a arte, a comunicação, o marketing da revista – isso tomava muito tempo  e provocava crises”, diz.

Ele reconhece ser uma desvantagem sair da SciELO (o contrato com a editora exige isto) e, portanto, deixar o acesso aberto, mas, por outro lado, diz que a editora Springer oferece, em seu ponto de vista, algumas vantagens. “Eles são muito agressivos na parte de divulgação da revista, no marketing, dentro e fora do Brasil. Então eles oferecem a revista para bibliotecas, divulgam artigos, promovem os melhores artigos do ano etc. Além disso, eles oferecem apoio para o trabalho administrativo, como cobrança de artigos atrasados, por exemplo, e também uma revisão do inglês para um número pequeno de artigos”, revela.

Perguntado se esse seria um modelo a ser seguido por outras publicações brasileiras, Nunes pondera que essa decisão deve levar em conta os leitores da revista – “se é uma comunidade internacional, pode ser interessante”, diz. A Sociedade Brasileira de Física (que edita a publicação voluntariamente e ainda tem que pagar extra para cópias da revista em papel) espera que o fator de impacto da revista aumente com a associação. A média de artigos recebidos também aumentou – foi de um por dia para quase dois. Para fazer o download de um artigo da última edição da BJP no site da Springer, paga-se atualmente U$ 34,95.

As revistas brasileiras de acesso aberto estão sendo cada vez mais seduzidas a ingressarem nas editoras internacionais, que prometem maior visibilidade em troca de conteúdo científico de qualidade. É o acredita Barraviera, que também é professor titular de infectologia na Faculdade de Medicina da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), e editor da Revista do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap). “Nossa revista já foi assediada por, pelo menos, três editoras privadas internacionais e acredito que o mesmo está acontecendo com várias publicações brasileiras com potencial. Com a explosão dos BRICs, viramos oportunidade de negócio para essas empresas”, diz. Este processo, pensa ele, tende a aumentar, já que no Brasil e nos países emergentes o mercado não está saturado como nos EUA e Europa. A falta de aopoio de autoridades políticas federais ao acesso aberto também é uma barreira à sua adoção no Brasil, identifica Abel Packer – ele defende que as agências brasileiras que financiam pesquisas com dinheiro público também deveriam adotá-lo. “O conhecimento científico é um bem público e, assim sendo, deve estar disponível. Se somente alguns têm acesso, se cria uma casta de beneficiados. O dia em que as sociedades científicas brasileiras saírem em defesa do acesso aberto, ele sem dúvida dominará no país”, finaliza.