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Reportagem
Dividir para conquistar: os desafios da tradução coletiva
Por Monique Lopes
10/07/2012

No exercício de tradução, muitas vezes, é comum que o tradutor tenha dúvidas e, para dissolvê-las, converse com um ou outro colega com alguma experiência na área. A prática da tradução coletiva, no entanto, é rara. “Não é uma prática comum. Normalmente, se você analisar traduções de obras completas, principalmente ficção, o máximo que você encontra são dois ou três tradutores”, afirma Alzira Allegro, doutora em letras pela Universidade de São Paulo (USP) e orientadora de oficinas de tradução na Casa Guilherme de Almeida. Depois da experiência com contos traduzidos em duplas e trios, que rendeu pequenos livros ainda hoje expostos na instituição, Allegro resolveu arriscar algo mais ousado: a tradução coletiva de um único romance. Foram oito meses de trabalho a 36 mãos – o romance americano Ruth Hall, de Fanny Fern, traduzido por 18 pessoas, está em fase de revisão para ser publicado.


Participantes de uma das oficinas de tradução de contos da Casa Guilherme de Almeida.

A Casa é um museu bibliográfico e literário dedicado ao poeta Guilherme de Almeida, que foi também jornalista e advogado e trabalhou muitos anos com tradução de poesias. Por este motivo, a instituição abriga um Centro de Estudos de Tradução Literária, onde se realizam oficinas e atividades relacionadas à teoria e à prática da tradução. Carlos David, formado em ciências sociais, participou pela primeira vez de uma tradução coletiva na oficina realizada em 2011, e considera uma experiência bastante diferente da tradução comum, com a qual tem contato desde fins dos anos 1980. “É muito difícil você operacionalizar uma tradução coletivamente, porque cada participante tem uma ideia de equivalência. Quando você traduz coletivamente, é difícil encarar o contexto. E traduzir uma palavra individual fora do seu contexto está fora de qualquer teoria de tradução, porque é muito importante a cultura em que se insere o que você está traduzindo”, afirma. “Por isso, é importante trazer para o momento de aula (da oficina) a discussão do contexto da obra. E acho que a Alzira conseguiu fazer (na oficina de tradução de) Ruth Hall um trabalho muito bom”.

Ruth Hall foi publicado pela primeira vez em 1854 e é considerado por alguns uma autobiografia de Fanny Fern, pseudônimo sob o qual escrevia a jornalista Sara Willis. Para solucionar o problema apontado por David, a orientadora usou duas estratégias: dividiu os capítulos em grupos para a tradução, mas instruiu todos os participantes a lerem o romance na íntegra; e, além disso, num encontro semanal, realizado aos sábados, cada grupo teve de ler o trecho em que estava trabalhando, enquanto os demais acompanhavam por meio da leitura do texto original. “Foi uma grande aventura”, conta Allegro. “As discussões que eram geradas nos encontros melhoravam o trabalho. Foi uma troca muito enriquecedora de textos”, avalia.

Eliana Stella Pires, tradutora profissional há 20 anos, também fez parte do grupo que traduziu Ruth Hall e acha que a tradução coletiva é uma experiência pela qual todo tradutor deveria passar. “A gente cresce muito, melhora a habilidade de produção de textos, porque vai ler pra todo mundo o que escreveu”, observa. Leonor Cione, mais uma participante da oficina, completa: “Você precisa saber decidir friamente qual é a tradução que melhor se encaixa, ainda que não seja a sua”. A troca de ideias é apontada ao mesmo tempo como principal vantagem e desafio da tradução coletiva tanto pelos participantes da oficina quanto pela orientadora: “Entrar num acordo é difícil, mas é o que enriquece a experiência”, afirma Pires.

Mas, em uma coisa, traduzir coletivamente não difere de qualquer outra tradução, segundo os entrevistados: levanta igualmente a polêmica da fidelidade devida ao texto original. “A dificuldade é a mesma”, afirma Allegro. “Fidelidade é uma coisa extremamente relativa em tradução. Você está sendo fiel ao autor? Você está sendo fiel à sua leitura do autor?”, questiona. E explica: “Na tradução, a gente lida muito com uma coisa que chamamos de ‘perdas e ganhos'. Há coisas que são intraduzíveis, então você tem que perder. Mas há coisas que você pode acrescentar. O que importa é tentar resgatar o original tanto quanto possível em termos de registro de tom, de como o autor fala, de sutilezas, de recriar certas situações... tudo isso faz parte do processo”. David ressalta que, nesse quesito, o importante é o embasamento teórico escolhido para orientar a tradução: “Você busca equivalência no sentido. Tendo base numa teoria, você pode chegar ao mesmo resultado da tradução individual”.

Outras iniciativas

Uma experiência parecida foi publicada na edição número 10 da revista Scientia Traductionis, um periódico da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Um grupo de dez pessoas, coordenado pelo professor de língua e literatura latina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Rodrigo Tadeu Gonçalves, realizou a tradução coletiva de um trecho de Metamorfoses, de Ovídio. Composto por 15 livros escritos em versos hexamétricos, o poema ainda não tem tradução completa para o português. O referido grupo ocupou-se da tradução do décimo livro, que pode ser consultada na internet.

Também na web se encontra uma iniciativa curiosa: é o projeto “Adote um parágrafo”, idealizado pelo jornalista Juliano Spyer para traduzir e disponibilizar na rede textos sobre comunicação e internet. A mecânica é simples: por meio de uma página wiki (como as da Wikipédia), ele disponibiliza o texto original, dividindo-o em parágrafos, e cada pessoa interessada em contribuir com a tradução se responsabiliza por um parágrafo da obra. Depois de todos os parágrafos “adotados”, uma pessoa fica encarregada de dar uniformidade ao texto, que é revisado e postado na mesma plataforma, com um link para o original e a lista de quem traduziu. Desde seu lançamento, em março de 2009, o projeto já concluiu a tradução de 22 textos, entre eles “What is learning in a participatory culture?”, partes 1 e 2, de Henry Jenkins, fundador e diretor do programa de Estudos de Mídia Comparada do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ainda que o idealizador afirme que “o propósito não é ter uma tradução ideal, mas uma que seja boa o suficiente para que o leitor aproveite o texto”, há a intenção de reunir em livro o resultado de todo o projeto.