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Reportagem
No Brasil, crescimento recente, problemas antigos
Por Leonor Assad
10/09/2012

Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2010, um contingente de 144.553 pessoas concluíram cursos de graduação a distância no Brasil. Elas lotariam um estádio quatro vezes maior que o do Pacaembu, na cidade de São Paulo. Os 930 cursos que as abrigavam representam o lado da educação a distância (EaD) mais visível atualmente no Brasil, a graduação.

Mas a EaD no país também conta com cursos nos níveis fundamental e médio e na pós-graduação. Segundo a sinopse estatística da educação básica, do Inep, em 2011, foram registradas 435.595 matrículas na educação de jovens e adultos (EJA) em cursos semipresenciais, 54% delas no ensino médio. Comparado com os cursos presenciais, esse número é oito vezes menor, revelando que nesses níveis, a EaD ainda não tem tantos adeptos. Somente em 2011, foram registradas quase quatro milhões de matrículas de jovens e adultos em cursos presenciais, com apenas um terço delas no ensino médio (1.322.422). A lacuna ainda é muito grande, visto que o Brasil, segundo dados de 2009 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem uma população de 57,7 milhões de pessoas com mais de 18 anos que não frequenta a escola e não tem o ensino fundamental completo. Portanto, são necessárias políticas que estimulem a ampliação da oferta de EJA por meio de EaD, uma alternativa para jovens e adultos conciliarem trabalho e estudo.

As entidades sociais da indústria e do comércio têm desempenhado um papel importante nesse contexto. O Serviço Social da Indústria (Sesi) oferece cursos a distância de ensino fundamental e de ensino médio direcionados a jovens e adultos. O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) oferece cerca de 300 opções de cursos a distância em mais de 20 áreas tecnológicas, desde a formação inicial e continuada até a pós-graduação; além disso, mantém em todo o Brasil cursos a distância de atualização profissional. No Instituto Euvaldo Lodi (IEL), os cursos a distância são para capacitação de empresários. No Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), um dos pioneiros em pós-graduação a distância, a EaD é praticada por meio de cursos formais, da educação básica ao nível superior, e através de teleconferências e do programa radiofônico Sintonia Sesc-Senac. Somente em 2010, foram oferecidos 102 cursos, que receberam mais de 37 mil matrículas.

A história da EaD no Brasil remonta aos anos 1920, com as atividades pioneiras de utilização da radiodifusão, por meio da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (veja reportagem sobre o assunto). Mas, somente em maio de 1996, foi criada no Ministério da Educação ( MEC) a Secretaria de Educação a Distância (SEED). Seu objetivo principal era atuar como agente de inovação tecnológica nos processos de ensino e aprendizagem, fomentar a incorporação das tecnologias de informação e comunicação e das técnicas de educação a distância aos métodos didático-pedagógicos. Extinta em 2011, os programas e ações da SEED passaram para a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi). Segundo o MEC, com o crescimento da EaD no Brasil, ela passou a ser gerida pelas secretarias convencionais, recebendo o mesmo tratamento que as modalidades presenciais.

Mais de 50% dos cursos de graduação a distância são oferecidos por instituições privadas. As universidades públicas que oferecem cursos de nível superior a distância estão integradas ao Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Instituído em 2006, o sistema UAB funciona como articulador entre as instituições de ensino superior e os governos estaduais e municipais, para atender às demandas locais. O MEC coordena também o sistema Rede e-Tec Brasil, de oferta de educação profissional e tecnológica a distância por meio de cursos técnicos de nível médio, públicos e gratuitos, em regime de colaboração entre União, estados, Distrito Federal e municípios.

Em São Paulo, foi criada em 2008 a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), que oferece cursos semipresenciais e virtuais, como já vem sendo praticado em países como França, Inglaterra e México. Trata-se de uma articulação da Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo com as universidades estaduais paulistas e com o Centro Paula Souza, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), da Fundação do Desenvolvimento Administrativo Paulista (Fundap) e da Fundação Padre Anchieta.

Crescimento recente

De acordo com o MEC, os cursos superiores oferecidos a distância atingem mais de 30% dos 5.561 municípios brasileiros. Tomando-se por base o ano de 2010, constata-se que 14,6% das matrículas na graduação foram em cursos a distância. Dessas, 80,5%, ou seja, 748.577 foram feitas em instituições privadas. Em dez anos, o número de matrículas em EaD cresceu de forma impressionante, passando de 5.359, em 2001, para 930.179, em 2010. No mesmo período, a matrícula em cursos presenciais cresceu 80%.

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Evolução do número de matrículas em cursos de graduação, de 2001 a 2010. Fonte: MEC/Inep.

Mas o perfil do aluno de cursos de graduação a distância é diferente daquele que opta por curso presencial. A média de idade de ingresso nos cursos presenciais é de 19 anos, e nos cursos a distância, sobe para 28 anos. E a média de idade dos concluintes nos cursos presenciais é de 23 anos, enquanto nos cursos a distância é de 31 anos. Outra diferença entre graduação a distância e presencial está na distribuição do número de matrículas por grau acadêmico. Em 2010, na formação presencial, três em cada quatro matrículas foram em cursos de bacharelado, enquanto na EaD predominam matrículas nas licenciaturas. Na estratificação das carreiras, as diferenças são ainda maiores. Mais de 77% dos concluintes de 2010 na graduação a distância são egressos de cursos nas áreas de educação (49,7%) e de gerenciamento e administração (27,6%). Nos cursos de graduação presenciais, essas áreas juntas formaram menos de 40% do total de concluintes em 2010.

A regulação de todos os cursos superiores a distância segue dinâmica semelhante àquela que acontece com os cursos presenciais. No Brasil, as bases legais para a modalidade de EaD foram estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996. Entretanto, embora responsável pelo credenciamento, o MEC não avalia cursos superiores a distância. Mantém apenas o Sistema de Consulta de Instituições Credenciadas para Educação a Distância e Polos de Apoio Presencial (Siead), no qual é possível verificar a regularidade da instituição.

Tentando preencher a lacuna, a Associação Brasileira dos Estudantes de Ensino a Distância (Abe-EaD) realiza periodicamente uma pesquisa para avaliar o nível de satisfação de estudantes de cursos superiores a distância. Na última pesquisa divulgada, foram ouvidos 16.200 alunos da graduação de 67 instituições privadas de vários estados. No topo da lista, com nota máxima, classificadas como plenamente satisfatórias, aparecem cinco instituições de São Paulo, três do Paraná, duas de Santa Catarina, uma do Rio de Janeiro, uma de Minas Gerais e uma do Distrito Federal.

Problemas antigos

A expansão do ensino superior como um todo no Brasil segue uma tendência mundial, que se deve principalmente ao aumento da demanda social, particularmente por aqueles que querem fazer parte da emergente sociedade do conhecimento, e à necessidade econômica crescente de contratar pessoas qualificadas. Paralelamente, com a inserção cada vez maior de tecnologias de informação e comunicação (TIC), verifica-se o crescimento acentuado da EaD em cursos superiores. Para Nelson Pretto, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), na medida em que equipamentos digitais vão sendo incorporados à vida cotidiana de cada cidadão e, de forma quase automática, no seu exercício profissional, é natural que seja incorporado também às atividades do professor e do aluno: “Não podemos cercear seu uso”, avalia. Mas as tecnologias digitais são meras ferramentas auxiliares dos processos educacionais, acrescenta. Nelson Pretto salienta que, com o desenvolvimento acelerado das TIC, pode-se estimar que muito em breve a distância entre e EaD e a educação presencial diminua, por meio da inserção dessas tecnologias nos processos de ensino-aprendizagem em geral, seja em curso presencial ou a distância.

Raquel Goulart Barreto, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), considera que a valorização das TIC, em si, na maioria das vezes acoplada à defesa da atratividade, se insere no movimento de variar os instrumentos mantendo-se as mesmas e velhas práticas pedagógicas. Assim, a perspectiva da “modernização” pode significar a repetição de ações que eram desenvolvidas com lápis e papel. Segundo ela, o que pode ficar de fora é justamente o conjunto de possibilidades pedagógicas a que remetem os novos meios digitais. Para Barreto, é fundamental superar a reificação das TIC e seus desdobramentos, como a noção de inclusão digital, notadamente quando associada à inclusão social. “Os objetos técnicos, em si, não determinam formas de apropriação pedagógica”, pondera. E acrescenta: “Textos multimidiáticos não são mais fáceis porque tecidos por palavras, imagens, sons etc. A articulação dessas linguagens é uma questão complexa a ser enfrentada quando se trata de crítica e criatividade”.

Na EaD, e em particular na graduação a distância, uma das críticas é o risco de esvaziamento do trabalho docente, reduzido à realização de tarefas predefinidas, comprometendo a sua autonomia pedagógica. Barreto considera que se as TIC são acompanhadas por cartilhas e materiais semelhantes, a questão de fundo é política: “Tem-se um movimento que começa com parâmetros e diretrizes nacionais e culmina com instrumentos de avaliação unificada”. Ela salienta que, desde as primeiras iniciativas de incorporação educacional das TIC, a formação de professores a distância esteve no centro: “Na medida em que a formação dita presencial ficou em segundo plano, a perspectiva da substituição tecnológica atingiu também as práticas pedagógicas na escola básica”.

Com a expansão da EaD e a transformação de professores e alunos em “consumidores” de materiais prontos, como aulas gravadas, as avaliações unificadas provavelmente apresentarão melhores resultados. Mas Barreto considera que isso não representa diferenças qualitativas nas práticas pedagógicas. “Esta tem sido a opção política no Brasil, de padronizar os procedimentos para os resultados esperados, esvaziando e precarizando o trabalho docente, nas condições concretas em que é produzido”, reforça.

Nelson Pretto considera a EaD fundamental, mas diz que são necessários cuidados para impedir a proliferação de instituições e de cursos de baixa qualidade. “Não basta disponibilizar textos em pdf e recolher respostas em questionários automatizados, prática que tem sido comum tanto em cursos presenciais quanto a distância”. São necessárias condições apropriadas tanto em termos estruturais quanto na capacitação dos docentes. Para ele, os polos de atendimento devem ser efetivamente unidades universitárias, com bibliotecas, computadores, impressoras, conexão rápida. “Não devem ser apenas unidades de apoio, um posto de serviço”, acresenta. O professor da UFBA aponta vários gargalos na EaD, que são os mesmos da educação presencial. Segundo ele, a questão salarial persiste, mas não é o único problema. “Enquanto não dermos condições de trabalho, salários decentes desde a educação básica, e formação continuada, não se pode esperar grandes mudanças apenas porque passamos a utilizar TIC”. Defensor ardoroso da adoção de tecnologias digitais em todos os níveis e em todas as modalidades de ensino, Pretto salienta que a educação com TIC será fortalecida se tiver professor prestigiado e com condições de trabalho.