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Reportagem
O contexto atual da formação no Brasil
Por Mayra Matuck
10/05/2013

No livro Raízes do Brasil, de 1936, o historiador e jornalista Sérgio Buarque de Holanda faz uma profunda análise histórica, social, econômica e cultural do nosso país. Ele afirma que a maior contribuição do Brasil para o mundo será a de cordialidade, ou “técnica da bondade”: aquele cidadão legal, que vive em uma terra fértil e promissora, se dá bem com tudo e com todos, mas é pouco competitivo. Atualmente, o país está pensando em um modelo de expansão educacional como projeto de futuro e formação profissional para até 2016. Uma educação prática para servir às necessidades do Brasil, tendo em vista uma agenda mais estruturada econômica e socialmente: capacitar 7,2 milhões de profissionais para o trabalho na indústria. As perspectivas apontam o atributo da cordialidade, descrito pelo historiador, substituído pelo raciocínio lógico e o trabalho prático esperado pelo mercado. Ainda assim, a educação regular e a educação profissional são mundos distantes um do outro. O desafio é aproximar os dois para que a qualificação seja compatível com as funções a serem desempenhadas pelo futuro profissional.

As políticas públicas de ensino possuem forte apelo acadêmico e, por consequência, a formação de profissionais tem uma visão restrita da realidade empresarial. “A necessidade das empresas exige vivência prática e experiências objetivas quanto aos resultados e desempenho de profissionais que chegam ao mercado. A formação educacional, e principalmente no nível superior, me parece estar mais voltada ao resultado interessado às próprias instituições de ensino, em detrimento dos profissionais que serão ‘entregues’ ao mercado”, avalia Luis Roberto Telles, engenheiro formado pela Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), especialista em engenharia de produção, com MBA em gestão empresarial pela FGV e 30 anos de atuação na área siderúrgica. “Pela minha experiência, tenho visto, percebido e entrevistado engenheiros com formação técnica relativamente abrangente, mas também desprovidos de complemento curricular e experimental em áreas administrativas e de relações humanas, conforme exigidos no mercado”, completa.

O “Mapa do Trabalho Industrial 2012”, elaborado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), aponta que o Brasil terá 7.153.800 novos postos de trabalho até 2015, principalmente voltados para a indústria de alimentos, química, petroquímica, além das áreas de biotecnologia, nanotecnologia, setor espacial e as engenharias de produção, alimentos, setor mineral, elétrica, ambiental e mecatrônica. Mais da metade dessa demanda (57%) estaria no Sudeste, que precisa capacitar até 2015 mais de 4 milhões de trabalhadores. Na região Norte, embora o Senai aponte uma demanda relativamente pequena por mão de obra qualificada em relação às outras regiões, a perspectiva de média salarial para início de carreira nos novos postos a serem criados varia de R$ 2.000,00 a R$ 2.800,00; e para postos mais especializados e com alguns anos de experiência profissional, a remuneração estimada pelo Senai chega a R$ 15.000,00, como no caso de supervisor de sonda.

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Fonte: site do portal da indústria, da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

Um estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) cinco anos antes identificava cerca de 84 mil trabalhadores qualificados sem emprego. As regiões Nordeste (alimentos, têxtil e automobilística) e Sudeste (pecuária e indústria petroquímica) concentravam o maior excedente de trabalhadores mais preparados, enquanto nas regiões Centro-Oeste (agricultura e pecuária), Norte (eletrônica, automobilística e agropecuária) e Sul (indústria alimentos e bebidas), havia falta desses profissionais especializados (ver mapa abaixo).

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Segundo dados do Ipea, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pretende dobrar o número de doutores nos próximos anos. Bolsas nas áreas de tecnologia da informação e engenharia estão crescendo 15% ao ano. A ideia é aumentar professores das áreas de química, física, matemática e computação para a especialização em semicondutores e eletrônica.

Mas como equilibrar a formação com qualidade e as necessidades do mercado de trabalho em cada localidade do país é o xis da questão. O atual levantamento do Senai aponta um prognóstico, mas não mostra como o Brasil (e cada unidade da federação) está se preparando, nem o que deve ser feito ou como será o subsídio para a efetivação da proposta, considerando as realidades locais e as disparidades entre as diferentes regiões.

Segundo o Senai, educação profissional (ou ensino técnico) representa no Brasil apenas 6,6% do sistema de ensino, em contraste com os 50% que chega a atingir em países como França, Japão, Alemanha, Coréia do Sul e Estados Unidos. Em comparação com esses países, o Brasil também forma poucos profissionais em ciências exatas. O estudo do Senai aponta, ainda, escassez de profissionais para trabalharem nas áreas de metalurgia, automação, petróleo e gás, biocombustível e siderurgia, esta última, considerada de excelência brasileira aos olhos do mundo.

De acordo com o Ministério da Educação (MEC), o país tinha, em 2003, cerca de 589 mil alunos matriculados em 2.789 escolas que ofereciam cursos de educação profissional de nível médio. Em 2005, eram 747 mil alunos em 3.294 escolas de ensino profissionalizante, um aumento de aproximadamente 18% nos estabelecimento de ensino e 27% nas matrículas nessa modalidade de ensino. Segundo o MEC, as matrículas na educação profissional continuaram aumentando ano a ano e passaram de 780.162 em 2007 para 1.362.200 em 2012.

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Segundo o Ipea, o país forma 23 mil engenheiros por ano, enquanto a Coreia do Sul forma 80 mil e a Índia 200 mil, e o Brasil precisaria de mais engenheiros e profissionais mais especializados que possam atender essas áreas que agregam mais valor à produção, o que representaria um progresso técnico da indústria brasileira. “O país está com uma grande carência de profissionais nas áreas de matemática, estatística, engenharia. Inclusive possui um projeto de incentivo à imigração (de cérebros)”, aponta o matemático e doutor em microestrutura e contagem econômica de créditos pela Universidade de São Paulo (USP), Wellington Luiz Bogarin de Faria. “Há bastante vagas para matemáticos. Já para físicos, nem tanto”, avalia.

Esses estudos do Senai e do Ipea são bastante significativos em relação às demandas do mercado. Mas nos remetem a um ponto básico: o atual estado da educação no país. O ensino básico ainda é bastante precário, assim como a remuneração dos professores. A carência por engenheiros e profissionais nas ciências exatas é resultado, em parte, da formação básica que deixa a desejar. O ponto chave está na estrutura do ensino de matemática, física e química nas escolas. Como a carreira de professor não é valorizada, faltam professores dessas disciplinas no ensino médio. Se não houver uma estrutura melhor na base, o que se verá no ensino superior será mera consequência.

Os cursos técnicos profissionalizantes têm muito espaço para expandir suas vagas. É promissor o mercado e a demanda por técnicos de nível médio na indústria brasileira. “Muitas vezes, de modo desnivelado, profissionais de engenharia e outros cursos superiores de exatas, estão ocupando essas áreas, e também são sub-remunerados”, aponta Telles, questionando o discurso sobre a falta de engenheiros no país.

Esse espaço a ser ocupado pelo ensino técnico também tem relação com a média de anos de escolaridade do brasileiro. O diretor de educação e tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e diretor geral do Senai, Rafael Luquiari, durante a Olimpíada do Conhecimento de 2012, fez a seguinte observação: “O mapa do trabalho no Brasil é extremamente importante para coordenar as ações de expansão futura de nosso sistema. A principal agenda de projetos do país é a competitividade. A competição como parâmetro de talento associado ao trabalho é o nosso principal mantra. Menos de 15% dos jovens chegam ao ensino superior. Em países mais ricos, é o dobro essa porcentagem. Dos 24 milhões de jovens que o Brasil tem hoje, apenas 3,4 milhões irão para a universidade. São mais de 20 milhões de brasileiros que não vão para o ensino superior. Em nove anos de ensino fundamental e três de ensino médio, os alunos não têm um hora de educação profissional”.

Diante desse quadro, o projeto de ensino para atender ao cenário traçado pelo Senai não está muito claro. Ainda assim, segundo a visão do próprio meio empresarial, o Brasil parece estar disposto a investir em um quadro competente na formação de jovens para atender a demanda da indústria nacional. Na Olimpíada do Conhecimento de 2012, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, afirmou que o país está preocupado em criar mais centros de inovação e tecnologia, e possui, inclusive, o projeto “Navio Escola” para circular na região amazônica.

A dificuldade em precisar um ponto de ajuste entre demanda do mercado e formação de mão de obra é que existem inúmeras variáveis em relação a produção de riqueza e geração de empregos no país e um desequilíbrio entre os números de postos de alto rendimento gerados e de postos de baixa renda. O país possui 120 mil doutores, dos quais 62 mil estão em centros de pesquisa. Para o diretor do CNPq, José Roberto Drugowich, “(o número atual) é um grande avanço comparado a 2000, cujo número era de 28 mil”, segundo seu depoimento em notícia publicada no site do Ipea.

E as tão faladas oportunidades trazidas pelos grandes eventos esportivos que o Brasil vai sediar, como a Copa do Mundo de 2014? “A Copa traz, sim, inúmeras novas oportunidades (talvez temporárias) em obras específicas para engenheiros e técnicos especializados em atividade de infraestrutura. Entretanto, não creio existir dados fundamentados que revelem carência de engenheiros na área de aços, pois com a reestruturação (e “enxugamento”) dos organogramas das siderúrgicas nacionais, há cerca de cinco anos, observa-se um excedente de profissionais ainda sem redirecionamento.O mesmo ocorre com a indústria secundária de consumo de aços (distribuidores e centros de serviços)”, conclui, Telles.

O contraponto da proposta de qualquer mapeamento é que existe uma complexidade na formação, seja ela regular ou especializada, que sempre nos traz de volta ao ponto da educação básica, da qualificação dos professores e de seus salários. Falta clareza em determinar o que é investimento de longo prazo, prioritário e temporário dentro do contexto da proposta de formação qualificada. Quando se fala da base educacional, trata-se de um cenário que possui impacto na economia brasileira e na formação profissional do trabalhador. É aí, em grande medida, que reside a grande discrepância. Investir na base é pensar no futuro. Seja ele como o prognóstico do Senai ou não.