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Reportagem
Capital humano e mercado de trabalho no leste asiático
Por Ricardo Manini
10/05/2013

Qual o valor do conhecimento para a economia de um país? Quanto vale a formação de capital humano para a riqueza de uma nação? Como a renda pode ser alterada pelo fato de haver pessoas mais bem capacitadas?

Uma boa resposta a essas questões foi dada durante as últimas décadas por países como Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura. Mesmo após a crise de 2008, que afetou toda a economia mundial, eles continuam a ser exemplos de que o investimento em capital humano é fundamental para o crescimento econômico de longo prazo.

Com empresas como a Samsung, a Hyundai e a LG Electronics, a Coreia do Sul destaca-se hoje pela produção de bens de alta tecnologia. Taiwan, por sua vez, é sede da Acer, da D-Link e da Foxconn, todas voltadas para a produção de bens tecnológicos como componentes eletrônicos e computadores, sendo a última, inclusive, a grande parceira da Apple. No caso de Cingapura e Hong Kong o setor de serviços tem importância fundamental para a economia, e o sucesso econômico reflete-se, em muitos casos, na alta qualidade de vida.

Na década de 1960, pouquíssimos economistas acreditavam no potencial do leste asiático. A região era comumente vista como um conjunto de países relativamente pobres em recursos naturais e fadados a não atingir o desenvolvimento de forma plena. Entretanto, o grande investimento realizado em educação permitiu que esses Estados iniciassem uma trajetória sustentável de crescimento econômico, o que contribuiu para níveis elevados de renda per capita (e com melhor distribuição), maior expectativa de vida e baixo analfabetismo. Dessa forma o leste asiático entrou, definitivamente, no mapa do desenvolvimento global.

Em comum, no caminho percorrido por esses Estados observa-se o investimento educacional como variável de alto impacto. A formação de capital humano se fez em termos qualitativos e quantitativos, o que resultou em possibilidades múltiplas de crescimento. “É preciso que, além de ampliar o acesso da população, a qualidade de ensino também melhore de maneira significativa para que um país se desenvolva”, afirma Amilton Moretto, doutor em desenvolvimento econômico pela Unicamp e professor do Instituto de Economia da mesma universidade.

Em um texto na revista Ensino Superior, intitulado “Cursos de formação geral ganham espaço em Hong Kong e Cingapura”, o jornalista Guilherme Gorgulho assinala que nas duas economias existe a preocupação em formar profissionais com espírito crítico e criativo, capazes de terem autonomia no aprendizado. Para Moretto, “esse tipo de formação é extremamente importante, uma vez que transcende demandas imediatistas do mercado de trabalho e prepara pessoas para enfrentarem desafios múltiplos na vida profissional”.

Sob a ótica da ciência econômica

O capital humano é um elemento fundamental na teoria macroeconômica. O crescimento interno de uma economia, promovido por seus próprios recursos, depende tanto do capital físico como do capital humano. E, mais do que isso, na medida em que o acúmulo de conhecimento gera mais conhecimento, o retorno do investimento tende a não diminuir – ou seja, investir em educação dificilmente deixa de gerar retornos.

“O investimento em capital humano é visto por várias escolas econômicas como um componente fundamental do crescimento de longo prazo”, afirma Marcelo de Paiva Abreu, professor de macroeconomia da PUC-Rio. “Entretanto, não é um fator que atua sozinho. O capital humano comanda o capital físico, que precisa crescer também para que haja aumento do produto interno bruto”, completa.

Moretto afirma que o investimento em educação tem importância ímpar, mas que, sozinho, não consegue transformar cenários nacionais. “Um bom exemplo é Cuba. Todos têm educação, mas o país não se desenvolveu adequadamente, pois faltavam fatores produtivos importantes”, exemplifica.

Na visão do economista norte-americano Robert Lucas, em um artigo intitulado “On the mechanics of economic development”, o capital humano tem uma enorme importância para o crescimento por duas razões. Em primeiro lugar, contribui para aumentar a produtividade do indivíduo. Em segundo, ao aumentar sua produtividade, ele faz melhor uso dos outros fatores, relacionados ao capital físico, que também têm, portanto, a produtividade aumentada. O resultado econômico, derivado da maior produtividade individual e da maior produtividade dos fatores de produção, costuma ser significativo.

Um dos exemplos no leste asiático foi o setor agrícola da Coreia do Sul, em que o investimento em educação gerou um enorme salto de produtividade. No caso de pequenos produtores, a educação contribuiu para que fizessem melhores escolhas sobre quais tecnologias investir, o que resultou em uma alta taxa de retorno do investimento realizado.

Capital humano, cultura e construção do Estado

O capital humano foi uma variável fundamental para a construção de Estados nacionais no leste asiático. Basta ver que muitos analistas atribuem a transformação do Japão feudal no Japão moderno (com a Revolução Meiji) às políticas estatais focadas em educação. Em 1872, o governo japonês anunciou um vasto programa de escolas públicas, e a educação primária tornou-se obrigatória para todos no início do século XX.

Quando colônias, entretanto, os países do leste asiático, em sua maioria, tiveram seus investimentos educacionais atrasados ou adiados indefinidamente. A única exceção foi Taiwan, no momento em que era colonizado pelo Japão. Os japoneses, muito interessados no planejamento educacional, contribuíram para que a população do país recebesse educação de qualidade.

O atraso educacional foi um dos fatores que impediu essas economias de se desenvolverem plenamente antes de suas independências. Entre esses países, apenas o Japão e a China não foram colônias. Após a Segunda Guerra Mundial, muitos Estados se tornaram independentes e passaram a buscar o desenvolvimento.

Retomando o pensamento do sociólogo espanhol Manuel Castells, a cultura do desenvolvimentismo predominou entre os tomadores de decisões desses países. O crescimento foi liderado pelo Estado, que realizou muitos dos investimentos em educação. “Acredito que o Estado tenha um papel importante no crescimento de longo prazo, tanto no ensino primário quando no secundário”, aponta Paiva Abreu. Moretto concorda. “A responsabilidade de educação deve ser do Estado, de preferência, em todos os níveis. A participação estatal possibilita que exista um grande salto de qualidade do ensino”.

Nesses países, o papel do Estado em relação à educação de base é proeminente. Já no caso do setor secundário, embora diversas escolas sejam públicas, o papel do setor privado é maior. No que tange às universidades, porém, muitas são privadas. O número de matriculados em instituições superiores privadas é maior nesses países do que na maioria dos países em desenvolvimento.

Isso não impede, contudo, que o Estado esteja presente no ensino superior. Uma característica fundamental dessas economias é que os governos conseguem realizar um planejamento que leva em conta ofertas no sistema educacional e demandas do mercado de trabalho, o que contribui para aproveitar melhor o capital humano disponível. Esse planejamento é comum na Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura, e difere muito de outras economias em desenvolvimento, que deixaram há tempos os planos educacionais de lado.

Características dos investimentos em educação

A crença de que o investimento em educação pode alavancar economias nacionais contribuiu de modo decisivo para que houvesse maior alocação de capital nesse setor em países do leste asiático. Durante as últimas décadas, o gasto público com educação aumentou em diversos países da região, e um maior número de pessoas matriculou-se em escolas. Por si só, esse dado não leva ao crescimento econômico, mas pode ser um elemento crucial caso outros fatores estejam presentes, como a qualidade do ensino e o capital físico.

Um bom indicador da preocupação desses governos com o setor educacional é a taxa “gasto em educação/orçamento”, mais acertado do que o “gasto em educação/PIB”, uma vez que, enquanto o governo tem controle sobre o orçamento, o mesmo não é observado em relação ao produto interno bruto. Nesse ponto, em particular, alguns números podem exemplificar a questão.

Na China, por exemplo, o percentual de gasto público com educação quadruplicou entre 1970 e 1990. Na Coreia do Sul, entre 1975 e 1985, esse índice, que já era alto, dobrou de valor, atingindo 28% dos gastos governamentais. Hoje, esses números são, em geral, menores, mas o histórico de investimento conta positivamente para o bem-estar da sociedade.

Outra característica singular dos países do leste asiático é a preocupação acentuada com a educação vocacional e técnica, contribuindo para que as taxas de desemprego continuem relativamente baixas. Um amplo sistema educacional – que inclui instituições politécnicas, escolas vocacionais, institutos de educação técnica e colleges – foi estruturado em países tão diversos como Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura. Esse sistema oferece habilidades essenciais para os estudantes, que conseguem, assim, qualificar-se mais facilmente para o mercado de trabalho.

Esses investimentos se realizam sem que haja descuido em outras áreas do sistema educacional. Exemplo disso é que o aprimoramento do capital humano para atividades relacionadas à pesquisa e desenvolvimento também é notório. Em razão desse fator, existe um grande contingente da população que trabalha em atividades ligadas à ciência e à engenharia.

Desse modo, essas economias têm vantagens estratégicas no desenvolvimento de produtos e podem sair na frente em concorridos mercados globais. “No atual estágio de desenvolvimento capitalista, o conhecimento científico é uma ferramenta para as grandes empresas ganharem mercado, especialmente porque elas ganham capacidade em inovação", finaliza Moretto.