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O silêncio, o som e o sentido - Carlos Vogt
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Entrevistas
Iván Izquierdo
Neurocientista discute como o silêncio e os ruídos afetam os processos de formação de memória e de aprendizagem, interferindo também na qualidade de vida.
Ricardo Schinaider de Aguiar
10/09/2013

Médico e pesquisador na área de neurociências, Iván Izquierdo é responsável pelo descobrimento dos principais mecanismos moleculares de formação, evocação, manutenção e extinção das memórias, e da separação funcional entre as memórias de curta e longa duração. Ao longo de sua carreira, recebeu mais de 60 prêmios e distinções nacionais e internacionais, entre eles a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Científico (1996), o Prêmio Conrado Wessel (2007) e o Prêmio Almirante Álvaro Alberto (2010). Professor da PUC-RS onde é coordenador científico do Instituto do Cérebro, Izquierdo é autor de 17 livros, incluindo Silêncio, por favor, no qual trata o tema ruído sob várias perspectivas. Nesta entrevista, o pesquisador discute o assunto e sua relação com a neurociência, abordando como os ruídos da sociedade interferem no cérebro e na qualidade de vida.

O que o senhor considera como ruído na sociedade atual?

Iván Izquierdo O ruído é definido por físicos como o conjunto de todas as informações dentre as quais é difícil distinguir as que realmente nos interessam, chamadas de sinais. No meio da balbúrdia generalizada, queremos distinguir uma voz que nos chama. A voz é um sinal; a balbúrdia é o ruído. Mas o ruído não é apenas auditivo, é também visual, linguístico e multissensorial. Em meio a todas as informações de todos os jornais, queremos descobrir uma notícia que nos interessa. A notícia é um sinal, e o conjunto de todas as informações é o ruído. Na rua, o sinal “proibido virar à direita” fica oculto por dezoito placas de propagandas ou quatro outdoors gigantes. O livro de boa literatura que queríamos comprar fica perdido no meio da massa de lixo verbal que costuma ocupar quase por completo as prateleiras das livrarias. Em meio a oito aparelhos de som tocando ao mesmo tempo, um deles reproduz uma sonata de Chopin. Queremos ouvi-la; a sonata é um sinal. O resto é ruído.

Em sua opinião, os ruídos têm piorado ao longo do tempo?

Izquierdo As primeiras críticas aos ruídos vêm de séculos atrás. A mais forte foi a de Santiago Ramón y Cajal, considerado o pai da neurociência. Ele escreveu um livro no início do século XX chamado A vida aos oitenta anos, no qual já se queixava dos ruídos das rádios, da balbúrdia das ruas, dos telefones barulhentos. Hoje em dia isso tudo está multiplicado por dez mil. O número de habitantes do planeta é cada vez maior e as máquinas que fomos inventando no último século não funcionam sem produzir ruídos. Temos o barulho da televisão, mais estações de rádio, telefones celulares e carros pelas ruas gerando tanto o barulho do trânsito como o de músicas que chegam aos ouvidos daqueles que não as querem escutar, por meio de poderosos amplificadores de som.

Como esses ruídos afetam o cérebro e, consequentemente, os processos cognitivos, de memória e de aprendizagem? Qual a importância do silêncio para esses processos?

Izquierdo Obviamente, eles afetam de maneira negativa. Há uma importante região do cérebro, chamada lobos frontais, dedicada a examinar toda informação que chega aos nossos sentidos, extrair dela os sinais que realmente interessam e verificar se são importantes a ponto de serem guardadas em nossa memória. Graças à função dessa região cerebral, que opera como um filtro, conseguimos distinguir os sinais do ruído e nos comunicarmos com o meio de maneira satisfatória. O excesso de ruído não nos deixa perceber, conhecer e reconhecer os sinais. Ele complica a função analítica do nosso cérebro, satura nossa memória operacional e prejudica os processos de formação de memória e de aprendizagem.

No silêncio somos capazes de distinguir mais facilmente os sinais. Portanto, é sem dúvida melhor para o processo de aprendizagem e formação de memórias. O silêncio de intervalos também é importante para dar descanso a nossa mente e impedir que sejamos atropelados pela continuidade de estímulos sonoros ou visuais. Pesquisas revelaram que o ser humano apresenta oscilações da capacidade de atenção – que dura aproximadamente noventa minutos. Depois desse tempo há quedas no nível de atenção. Por isso a maioria dos espetáculos teatrais, musicais ou filmes têm duração aproximada de noventa minutos. O silêncio dos intervalos também é importante porque nossa capacidade de armazenar memórias é saturável, ou seja, podemos absorver e armazenar certo número de informações consecutivas. Depois disso, precisamos dar um descanso para os sistemas cerebrais poderem absorver mais dados.

Quando o silêncio é prejudicial?

Izquierdo Há vários tipos de silêncio e alguns deles são prejudiciais. Há, por exemplo, o silêncio imposto, de não nos permitir expressar nossas ideias ou nossos sentimentos, como nos impõem os múltiplos mandões deste mundo. Há muitas formas de impor silêncio, como pela repressão política ou religiosa.

Da perspectiva da neurociência, temos o silêncio da mente vazia, encontrado, por exemplo, em doenças degenerativas do cérebro, principalmente nas demências. Nelas, morrem neurônios, perdem-se com eles suas conexões e desaparecem memórias já armazenadas – e a capacidade de formar outras. O cérebro deixa gradativamente de ser capaz de emitir sinais ou ruídos, entrando aos poucos em um estado de silêncio. A demência mais comum é a doença de Alzheimer.

O que são os “ruídos que vêm de dentro”, citados em seu livro Silêncio, por favor, e qual a relação com doenças psicológicas?

Izquierdo Chamo de “ruídos que vêm de dentro” as tantas ideias que nos preocupam, os temores do que possa vir a acontecer, as angústias que nos devoram. Muitas vezes esses ruídos são os sintomas de doenças psicológicas, como ansiedade, mania ou depressão.

A ansiedade pode ser aguda ou crônica. A aguda é decorrente de um medo real, de um susto ou de fobias. Quando o medo é real, temos que deixar a angústia se manifestar, mesmo com toda a bagagem de suor frio, hipertensão e taquicardia; são esses elementos que podem determinar nossa sobrevivência. Temos que sair da frente quando um caminhão tenta nos atropelar. Já a ansiedade crônica é muito prejudicial, podendo provocar danos graves ao organismo e resultar em síndromes complexas e de difícil tratamento. É difícil estabelecer um limite entre a ansiedade normal e a patológica, mas é útil verificar se ela é recorrente e/ou se nos sentimos debilitados ou seriamente perturbados por ela.

Já na mania, o ânimo do paciente pode ficar estimulado até fora do controle. Ele é invadido por ideias eufóricas, expansivas e onipotentes e fica em estado de hiperatividade continuamente. A depressão é como o oposto da mania. Sua característica mais visível é a tristeza. Nessa condição, as ideias do paciente são poucas, mas persistentes e insistentes, e predominam entre elas as mais negras e dramáticas.

O ruído interno pode ser causado pelo ruído externo?  

Izquierdo Sim, com certeza. Se nos angustiamos muito com o que está acontecendo à nossa volta, podemos facilmente desenvolver doenças, desde ansiedade ou depressão até casos mais graves, como o transtorno bipolar. Casos como o de soldados que retornam de uma guerra ilustram como um horrível ruído externo pode afetar uma pessoa, pois muitos deles desenvolvem condições psicológicas ou psiquiátricas após os traumas que vivenciam.

O que podemos fazer para filtrar esses ruídos, tanto os externos como os que vêm de dentro?

Izquierdo Para detectar melhor os sinais devemos melhorar a relação sinal/ruído. Há duas maneiras de fazer isso: aumentando o volume dos sinais ou abaixando o volume dos ruídos. Nem sempre, porém, podemos aumentar o volume dos sinais. O método mais simples e mais efetivo é abaixar o nível do ruído ou filtrá-lo. Em relação aos ruídos externos, temos que tentar não prestar atenção em tudo. Quando estamos dirigindo por uma estrada, por exemplo, não prestamos atenção aos pássaros que estão à nossa direita ou esquerda, prestamos atenção à nossa frente. Não podemos também nos deixar levar por informações falsas, por isso a importância de cultura, conhecimento e educação. Sem isso podemos confundir qualquer ruído com notícia.

Já os ruídos que vêm de dentro como as doenças psicológicas ou seus sintomas, devem ser tratados. O tratamento varia, podendo ser um acompanhamento psicológico ou exigir o uso de medicamentos em casos mais graves.

Em sua opinião, o jornalismo científico sofre muito devido a ruídos causados por notícias e informações erradas, demasiadamente simplificadas ou sensacionalistas? Como melhorar?

Izquierdo Acredito que sim. Os jornalistas não são cientistas, então pode ser difícil para eles distinguir entre o que é realmente importante e o que é ruído. Eles reportam o que acham mais interessante, muitas vezes acertando, mas muitas vezes errando também, confundindo o ruído com a notícia. Além disso, mesmo quando acertam a notícia podem cometer erros, pois não são cientistas e não podemos exigir que sejam. Para evitar esses tipos de equívocos, podem consultar cientistas da área sobre a qual estão escrevendo antes de publicarem.