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Resenhas
Caminhos para a gravidade quântica
Partindo de questões como “o que são o espaço e o tempo?”, autor aproxima leitores dos bastidores das pesquisas por uma teoria “definitiva” da física.
Cristiane Delfina
10/03/2014
Escritas para o “leigo inteligente” – nas palavras do autor Lee Smolin – as 233 páginas de Três caminhos para a gravidade quântica propõem-se a trazer para o público o ambiente das pesquisas que levaram à busca de uma teoria que unifique os princípios da Relatividade e da Teoria Quântica. A finalidade é responder à pergunta “o que são o espaço e o tempo?”, além de compreender as estruturas de formação do mundo, desde as menores partículas até os maiores planetas.

Até hoje, as teorias da física que conseguem explicar os movimentos e forças planetárias encontram obstáculos ao lidar com átomos e partículas, e as que lidam com estes menores formadores da matéria não conseguem explicar as estruturas planetárias. Smolin se propõe a explicar e contextualizar as três principais linhas de pesquisa que buscam a unificação das teorias existentes (até o momento da publicação da primeira edição do livro em 2001): a Termodinâmica dos buracos negros, a gravidade quântica com loops e a teoria das cordas. O autor levanta, de forma não linear, as controvérsias e paralelos entre trabalhos herdeiros da descoberta da órbita em movimentos elípticos de Johannes Kepler, da aceleração constante de Galileu Galilei, da Lei da Gravidade de Newton, da Relatividade de Einstein até chegar à Quântica em si, com Werner Heisenberg, Niels Bohr, Erwin Schrödinger  além de físicos e matemáticos das últimas décadas, como Chris Isham, Fotini Markopoulou-Kalamara, Richard Feynman e outros nomes famosos e respeitados entre seus pares.

O livro faz parte da série intitulada Os mestres da ciência, criada pelo editor e autor John Brockman e distribuída no mundo todo, trazendo questões complexas das ciências exatas, biológicas e humanas, explicadas por grandes cientistas ao público geral. Traduzida no Brasil pela editora Rocco, a série é voltada a estudantes do ensino médio e superior e tem a intenção de aproximar os leitores de diferentes áreas do universo científico de pesquisas, descobertas, invenções e desafios.

Lee Smolin é físico teórico, pesquisador das diversas teorias que "orbitam" a gravidade quântica. Atualmente é professor de cursos de física da Universidade de Waterloo, Universidade de Toronto e fundador do Perimeter Institute for Theoretical Physics, todos no Canadá. Foi um dos precursores dos estudos sobre Gravidade Quântica com loops, mas posteriormente resolveu dedicar-se à Teoria das Cordas.

"Não é difícil explicar por que é complicado juntar a Relatividade com a Teoria Quântica. Uma teoria física deve ser algo mais do que um simples catálogo de todas as partículas e forças que existem. (…) a Teoria Quântica foi inventada para explicar a razão pela qual os átomos são estáveis, não se desmanchando instantaneamente como era previsto por todas as tentativas de descrever a estrutura atômica usando a física newtoniana. A Teoria Quântica também é capaz de explicar muitas das propriedades observadas da matéria e da radiação. Em contraposição, a Teoria da Relatividade Geral é uma teoria do espaço, do tempo e da cosmologia" explica o autor.

Discutindo o senso comum sobre a genialidade de Albert Einstein, no capítulo 8 Smolin relata que teve a oportunidade de analisar o material de estudo do cientista, e respaldado pelo que viu nessas anotações, defende que não existem gênios, pois é grande a necessidade do trabalho em grupo, das trocas e da complementariedade entre os trabalhos (mesmo que involuntária), embora as relações acadêmicas revelem comportamentos competitivos, vaidosos e embates inférteis.

"Uma lição que aprendemos a partir dessa experiência foi como a ciência progride mais rapidamente quando pessoas com experiência e formação diferentes se unem para fazer avançar um campo de pesquisa. A relação entre os físicos teóricos e os físicos matemáticos não é sempre tranquila (…) se conseguimos fazer um progresso verdadeiro foi porque descobrimos que as pessoas podem trabalhar juntas."

Em seu texto Smolin nos faz compreender que na física os erros são parte dos processos de desenvolvimento de teorias, e bons trabalhos se fazem a partir de pontos onde outros pararam ou encontraram problemas. Processo, aliás, é como o autor resume as conclusões atuais sobre tudo que a física estuda. O espaço não é um fundo fixo por onde toda a matéria transita, tudo é relativo e processual. O verbo ser, inclusive, é questionado por ele, que frequentemente circula pela filosofia em seu discurso e intercala pensamentos, casos vividos e explicações conceituais.

Em tentativas de simplificar os conceitos usando analogias com gatos e ratos (inspirados, talvez, em um famoso experimento hipotético de Erwin Schrödinger conhecido como o Gato de Schrödinger) ou construções gramaticais, Smolin muitas vezes confunde o leitor justamente por propor situações pelas quais animais não passariam "naturalmente" ou que somadas às regras gramaticais tornam-se ainda mais complexas. Pode-se perder mais tempo tentando esvaziar todas as memórias e entendimentos sobre os gatos para visualizá-los no espaço, do que seria gasto para pensar realmente em um planeta. Por outro lado, os gráficos podem ser abstratos demais para algumas explicações. Talvez não seja uma questão do leitor ser ou não inteligente, mas sim da proximidade que ele pode ter com fórmulas, cálculos e abstrações típicas do universo das exatas, que não se tornam mais compreensíveis somente substituindo-se os atores. Este é o caso da explicação a seguir.

"o espaço, então, é mais ou menos como uma frase. Seria um absurdo falar de uma frase que não contenha palavras. Cada frase tem uma estrutura gramatical definida pelas relações entre as palavras que fazem parte dela, relações como sujeito-objeto ou substantivo-adjetivo. Se eliminarmos todas as palavras de uma frase não ficaremos com uma "frase vazia", pois nada restará. Além disso, existem muitas relações gramaticais diferentes, adequadas aos diferentes arranjos de palavras e às várias relações entre elas. Não existe nenhuma estrutura absoluta que seja válida para todas as frases ou independente das palavras e sentidos que contenham.”

O livro, contudo, faz-se interessante para pessoas de diferentes áreas justamente por intercalar os conceitos com casos e discussões que o autor traz sobre a comunidade científica e a física como conhecimento sobre o mundo. Um trecho considerável do epílogo é reservado a justificar sua opção por escrever um livro para leigos e levantar a importância da divulgação científica não só como combustível para a motivação do trabalho (ao aproximar pessoas interessadas e curiosas e até atrair novos estudantes para a área), mas como importante ferramenta para o levantamento de investimentos e interesse de tomadores de decisão de governos e instituições públicas ou privadas para compreenderem a importância de cada trabalho e, com isso, fornecerem os subsídios necessários para a produção de experimentos.

O grande obstáculo para as pesquisas em gravidade quântica é a dificuldade em se realizar experimentos e testes das hipóteses levantadas, pois os cálculos lidam com partículas mínimas e gastos de energia imensos, mas o autor – que já nas primeiras páginas se diz otimista – faz algumas inferências no livro. Segundo ele "alguma versão da Teoria das Cordas subsistirá como a descrição correta que não será semelhante a nenhuma das Teorias das Cordas existentes". Ele também apontou que dez anos depois dessa descoberta, novos tipos de experimentos capazes de testá-la seriam inventados. E, como estamos no futuro de quando o livro foi publicado, podemos afirmar que ainda hoje muitas questões não foram respondidas.

As últimas páginas de Três caminhos para a gravidade quântica contam com um glossário e sugestões de leitura para aprofundamento nos temas tratados. Ao todo, o livro é dividido em três partes e subdividido em capítulos que não seguem necessariamente um desenvolvimento linear, apontam e retomam as discussões conforme os assuntos se desenvolvem. Para o tema que se propõe a tratar, o livro é uma leitura agradável e rápida. Traz informações interessantes sobre o trabalho e os desafios que os físicos enfrentam em suas pesquisas. Podemos dizer, talvez, que humaniza um trabalho que o leitor de outra área imagina ser extremamente específico, racional e sistemático, nos faz crer que a física pertence a todos nós. Porém, se a intenção de um leitor muito distante do tema for compreender um mínimo da dinâmica técnica da gravidade quântica, outras leituras serão necessárias. Compreende-se que tudo é processo: na vida e na física.

Três caminhos para a gravidade quântica
Autor: Lee Smolin
Editora Rocco
Ano: 2002
233 p.