REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
O planeta em risco - Carlos Vogt
Reportagens
Ciência e política no IPCC
Carol Cantarino
Novos ventos aquecem o clima global
Marta Kanashiro
Culpa de quem?
Yurij Castelfranchi
Correndo contra o tempo
André Gardini
Foco no indivíduo ou na estrutura?
Patrícia Mariuzzo
Artigos
Possíveis impactos da mudança de clima no Nordeste
Jose A. Marengo
Alternativas para controle das variações climáticas
Walfredo Schindler e Eneas Salati
Conseqüências econômicas das mudanças climáticas
Carlos Eduardo Frickmann Young e Priscila Geha Steffen
Gases de efeito estufa e aquecimento global: o ponto de vista da análise energética
Enrique Ortega
Mudança climática global e saúde
Ulisses E. C. Confalonieri
Energia nuclear no Brasil: aprofundando-se o debate
Horst Monken Fernandes
Resenha
Uma verdade inconveniente
Por Susana Dias
Entrevista
Larry Lohmann
Entrevistado por por Rafael Evangelista
Poema
Brás Cubas reencontra Quincas Borba
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Entrevistas
Larry Lohmann
Quando da retirada do apoio dos Estados Unidos ao Protocolo de Quioto, o mundo se uniu, incrédulo, em indignação. Eleito como solução mágica da vez, resposta evidente para o problema do aquecimento global, a entrada em vigor do Protocolo tornou-se questão de honra para algumas organizações ambientais, que fizeram uma contagem regressiva sobre quantas assinaturas ainda eram necessárias. Nada mais ilusório, aponta Larry Lohmann.
por Rafael Evangelista
09/03/2007

Segundo Lohmann, o Protocolo, e principalmente o comércio de carbono nele previsto, muda pouco no cenário mundial das emissões de carbono. Trata-se um mecanismo de mercado, pouco prático e nada efetivo, que promove o comércio do direito de poluir. Acabou funcionando de maneira perversa, ao drenar as atenções de soluções mais radicais e efetivas que, agora, se mostram urgentes. O autor do livro Carbon Trading, aponta que a única saída é promover uma regulação dura, que taxe e controle a indústria poluente, ao lado de reformas estruturais e investimentos fortes na redução do consumo de energia.


ComCiência - Em um artigo recente, o senhor descreveu o mecanismo de comércio de créditos de carbono como “um aparato esclerosado de mercado”. Quais as suas principais críticas ao comércio de carbono? Em um mundo governado por mercados por que uma solução de mercado não pode funcionar?

Larry Lohmann - Para tornar algo comercializável, é preciso muito trabalho. Ao longo de séculos, tornou-se possível comercializar algumas coisas – prata, soja, carros – mas outras não. A mitigação da mudança climática é uma dessas “outras coisas”. Um dia, talvez, alguns dos obstáculos que impedem o comércio efetivo do carbono serão superados. Mas a maior parte nunca será.

Uma dificuldade é que todas as tentativas atuais para transformar o carbono em negócio acabam ajudando os piores poluidores a continuar poluindo. Hoje, os setores industriais mais responsáveis pela crise climática estão ganhando enormes pacotes grátis de recém-criados direitos de poluir que eles podem transformar em enormes lucros. Na Europa, por exemplo, as usinas de geração de energia estão colecionando centenas de milhões de libras por ano, de lucros que caem do céu, simplesmente por fazerem o que sempre fizeram, enquanto o cidadão comum sofre com o aumento do preço da eletricidade, os que poluem menos não ganham nada e os que desenvolvem energias renováveis estão à míngua. É exatamente o contrário do princípio “poluidor - pagador”, é o princípio “quem polui, ganha”. O que aconteceu é que, assim que a capacidade da Terra de limpar sua própria atmosfera do dióxido de carbono se tornou um valor, essa qualidade já foi convertida em propriedade particular e apropriada pelos ricos.

No entanto, isso é só o começo. Os grandes poluidores se beneficiam também comprando direitos de poluir mais, a partir de projetos em que eles investem no exterior e que, supostamente, economizariam carbono. Por exemplo, uma empresa britânica de cimento ou de petróleo que quer continuar a poluir do mesmo jeito de sempre, mas não recebeu suficientes cotas grátis de poluição por seus governos, pode suprir a desvantagem simplesmente comprando créditos a baixo custo de, digamos, uma estação eólica na Índia, “economizadora de carbono”, um plano na Coréia para eliminar geladeiras com gases HFC (hidrofluorcarboneto), que contribuem para o aquecimento, ou um programa de eficiência energética na África do Sul ou, ainda, um projeto no Brasil para gerar eletricidade queimando gases de um lixão. Esses projetos oferecem, de bandeja, um turbilhão de direitos futuros de poluir, para o conjunto já enorme de direitos à disposição das corporações do Norte.

E, além de ser injusto, tudo isso simplesmente encoraja os piores poluidores do Norte a protelar o afastamento estrutural dos combustíveis fósseis que a questão climática exige a longo prazo. Por que inovar se você pode, ano após ano, comprar direitos de poluição baratos de alguém? Na Europa, até as próprias indústrias, em alguns casos, estão apontando que essa não é a maneira de enfrentar a mudança climática, e estão apelando para uma regulamentação mais dura no longo prazo.

Nem os projetos chamados de “economizadores de carbono” (carbon saving) que estão sendo montados em países como o Brasil estão enfrentando o problema climático. Só 2% dos créditos registrados pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto estão sendo gerados por projetos de energias renováveis. E, até mesmo esses projetos, ao invés de substituirem o uso de combustíveis fósseis, simplesmente autorizam seu uso em algum outro lugar. As instituições por trás desses projetos, que vão desde o Banco Mundial até à Tokyo Power Tokyo Electric Power Co., grande corporação de energia, são exatamente aquelas mais comprometidas em queimar cada vez mais carvão, petróleo e gás. O final lógico dessa abordagem é uma paisagem coberta com carcaças de estações eólicas e solares, e plantações abandonadas de biocombustível, tudo torrando numa atmosfera tão quente que não pode mais hospedar a civilização humana.

Do ponto de vista científico, um dos aspectos que mais afetam as esperanças no comércio de carbono é que, simplesmente, não é possível verificar se os créditos de carbono que fluem no mercado vindo de tais projetos, serão eficazes do ponto de vista climático. Isso significa que os consultores e os contabilizadores de carbono contratados pela indústria podem, teoricamente, fazer qualquer afirmação sobre quanto carbono estariam “economizando”. O dilema resultante para os que comercializam carbono é insolúvel: de um lado, o mercado precisa de um fluxo de créditos padronizados e baratos. De outro, quanto se insiste em se tentar criar tal fluxo, menos acreditáveis se tornam os créditos de carbono e, por consequência, menos crível o mercado.

Muitas pessoas comuns do Sul têm preocupações mais imediatas a respeito do comércio de carbono. Em geral, os créditos de carbono não estão sendo gerados por empreendedores verdes ou por indústrias que estão abandonando os combustíveis fósseis e, sim, por criminosos ambientais locais, enquanto as comunidades que defendem suas terras contra a exploração de petróleo ou contra usinas de carvão estão sendo ignoradas. Afinal, são os grandes poluidores que tendem a estar na melhor posição para contratar empresas de consultoria em carbono ou para ligarem-se a funcionários públicos e pagar para que seus projetos sejam registrados no mercado de carbono da ONU. Em Minas Gerais, comunidades locais há muito tempo lutam contra os abusos da monocultura latifundiária de uma plantação de árvores, criada por uma empresa de ferro-gusa que tentou vender créditos de carbono alegando que, se não conseguisse isso, teria que usar como combustível carvão mineral em lugar de carvão orgânico. Na Índia, no estado de Chhatisgarh, indústrias de ferro esponja (pré-reduzido), que são notoriamente poluidoras e ávidas por consumir água, estão tentando vender créditos de carbono por fazer na maquinaria melhorias mínimas que, provavelmente, já haviam planejado fazer de qualquer maneira. No mundo inteiro, muitas comunidades que nossa rede entrevistou não tinham idéia de que os maus cidadãos de empresas locais estavam ganhando dinheiro extra no mercado de carbono – e não ficaram felizes em saber.

O lado bom deste cenário é que eu acho que não vai levar muito tempo para que o mundo dos negócios se acostume com o fato de que o mercado de carbono não funciona. O mundo dos negócios é acostumado a lidar com coisas não comercializáveis. De fato, sua vida depende disso. Ele tira vantagem de bens comuns físicos e intelectuais de todo tipo. Obtém coisas de graça do Estado. Utiliza aterros sanitários gratuitamente. Não poderia sobreviver sem relações familiares, relações clientelísticas etc. O mundo dos negócios entende e sabe que o mundo não é, na realidade, governado pelos mercados. E sobreviveu muito bem, ao longo de sua história, sem o mercado da poluição. Para o big business, uma vez que ele reconheça as impossibilidades concretas, a noção de que “o mundo é governado pelos mercados” não será um argumento muito persuasivo para se tentar criar esse mercado de carbono em particular.

ComCiência – Mas há alguma alternativa? Ao que parece, o mundo não vai parar de usar combustíveis fósseis no curto prazo.

Lohmann - Precisamente o fato de que existe muita inércia torna crucial fazer com que as elites mundiais que engordam usando combustível fóssil sejam pressionadas a caminhar imediatamente em direção a mudanças estruturais na forma como usam a energia, como projetam sistemas de transporte e assim por diante. As sociedades industrializadas precisam começar uma reestruturação séria já. Caso contrário, dificuldades e custos crescerão exponencialmente. Como muitos cientistas do clima concordam, grande parte dos combustíveis fósseis que ainda estão no subsolo deve ser deixada lá. O mercado de carbono simplesmente se interpõe nesse caminho, adiando a mudança estrutural e tirando dela recursos e engenho humano.

Provavelmente só em um ambiente intelectual profundamente degradado pela ideologia neoliberal o mercado de carbono pode parecer como a “única alternativa” no campo climático. A verdade é que o comércio de poluição nunca foi nada mais do que um espetáculo secundário inflado, um artifício mal ensaiado para economizar o dinheiro de grandes corporações ao fazer pequenos cortes de emissão a curto prazo. O artifício já havia resultado em grandes problemas no único país onde fora testado antes de 1997, os EUA, e é simplesmente inapropriado e impraticável quando aplicado a um problema global científica e politicamente complexo como a mudança climática.

A ação de verdade sobre a mudança climática sempre aconteceu em outros campos, e sempre será assim. Os governos dos países industrializados precisarão transferir subsídios dos combustíveis fósseis para energia renovável. Precisarão empreender investimentos públicos grandiosos em eficiência energética e transportes, para fornecer a seus cidadãos mais opções sobre como utilizar energia. Precisarão aplicar a regulação convencional e taxações de maneira mais radical. Enquanto isso, comunidades na Nigéria e até no Alasca continuarão resistindo à perfuração petrolífera e à mineração de carvão em suas terras e continuarão defendendo ou desenvolvendo seus próprios modos de vida com baixo uso de carbono. Deverão ser apoiados, e não prejudicados, nessas lutas.

ComCiência- No último Fórum Social Mundial, no Quênia, o senhor citou e criticou o que chamou de remendos tecnológicos. Pode nos explicar o que é isso?

Lohmann - Tem uma história maravilhosa sobre um grupo de pessoas que tentou tirar um carro que rolou uma rampa abaixo, num cais, e estava quase completamente submergido. A primeira coisa que as pessoas fizeram foi arrumar um caminhão e algumas cordas para tentar trazer o carro para a superfície. No começo, tudo foi bem. Mas assim que o pára-brisa do carro começou a aparecer sobre a água o caminhão começou a patinar, deu ré e foi parar na água junto com o carro. O grande número de espectadores então começou a debater sobre o que fazer. Depois de alguma discussão, eles tentaram trazer um terceiro guincho, ainda maior, para prenderem ao primeiro guincho e trazê-lo para fora. Mas o segundo caminhão também patinou e foi parar na água. Depois de uma discussão forte entre a crescente multidão de homens, cada um deles tinha uma teoria sobre como resolver o problema, e um terceiro guincho foi providenciado para tirar o segundo guincho para fora da água. Infelizmente o destino desse guincho foi o mesmo dos outros: água. Nesse momento, a multidão de homens era consideravelmente grande. Muitos conselhos técnicos foram trocados, muitos braços foram levantados e muitas teorias fizeram progressos. No final do debate um quarto guincho, ainda maior enganchou-se à última vítima. Vocês adivinhem o resto. No final do dia cinco veículos jaziam sob o cais, com apenas seus tetos acima da água e o carro original não chegou nem perto de ser resgatado.

Remendos tecnológicos são um pouco como isso. Um pequeno grupo da sociedade insiste repetidamente em usar um conjunto limitado de aparatos técnicos para resolver um problema complicado, sem se importar com quantas vezes eles falham. Seja por causa de seus interesses políticos ou financeiros, ou por seu conhecimento limitado, o grupo resiste a aprender com a história e analisar a complexidade do problema e os recursos disponíveis. É esse o grupo que toma a decisão, então para ele o problema é como se fosse um prego já esperando para ser martelado. Se você acha que o exemplo do guincho afundado é engraçado, lembre-se do exemplo do Banco Mundial, que falhou por 60 anos consecutivos em seu suposto objetivo primeiro – diminuir a pobreza – e continua usando dos mesmos métodos.

É claro, falando politicamente é mais complicado do que isso. A pessoa que me contou a história do guincho estava tentando argumentar que o fracasso em resgatar o carro tinha algo a ver com a obstinação do homem, a abordagem auto-destrutiva masculina para o problema. e claramente isso é verdade. Mas, falando como homem, eu também consigo detectar muitos “sucessos” momentâneos nesses fracassos. Note, por exemplo, que cada falha, por ter trazido mais problemas, fez com que mais homens dessem palpites e mais donos de guinchos se envolvessem nesse empreendimento excitante. Em inglês, chamamos isso de “job for the boys”, serviço para os garotos. Além disso, a abordagem persistente dos homens gerou uma idéia de batalha heróica contra a natureza, um desejo renovado de “acertar o problema na cabeça até que ele morra”. “Nós não estamos parados, estamos em ação!”, os homens podem dizer “tudo bem, pode ter dado errado, mas qual a alternativa?”. Tal luta pode oferecer material para intermináveis conversas de bar. Em certo sentido, na verdade, quanto menos eficiente for um remendo tecnológico melhor, porque mais serviço de garotos será criado, mais esses trabalhos vão durar, e mais histórias para contar surgirão no final. Se um remendo tecnológico não tem chance alguma de ter sucesso, ainda melhor. Vai se ter serviço para sempre, uma vida inteira de histórias a se contar. Ou pelo menos até que o mundo acabe.

A atual política para o clima é cheia de remendos tecnológicos, porque poucas pessoas no governo ou na indústria querem enfrentar o problema em suas raízes políticas e sociais, especialmente o excessivo e desigual uso de combustíveis fósseis. Agora temos muito falatório sobre biocombustíveis, armazenamento geológico de carbono, fertilização dos oceanos, florestas de árvores geneticamente modificadas, partículas reflexivas a serem espalhadas na atmosfera, análise de custo-benefício, créditos de carbono. Cada um desses remendos tecnológicos cria uma cadeia de novos problemas sem resolver o problema original. Por exemplo, fazer uma análise de custo-benefício sobre quando devemos fazer algo sobre o aquecimento global traz um novo risco porque, entre outros, esse tipo de análise trata a mudança climática como algo linear ao invés de não-linear e subestima as ignorâncias e incertezas que caracterizam a ciência climática para calcular “probabilidades”. Do mesmo modo, a troca em créditos de carbono a partir de projetos de “seqüestro” de carbono requer um processo de fiscalização e acompanhamento que tem, em si, efeitos contra-produtivos. Por exemplo, para quantificar a contribuição de um projeto para a diminuição dos níveis de gases estufa é preciso imaginar um cenário único descrevendo “o que teria acontecido” sem a existência do projeto. Ao confundir, misturar, previsão e processo de decisão isso simplesmente levanta a questão sobre o que pode e o que não pode ser feito contra o aquecimento global. Isso passa a substituir a discussão sobre mudanças estruturais nas sociedades industrializadas pela interminável disputa escolástica entre consultores sobre números sem sentido. Neoliberalismo, profissionalismo estreito, elitismo e as classes políticas estão se combinando para produzir remendos tecnológicos que só criam novos problemas.

ComCiência - O Protocolo de Quioto teve amplo apoio popular, mesmo sem a assinatura dos Estados Unidos e mesmo propondo reduções muito pequenas na emissão. O senhor considera que o Protocolo da Quioto foi uma má idéia? Se os EUA tivessem assinado faria alguma diferença? O que precisa mudar para um novo e mais eficiente acordo internacional?

Lohmann - A Convenção -Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC), de 1992, trouxe alguns bons princípios. Ajudou a trazer atenção para o assunto e reconheceu que o Norte, não o Sul, era o principal responsável pelo aquecimento global e tinha maior dever de agir. Mas em 1997, com o Protocolo de Quioto, as grandes complexidades do comércio de carbono começaram a dominar as negociações internacionais. O resultado foi um monte de tempo perdido em um processo contraproducente tão complicado que, poucos que estão por fora dele, conseguem entender.

É importante lembrar que os EUA estavam por trás do impulso de tornar o Protocolo de Quioto um documento pelo comércio de carbono. A Europa e o Sul estavam inicialmente céticos, e só mais tarde caíram na pressão dos EUA. Embora os EUA tenham, mais tarde, abandonado o Protocolo de Quioto, várias empresas dos EUA estavam, e continuam, a favor dele. A Enron é um bom exemplo. Ela apoiava o Protocolo de Quioto porque queria ganhar dinheiro com o comércio de carbono – e enfureceu-se por George W. Bush não assinar o tratado. Corporações como a ExxonMobil (Esso), por outro lado, não gostavam do Protocolo pois não estavam preparadas para se beneficiarem tanto do comércio de carbono e, inicialmente, não queriam, de nenhuma forma, admitir que as ações humanas estavam causando a mudança climática. Bush ligou-se ao grupo da Exxon. Mas mesmo que os EUA tivessem assinado Quioto ele ainda teria representado apenas o triunfo de uma facção das empresas dos EUA sobre a outra.

A diferença entre essas duas facções dos negócios é significante, mas o que me interessa mais é o que comungam muitas das empresas pró e anti Quioto nos EUA. Podemos dizer que é a diferença entre a Enron e a Exxon, ou podemos dizer que é a diferença entre Al Gore e George W. Bush. São as diferenças entre duas abordagens pró poluição. Nenhuma delas quer enfrentar as raízes do problema do clima. Ao invés disso, ambas se detêm principalmente em usar a crise climática como uma nova oportunidade para a acumulação de capital. Um acordo efetivo deveria abandonar as duas abordagens – a da Enron e Exxon e a de Al Gore e George W. Bush. O que é preciso, ao invés disso, é: abrir para um público mais amplo o que foi inicialmente um debate muito técnico; discutir abertamente a política que se esconde por trás de tratados como Quioto; não assumir, sem evidências, que a solução reside no comércio; estudar a história de efetivos movimentos políticos por mudança tanto quanto se estuda a climatologia; e apoiar as abordagens construtivas que já existem.

ComCiência – Os países subdesenvolvidos dizem ter o direito de poluir por não terem feito isso historicamente. O senhor concorda com essa idéia? É possível melhorar os padrões de vida nos países pobres sem aumentar as emissões de combustíveis fósseis?

Lohmann - As pessoas do Norte não têm autoridade moral para dizer às pessoas do Sul que estas não podem usar carvão, petróleo ou gás. Mas as pessoas do Sul têm essa autoridade e esse direito. E muitos o estão exercendo. Para cada governo do Sul que patrocina a industrialização com uso intensivo de combustíveis fósseis, há dúzias de governos de movimentos sociais da mesma região lutando contra a perfuração de poços de petróleo, mineração de carvão, realocação de populações, geradoras de energia muito poluidoras, os dutos de gás e a emissão de carbono, assim como há movimentos explorando e experimentando alternativas energéticas não poluidoras. Como as pessoas podem melhorar seu padrão de vida, seja lá o que “padrão de vida” signifique, é uma questão de poder político e democracia, não apenas o conjunto limitado de tecnologias que as grandes empresas deveriam ser encorajadas a adotar. É interessante lembrar que há 35 anos, antes da era da política das mudanças climáticas, o falecido Ivan Illich observou que uma política de baixo uso de energia permite um grande número de escolhas de maneiras de viver, se “uma sociedade opta pelo alto consumo de energia, suas relações socias passam a ser ditadas pela tecnocracia, e esta será intragável de qualquer forma, seja ela capitalista ou socialista.”

ComCiência - Esta entrevista é para leitores brasileiros. Há algo especial que queira acrescentar?

Lohmann - A crise climática, assim como todos os problemas ambientais, envolve poder, direitos, acesso, terras, capital e muitos outros assuntos políticos. É um problema que compete a todos, não só aos cientistas, economistas e autoridades governamentais. A rede internacional de que participo, o Grupo Durban pela Justiça Climática, está tentando pensar nas melhores maneiras de se contatar ativistas de base, sindicatos, organizações indígenas, associações de agricultores, povos da floresta, historiadores, igrejas e muitos outros – incluindo, é claro, cientistas, economistas e partidos políticos. Temos vários colegas do Brasil trabalhando com assuntos como direito à terra, reflorestamento, biocombustíveis e outros – assim como temos colegas na Costa Rica, Equador, Uruguai, Uganda, África do Sul, Índia, Indonésia, Suécia, Estados Unidos, Reino Unido, Espanha e Samoa – e eles estão sempre buscando novos companheiros. Também estamos planejando traduzir nosso livro mais recente, Carbon Trading (disponível, em inglês, em: www.thecornerhouse.org.uk ou www.dhf.uu.se) para o português. Quem quiser trocar idéias, por favor, entre em contato!