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Entrevistas
Vernor Vinge
Autor do conceito de singularidade tecnológica e de idéias que vêm influenciando figuras como Ray Kurzweil, o matemático Vernor Vinge especula sobre onde a atual demanda por rapidez pode nos levar.
Por Cristina Caldas
10/11/2007

“O que acontece se reduzirmos para zero o tempo para finalizarmos todas as tarefas? O que faremos depois?”, questiona e nos faz refletir Vernor Vinge. Professor aposentado, desde 2002, da Universidade de San Diego, nos Estados Unidos, o matemático Vinge ficou bastante conhecido por seu ensaio A singularidade tecnológica. Publicado em 1993, o ensaio traça cenários das conseqüências do crescimento tecnológico, e apresenta conceitos e idéias que vêm influenciando figuras como Ray Kurzweil, o polêmico autor de A era das máquinas espirituais.

Como escritor de ficção científica, foi premiado quatro vezes com o Hugo Awards, concedido anualmente pela sociedade mundial de ficção científica. A fire upon the deep e A deepness in the sky foram os livros premiados. O seu conto True names, publicado em 1981, ganhou notoriedade por ter sido uma das primeiras histórias que apresentou o conceito de cyberspace, tornando-se posteriormente o ponto central de livros de William Gibson e Neal Stephenson.

Nesta entrevista, concedida à ComCiência, Vinge fala sobre o estilo de vida sempre ocupado dos humanos, apontando a agricultura e a iluminação de ambientes fechados como o início das ações cada vez mais rápidas. Conta o que é e como surgiu a idéia da singularidade tecnológica e comenta sobre os impactos do avanço tecnológico em nossas vidas.

ComCiência - Não é um paradoxo o fato de tecnologias permitirem ações cada vez mais rápidas, desde comunicação, deslocamento, alimentação, e o homem ter, cada vez mais, menos tempo livre?
Vernor Vinge
– Essa é uma discussão que remete no mínimo à invenção da agricultura, que nos forneceu alimento para ficarmos mais ativos, e da iluminação de ambientes fechados, que permitiu que trabalhássemos à noite. Acredito que haja estudos mostrando que humanos são as criaturas macroscópicas mais ativas, mais até do que formigas e abelhas. Ao contrário da maioria das outras criaturas, nós temos formas de abastecimento próprias para tal atividade. Biologicamente, não acho surpreendente que tiremos vantagem dessa habilidade. Muitas culturas contemporâneas impõem, além disso, regras morais encorajando tal atitude. Se a liberdade do homem aumenta, seria então de se esperar que houvesse tolerância para que pessoas ou grupos sociais escolhessem trocar mais lazer por menos riqueza. Mas eu suspeito que a maioria das pessoas não faria essa escolha até sentir que suas vidas seriam menos ameaçadas pela pobreza.

ComCiência - O editorial do presente dossiê termina com a seguinte frase: “A velocidade é um valor caro ao presente, avesso ao passado e arrogante de futuros”. Qual sua opinião sobre isso?
Vinge
– Eu acho que a palavra “velocidade” tem muitos significados diferentes, até mesmo em relação à tecnologia, que não se encaixam exatamente na descrição acima. Por exemplo:
“Velocidade” do transporte: se o custo permanecer fixo (ou diminuir), então as pessoas de todas as eras ficariam gratas pelo aumento desta velocidade. Se o custo aumentar junto com o aumento da velocidade do transporte, aí a crítica cultural seria muito mais justificada.
"Velocidade" da computação: Uma aceleração de mil vezes em um dispositivo computacional geralmente produz uma mudança comportamental qualitativa, que pode não parecer aceleração, mas ao contrário, é a abertura de novas possibilidades comportamentais e uma considerável diminuição de custos na computação. Trata-se de uma clara continuação da tendência de produtividade dos últimos séculos, trazendo melhorias objetivas às vidas das pessoas. Um corolário desse dito aumento de velocidade é que é possível ter velhas velocidades por preços mais baixos, o que significa ter categorias inteiras de produtos tornando-se mais baratas. Isto se manifesta em outra marca do nosso tempo: a tendência à ubiqüidade da computação e networking.
"Velocidade" na comunicação: mesmo comentário do ponto anterior. Além do mais, as pesssoas usam “velocidade da comunicação” para significar, abusando um pouco da linguagem, o número de bits transmitidos por segundo. Um aumento de mil vezes nessa quantidade torna possível melhorias qualitativas na habilidade humana em conhecer uns aos outros e rastrear acontecimentos.
"Velocidade" da mudança tecnológica: O que uma pessoa precisa saber muda tão rápido que é impossível manter-se atualizado. À primeira vista, este pode parecer um problema limitante, uma vez que a mudança tecnológica acontece mais rapidamente do que os inovadores conseguem inovar, então não deveria o progresso acontecer mais lentamente? Talvez. Depende de quem (ou o quê) os inovadores realmente são.

Quando velocidade significa “tempo para completar uma tarefa”, há uma questão filosófica: “O que acontece se reduzirmos para zero o tempo para finalizarmos todas as tarefas? O que faremos depois?”. Essa questão não é realista, mas como reductio ad absurdum, é interessante. Há muitas tarefas da vida moderna que são realizadas tão rapidamente e de forma transparente, que muitas pessoas nem se dão conta delas. O tempo livre é usado para tarefas que sobram. Há algumas tarefas que não queremos terminar imediatamente, ou que gostaríamos de realizar mais devagar. Decidir quais são essas tarefas é um importante aspecto de definição da nossa humanidade.

Há uma sobreposição entre competição econômica e as várias noções de velocidade. Mas muitos dos resultados dessa competição são coisas que nós, da raça humana, realmente precisamos para sobreviver.

ComCiência – O que significa “singularidade tecnológica”?
Vinge
– Parece razoável que com a tecnologia possamos, em um futuro próximo, criar - ou nos tornarmos - criaturas que ultrapassem os seres humanos nas dimensões intelectual e criativa. Eventos que vão além disso são tão inimagináveis para nós quanto uma ópera é para um verme.

ComCiência – Como surgiu essa idéia? Como o senhor percebe a apropriação desse conceito por autores como Kurzweil?
Vinge
– Essa idéia surgiu em um conferência sobre inteligência artificial (IA), realizada em 1982. Quando se discute IA é comum a pergunta: “haverá um dia uma máquina tão inteligente quanto o ser humano?”. Ocorreu-me que a pergunta mais interessante seria “se uma máquina vier a ser tão inteligente quanto um ser humano, o que ocorrerá imediatamente após este fato?”. Isso traria uma mudança global muito maior, grosseiramente comparável com o surgimento do ser humano no reino animal – e a conseqüência seria tão distinta de qualquer mudança tecnológica ocorrida no passado. Daí o termo singularidade. Acredito que Ray Kurzweil e eu temos noções similares da singularidade.

ComCiência - A inteligência dos computadores parece não ter acompanhado as previsões de aceleração nos últimos 10 anos. Como o senhor vê esse panorama recente e como projeta a aceleração para os próximos anos? Ainda é possível afirmar um crescimento exponencial?
Vinge
– Na verdade, penso que os cientistas da computação têm sido bastante conservadores em suas previsões dos últimos 10 ou 15 anos. As mais extraordinárias previsões de IA foram feitas nos anos 1960 e 1970. Acredito que o progresso atual é consistente com as estimativas de pessoas como Hans Moravec e Ray Kurzweil, e também com as possibilidades por mim apresentadas.
Entretanto, ao menos no meu caso, não tenho claro quais dos vários caminhos para a singularidade é o mais provável de acontecer. Há também forte possibilidade de que a singularidade não ocorra, apesar de eu achar que esta é a mais provável das possibilidades não-catastróficas para este século. Para possibilidades catastróficas, vale a pena ler o livro Hora final - alerta de um cientista, de Martin Rees.

ComCiência - Bill Joy, em artigo publicado na Wired em 2000, mostrou-se preocupado com as dimensões éticas da tecnologia e da aceitação passiva dos avanços tecnógicos em nossas vidas. O senhor concorda que essa discussão deva estar presente?
Vernor Vinge
– Sim. Tecnologia atrái para si risc os desmedidos e possibilidades positivas. Mas sem tecnologia, a calamidade é praticamente inevitável. É muito importante considerarmos vários cenários. Ao mesmo tempo, soluções comandadas de forma centralizada são provavelmente inevitáveis. Sucesso e sobrevivência dependem, provavelmente, de alguma combinação de inteligência e boa-vontade de uma grande porcentagem da raça humana.

ComCiência - Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, a aceleração tecnológica é diferente?
Vinge
– Países em desenvolvimento como o Brasil - aqueles com tecnologia e número crescente de pessoas educadas, criativas e participativas - têm ao menos uma vantagem em relação ao Velho Mundo tecnológico (Estados Unidos, Europa, Japão etc). Em países como o Brasil não deve haver tanto investimento em infra-estrutura de velhas tecnologias. Assim, seria mais fácil mover-se em direção a uma nova infra-estrutura. Comunicação é provavelmente o exemplo mais óbvio disso.

ComCiência - Como fica a questão de patentes nesse contexto?
Vinge
– Sobre as patentes e outras questões de propriedade intelectual, há uma revolução em progresso nessas áreas. Cenários extremos são possíveis, e eu não tenho idéia de qual deles ocorrerá. No entanto, há pessoas que querem usar a tecnologia para tornar a propriedade intelectual até mais difundida e permanente. Parece-me que esses regimes impostos tecnologicamente seriam, provavelmente, tiranos e trabalhariam contra as razões sociais originais das leis de propriedade intelectual.

ComCiência - Agora colocando-se como escritor de ficção científica, o senhor poderia especular sobre onde essa forte demanda por rapidez em nossas vidas vai nos levar?
Vinge
– Obrigado por usar a palavra “especular” ao invés de “prever”. Não acho que seja possível saber o futuro relativo a essas questões. O livro do Nassim Nicholas Taleb, The black swan, é merecidamente popular por explicar o motivo pelo qual a previsão é um objetivo irracional para questões sociais e tecnológicas.
Por outro lado, a especulação – imaginar cenários consistentes e prováveis juntamente com seus sintomas e conseqüências – é muito importante para a nossa sobrevivência. Em histórias de ficção científica, nós autores fazemos isso principalmente para entreter, mas a idéia de cenários é mais importante de um modo geral: por exemplo, meu ensaio de 1993 poderia ser relacionado com partes da questão da velocidade. Eu descrevo 4 cenários que levam à singularidade tecnológica. No momento, o mais provável parece ser a junção do crescimento da superinteligência para além da humanidade, os bancos de dados e a s redes de trabalho.
A população capacitada do mundo é uma força intelectual muito maior do que qualquer coordenador de planejamento do governo. Isto é muito parecido com a história que eu conto no meu romance Rainbows end.
Deveríamos também pensar sobre outros cenários (não-singularidade), projetando com base nos sintomas que vemos, sempre tentando manter nossas opções mais flexíveis possível.