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O legado da Usina Binacional de Itaipu
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O legado da Usina Binacional de Itaipu
Há quase 32 anos o Salto das Sete Quedas, maior cachoeira do mundo em volume d’água deixava de existir, pois estava no espaço demarcado para o projeto da Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional, uma parceria de Brasil e Paraguai. Formada pelo rio Paraná, a cachoeira, que também recebia o nome de Salto de Guaíra – cidade onde se situava – tinha a Mata Atlântica como bioma e dentro desse rico ecossistema muitas espécies típicas e outras endêmicas da flora e da fauna, que foram seriamente prejudicadas pelo fechamento e alagamento da região.
Por Viviane Lucio

Editado por Rafael Evangelista

A região do Salto das Sete Quedas tornou-se parque nacional em 1961, devido à importância e beleza natural existentes. Com o plano de alagamento da cachoeira, o governo retirou da região, em 1981, a condição de “parque nacional”. De acordo com André Freitas, professor de biologia animal na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um parque nacional ou uma área protegida está diretamente ligado à manutenção da biodiversidade, ao equilíbrio climático e ao serviço ecossistêmico como manutenção da água na região onde o parque se concentra.

A cidade de Guaíra tinha como principais atividades econômicas a pesca e o turismo. Com o fim da cachoeira, além da redução do número de visitantes, diminuiu também o número de moradores da cidade. Na década de 1980 havia cerca de 60 mil habitantes em Guaíra, atualmente este número caiu pela metade.

A notícia de alagamento das Sete Quedas causou grande comoção no Brasil e em muitos outros países. Com data marcada para deixar de existir, a cachoeira passou a receber grandes quantidades de turistas. A preocupação com o meio ambiente não tinha as proporções que tem atualmente, mas o senso de preservação do ambiente já despertava alguns ativistas, que protestaram em vão. Até mesmo o poeta Carlos Drummond de Andrade se compadeceu pela sentença dada à cachoeira e escreveu o poema Adeus às Sete Quedas, como forma de protesto. Por todo o contexto político e social da época, já no final da ditadura militar, não havia muito o que pudesse ser feito, senão se despedir da maior cachoeira do mundo em volume d’água, que possuía 13.300 m³/s (metros cúbicos por segundo). A inundação aconteceu dentro de 14 dias, no mês de outubro de 1982.

Os planos para a Usina de Itaipu começaram em 1950 com a política de “Crescer 50 anos em 5”, do presidente Juscelino Kubitschek. Segundo o artigo “Ações para a salvaguarda da biodiversidade na construção da Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional”, das historiadoras Beatriz Ramalho Ziober e Silvia Helena Zanirato, inicialmente, a proposta era manter o salto das Sete Quedas e também criar uma usina nacional. Porém, em 1965, em plena ditadura militar, havia a proposta de dominar espaço territorial para criar hegemonia regional e, nesse âmbito, os governantes brasileiros descobriram que a Argentina estava em negociação com o Paraguai para a construção de uma usina binacional. Assim, o governo brasileiro, através de negociações, fez uma aliança estratégica com o governo paraguaio. Os vizinhos tornaram-se, então, parceiros na ambiciosa empreitada da construção da maior usina hidrelétrica do mundo. De acordo com as historiadoras, para o governo paraguaio a oportunidade foi econômica. Já para o governo brasileiro foi a conquista da hegemonia na região do rio da Prata.

Que haveria impactos ambientais com a construção da usina, o governo já sabia. Porém, não foi feito um levantamento criterioso do impacto que a região das Sete Quedas sofreria, pois segundo o artigo, para o governo militar nada deveria barrar a política desenvolvimentista que havia sido adotada.. O levantamento de impacto ambiental que foi feito e que recebeu o nome de Plano Básico para a Conservação do Meio Ambiente, mesmo apresentando problemas ,enumerou os maiores impactos que seriam causados pela construção da hidrelétrica, que seriam o alagamento das Sete Quedas, a diminuição da área florestal pelo desmatamento e a nova condição dos animais, principalmente das espécies raras. A floresta era outro problema, pois, 4,3 milhões de metros cúbicos de área verde deveriam sumir. A grande discussão era como fazer isso sem ser oneroso para o governo e ainda preservar a qualidade da oxigenação da água do futuro lago de Itaipu. A saída encontrada foi destinar as árvores com valor comercial para o mercado e queimar o restante antes da inundação ocorrer. Porém, de acordo com relatos da imprensa na época, muitas copas verdejantes de árvores eram vistas sobre a água. Algumas espécies que tiveram destinação comercial foram angico vermelho, cabriúva, canela amarela, canela preta, cedro e peroba rosa. As madeiras foram destinadas à construção civil, naval e carpintarias. Além de ser empregadas na produção de variados objetos, tais como móveis, tacos, fósforo, caixotes, entre outros.

Para catalogar as espécies da fauna a equipe da Universidade Federal do Paraná utilizou o método de levantamento de dados identificando espécies diurnas e noturnas e seus hábitos alimentares. O levantamento indicou que havia espécies comuns tanto para a área que seria alagada quanto para a que seria preservada ou reflorestada. Dessa maneira, o relatório concluiu que as espécies sofreriam redução, mas não extinção. Uma parte dos animais catalogados foi resgatada. No entanto, quando as águas começaram a inundar a área das Sete Quedas, os animais eram recolhidos de árvores, margens, troncos, ilhas, tanto pela Polícia Florestal quanto por funcionários da Itaipu. Esse foi o método de salvamento utilizado, ou seja, os animais estavam à deriva e, quando foram resgatados, entraram para a lista que somou 27.150 animais salvos, entre eles, mamíferos, aves, insetos, répteis e aracnídeos. As serpentes venenosas e os aracnídeos foram enviados para o Instituto Butantã, em São Paulo. Já as outras espécies foram recolhidas pelas áreas preservadas, reflorestadas ou por abrigos específicos.

Mesmo com os problemas apresentados, a Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu é tida como um modelo sustentável, porém, isso é questionado pelas autoras do artigo que criticam o preço que a natureza pagou para que o empreendimento acontecesse. De acordo com o artigo, a área que sobrou para os animais se readaptarem foi de 390 quilômetros de extensão, ou seja, 10% do tamanho original. Isso pode ter gerado desequilíbrio nas espécies que sobreviveram. As autoras citam, ainda, a quantidade de animais que morreram após o resgate e os que invadiram casas e foram mortos. A não identificação de novas espécies que podem ter se extinguido sem ser oficialmente descobertas também é motivo para atestar a não eficácia do modelo de salvamento utilizado. “O remanejamento de fauna é a pior coisa que pode acontecer para os animais de uma região que vai ser inundada”, afirma o professor Freitas baseando-se no artigo “Hidrelétricas, ecologia comportamental e resgate da fauna: uma falácia”, do biólogo Marcos Rodrigues, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Em seu artigo, Rodrigues aponta a ineficácia do remanejamento de fauna, que ocasiona perdas de muitos animais em uma área alagada, bem como a luta que os sobreviventes terão que travar na disputa pelo território.

Itaipu em números

Segundo Beatriz e Silvia Helena, nos 14 dias em que os saltos agonizaram em mais de 100 metros d’água, o grande rio da Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu alagou 4,3 milhões de metros cúbicos de floresta do Parque Nacional das Sete Quedas e 1.460 quilômetros quadrados entre Brasil e Paraguai. Alagou também uma parte da economia e da história de ambos os países. Grandes extensões de áreas agrícolas e vários sítios arqueológicos ficaram sob as águas. Além da flora, da fauna, da economia e da história, também a população ribeirinha, tanto brasileira quanto paraguaia, foi sacrificada. Quarenta mil pessoas do lado brasileiro e vinte e cinco mil do lado paraguaio tiveram que deixar suas casas.

E uma outra questão, também importante, é que pelo estilo adotado pelos governos militares da época, as obras eram faraônicas, e faraônica foi também a quantidade de material empregado na empreitada. De acordo com Santos e Nosso Tempo, dois autores citados no artigo, a quantidade de concreto seria suficiente para construir 210 estádios do Maracanã ou um conjunto habitacional para abrigar 4 milhões de pessoas. Além de 880 torres Eiffel feitas de ferro e aço. Nosso Tempo cita 6.657.396 metros cúbicos de concreto e cerca de 17.973.562 metros cúbicos de ferro e rocha!