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A cidadania resguardada: sobre a Lei de Acesso à Informação
Por Marcelo Gruman
10/04/2016
No dia 18 de novembro de 2011, a presidente da República sancionou a Lei nº 12.527, popularmente conhecida como Lei de Acesso à Informação, dispondo sobre os procedimentos a serem observados pela União, estados, Distrito Federal e municípios com o fim de garantir o acesso a informações da administração pública. Subordinam-se à Lei os órgãos públicos integrantes da administração direta dos poderes executivo, legislativo, incluindo as cortes de contas, e judiciário e do Ministério Público, bem como as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, estados, Distrito Federal e municípios.

Parte-se do pressuposto de que a informação sob guarda do Estado é sempre pública, devendo o acesso a ela ser restringido apenas em casos específicos, dentre eles, o risco à defesa e à soberania nacionais; à vida, segurança ou à saúde da população; a atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações; a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico. Isso significa que a informação produzida, guardada, organizada e gerenciada pelo Estado em nome da sociedade é um bem público e que o acesso a esses dados constitui-se em um dos fundamentos para a consolidação da democracia, ao fortalecer a capacidade dos indivíduos de participar de modo efetivo da tomada de decisões que os afeta.

A Lei de Acesso à Informação efetiva o direito previsto na Constituição de que todos têm a prerrogativa de receber dos órgãos públicos, além de informações do seu interesse pessoal, também aquelas de interesse coletivo. Isso significa que a administração cumpre seu papel quando divulga suas ações e serviços, mas também deve estar preparada para receber demandas específicas. Para tanto, o acesso a informações públicas deve ser assegurado mediante a criação do serviço de informações ao cidadão, nos órgãos e entidades do poder público, em local com condições apropriadas, estando o servidor público capacitado para desempenhar tal papel.

Aliás, o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, publicado no Decreto nº 1.1.71 de 22 de junho de 1994, já prevê o controle social, entendido como participação do cidadão na gestão pública, na fiscalização, no monitoramento e no controle da administração pública, por parte do cidadão em duas passagens:

  1. Salvo os casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior do Estado e da administração pública, a serem preservados em processo previamente declarado sigiloso, nos termos da lei, a publicidade de qualquer ato administrativo constitui requisito de eficácia e moralidade, ensejando sua omissão comprometimento ético contra o bem comum, imputável a quem a negar.

  2. Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da administração pública. Nenhum Estado pode crescer ou estabilizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do erro, da opressão ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma Nação.

Há uma série de procedimentos a serem seguidos com o fim de assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública, sendo eles: observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; fomento ao desenvolvimento da cultura da transparência na administração pública; desenvolvimento do controle social da administração pública.

A ideia da Lei de Acesso à Informação vem romper com a cultura do segredo a partir da qual a gestão pública é pautada pelo princípio de que a circulação de informações representa riscos a despeito da perda de eficiência da gestão, do fato de o cidadão não exercer um direito e de o Estado não cumprir seu dever. Em seu lugar, implanta-se a cultura de acesso, em que agentes públicos têm consciência de que a informação pública pertence ao cidadão e que cabe ao Estado provê-la de forma compreensível, em “linguagem cidadã”, na qual termos técnicos devem ser traduzidos para o vocabulário do dia-a-dia, e atender eficazmente às demandas da sociedade. Na cultura do acesso, o fluxo de informações favorece a tomada de decisões, a boa gestão de políticas públicas e a inclusão do cidadão. A demanda do cidadão é vista como legítima.

Da teoria à prática

Muito se fala, no Brasil, de leis que “pegam” e leis que “não pegam”. Detalho, a seguir, o caso do Centro de Artes Cênicas da Fundação Nacional de Artes (Funarte) com relação à sua adequação às diretrizes contidas na Lei de Acesso à Informação e à sua contribuição a uma gestão pública mais transparente e cidadã. Aqui, a lei “pegou”.

A Funarte é o órgão responsável, no âmbito do governo federal, pelo desenvolvimento de políticas públicas de fomento às artes visuais, à música, ao teatro, à dança e ao circo. Os principais objetivos da instituição são o incentivo à produção e à capacitação de artistas, o desenvolvimento da pesquisa, a preservação da memória e a formação de público para as artes no Brasil. Para cumprir essa missão, a Funarte concede bolsas e prêmios, mantém programas de circulação de artistas e bens culturais, promove oficinas, publica livros, recupera e disponibiliza acervos, provê consultoria técnica e apoia eventos culturais em todos os estados brasileiros e no exterior.

Segundo o Regimento Interno da Funarte, compete ao Centro de Artes Cênicas formular, promover e fomentar programas, projetos e atividades voltadas para as artes cênicas, inclusive na formação de recursos humanos, na produção artística, na difusão e no intercâmbio cultural no Brasil e no exterior. Suas ações de fomento devem estar consoantes com as diretrizes institucionais definidas para cada uma de suas linguagens, como depreendido do relatório de atividades da instituição de 2007, bem como com seus planos setoriais construídos a partir do Plano Nacional de Cultura:

Dança: “A rica oferta da produção brasileira na área de dança está restrita a uma pequena parcela da população. O intenso diálogo entre tradição e inovação, cultura experimental e cultura popular, não é apresentado de modo amplo e contínuo ao público. A dependência de modelos de financiamento baseados em mecanismos de renúncia fiscal não superou ainda o problema da exclusão de grande parte das manifestações coreográficas do acesso às fontes de financiamento e oportunidades de difusão e preservação. É preciso promover a formação de público e dos artistas, estimular a circulação da produção, garantir que as atividades realizadas no país sejam identificadas, registradas e divulgadas e estabelecer modelos sustentáveis de manutenção dos grupos de baile e da pesquisa na linguagem da dança”.

Teatro: “A exemplo das demais linguagens artísticas, o teatro requer uma política de financiamento que suporte o desenvolvimento, a produção e a circulação de suas obras. Por conta de sua natureza de espetáculo vivo, dependente da interação de elementos cênicos e da presença simultânea e física do público, trata-se de uma modalidade de expressão artística irredutível à reprodução em escala pela indústria cultural. Nesse contexto, o teatro carece de oportunidades de autonomia financeira equivalentes às cadeias produtivas do audiovisual, música popular ou literatura. Esse panorama se agrava por conta das disparidades regionais na oferta de infraestrutura de apoio à produção e fruição teatral, bem como pela distribuição irregular dos meios de capacitação de atores e técnicos e de formação de público. Entre os principais desafios estão a necessidade de apoio à pesquisa e produção dramatúrgica e cênica, revitalização dos circuitos nacionais e regionais e construção de espaços culturais que promovam a circulação e o acesso das diversas expressões teatrais existentes no país”.

Circo: “A diversidade de práticas circenses coloca desafios específicos para a elaboração de uma política para o setor. Cabe ao poder público e em especial à Funarte criar condições para que o circo brasileiro possa ver suas demandas e precariedades resolvidas com apoio, capacitação e acesso a espaços dotados de condições satisfatórias de infraestrutura e localização para suas apresentações. O Estado deve, ainda, promover a pesquisa e a preservação da memória das atividades circenses, visando o reconhecimento dessa tradição e a criação de programas de circulação de espetáculos, principalmente em regiões de maior isolamento geográfico”.

A principal ação do Centro de Artes Cênicas na área de fomento são os editais voltados às suas três linguagens, criados em 2006 como forma de perenizar a atuação do Estado no campo da produção, manutenção e circulação das artes cênicas no país:

  1. Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz: desenvolvimento de atividades teatrais, de temática livre e nos mais diversos formatos, incentivando a criação e a circulação de espetáculos, além de contribuir para a manutenção de coletivos, grupos e companhias.

  2. Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna: desenvolvimento de atividades de dança, contemplando a circulação nacional de espetáculos, atividades artísticas de artistas consolidados e atividades artísticas de novos talentos.

  3. Prêmio Funarte Carequinha de Estímulo ao Circo: renovação ou manutenção da infraestrutura dos circos brasileiros, incentivo à montagem, renovação e circulação de números e espetáculos bem como formação em artes do circo.

A Funarte vem pondo em prática o conceito de “transparência ativa”. O Centro de Artes Cênicas, em consonância com este preceito, divulgará, em breve, um relatório estatístico de suas tradicionais premiações, que pretendem subsidiar a avaliação de suas políticas institucionais a partir de um diagnóstico o mais preciso possível da realidade. Ao “zerar o passivo” de dados dos editais de fomento, o Centro de Artes Cênicas coloca no centro da discussão a importância do monitoramento e avaliação das políticas públicas de cultura a partir de indicadores sólidos referenciais para a gestão. Para tanto, alguns passos são condição essencial para o sucesso da iniciativa: levantamento de informações; organização das informações; disponibilização das informações; reflexão crítica sobre as informações. Evitam-se, assim, tradicionais percalços da administração pública brasileira, exatamente a falta de informação e consequente ausência de memória institucional e dificuldade de comunicação com o cidadão.

O levantamento de dados e sua constante atualização constituem aquilo que poderíamos chamar de “cadastro vivo” em oposição ao “cadastro morto”, planilhas deixadas numa pasta de arquivos analogamente a livros pegando poeira no fundo da estante de uma biblioteca. Ao assumir um papel ativo como formuladora de políticas públicas em todas as suas etapas, a instituição vai ao encontro do preconizado pelos planos setoriais, especialmente o do teatro e da dança, no que diz respeito ao acompanhamento das informações e dados relativos às ações, editais e recursos econômicos da área cultural, buscando garantir a transparência e o acompanhamento dos processos em curso, bem como a divulgação e análise desses resultados. Desta forma, abandonam-se as “políticas de evento”, descontínuas, em prol de políticas de Estado, planejadas e de longo prazo, com desdobramentos qualitativos mensuráveis.

O próprio Ministério da Cultura (MinC) reconhece a necessidade de levantamento de dados e construção de indicadores que auxiliem na avaliação das ações planejadas e vem “fazendo o dever de casa” por meio da coordenação-geral de monitoramento de informações culturais da Secretaria de Políticas Culturais, responsável pela implantação do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), cujo caráter inovador se dá por agregar e entregar à sociedade informações atualizadas de distintos bancos de dados do próprio MinC, fundamentais para uma gestão pública transparente e eficiente, ao não esbarrar em tradicionais percalços da administração pública brasileira, exatamente a falta de informação e consequente ausência de memória institucional e dificuldade de comunicação com o cidadão.

A publicação do relatório estatístico das premiações do Centro de Artes Cênicas se coaduna com a Lei de Acesso à Informação, especialmente o artigo 6º, que afirma caber aos órgãos e entidades do poder público a divulgação de informações relativas à implementação, acompanhamento e resultados de programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas, bem como metas e indicadores propostos. O acesso a esses dados constitui-se em um dos fundamentos para a consolidação da democracia, ao fortalecer a capacidade dos indivíduos de participar de modo efetivo da tomada de decisões que os afeta.

A Lei de Acesso à Informação é um patrimônio da sociedade brasileira e, como tal, deve ser defendida com unhas e dentes. A democracia agradece.

Marcelo Gruman é doutor em antropologia social pelo Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ). Atualmente é administrador cultural da Fundação Nacional de Arte (Funarte). Email: marcelogruman@gmail.com.

Referências bibliográficas

Brasil. Presidência da Republica. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso à informação inciso II do § 3odo art. 37 e no § 2o do art. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 21 de março de 2016.

Controladoria-Geral da União. Acesso à informação pública: uma introdução à Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, Brasília: Imprensa Nacional, 2011.