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Reportagem
Quando o médico vira paciente
Por Marcela Carlini
e Renata Armas
10/06/2009

Ricardo acordou cedo, sentindo um leve formigamento na região esquerda da face e da língua. Logo se lembrou da noite anterior e da comemoração do aniversário de casamento que o fez tomar uma ou duas taças de vinho a mais. “Sentindo-me um pouco tonto, fui ao banheiro para lavar o rosto e tentar melhorar essa sensação”, relembra. Quando voltou ao quarto, deitou-se novamente e percebeu que agora todo o lado esquerdo do corpo estava formigando.

Além disso, ao olhar a esposa para pedir ajuda, percebeu que enxergava tudo em dobro, uma espécie de visão dupla. Nessa manhã, Ricardo teve um acidente vascular cerebral (AVC) que afetou o mesencéfalo, localizado no tronco cerebral e responsável pelo equilíbrio e por onde passam as ramificações motoras do corpo.

Esse poderia ser apenas mais um relato de um paciente com diagnóstico de AVC, doença que só no Brasil atinge 300 mil pessoas a cada ano, segundo dados publicados na revista The Lancet. Mas Ricardo Afonso Teixeira é neurologista clínico e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília (ICB). “Diariamente, acompanho de perto pessoas com problemas neurovasculares, e o meu evento materializou aquilo que escuto dos pacientes: medo, limitações funcionais, o processo de ‘cair a ficha' e assumir que você tem uma doença crônica e precisa cuidar dela”, revela.

O medo, aliás, foi um fator muito presente no caso de Ricardo. Por ser neurologista, ele se autodiagnosticou, e o receio maior era que fosse um tumor cerebral ou uma doença inflamatória, como é o caso de um surto de esclerose múltipla. “Eu tenho 39 anos e sempre fui uma pessoa muito esportista, pratico corrida duas vezes ao dia, com uma alimentação regrada. Os sintomas em meu cérebro me assustaram”, conta.

Saiu de casa rumo ao trabalho e fez os exames em sua própria clínica. “Consegui marcar uma ressonância magnética cinco horas após o episódio e quando ela revelou um pequeno AVC no mesencéfalo, confesso que fiquei aliviado, o que não quer dizer que tenha ficado nem um pouco feliz”, afirma. Não chegou a ser hospitalizado, mas, no mesmo dia, começou a investigar se tinha alguma predisposição a doenças vasculares. Ao medir a pressão, descobriu que era hipertenso.

A partir desse alarme, Ricardo começou a tomar medicamentos para o controle da pressão alta e a regular a quantidade de comida ingerida, o que nunca havia feito antes. Também voltou às atividades físicas habituais. Hoje, ao relembrar a experiência, diz que foi mais marcante sentir na própria pele a sensação de desconexão entre o que você quer fazer com o corpo e aquilo que ele responde. “Felizmente, essa sensação ainda perdura só em movimentos precisos da mão esquerda, o que faz com que minha caligrafia fique meio ‘feinha', já que sou canhoto”, brinca.

Um disparo acidental

Numa partida de paintball, o neurologista Izaias Magalhães, na época com 28 anos, teve um AVC. Contrariando todos os fatores de risco que originam a doença, ele declara não ser hipertenso, fumante e, muito menos, sedentário. Na manhã de 7 de dezembro de 2008, o médico praticava seu esporte predileto, paintball, e após um disparo dado por um outro jogador atingir sua cabeça, sua vida mudou. O médico tornou-se paciente, ao perceber que não conseguia mais falar. “Eu tinha consciência de tudo, sabia o que queria dizer, mas não conseguia pronunciar nenhuma palavra, estava afásico”, revela. “Era como se eu tivesse mudado para a Coréia naquele momento”, continua.

Impossibilitado de pedir ajuda, pegou o celular e apontou o número de um amigo neurologista para os seus colegas de time. Logo, foi encaminhado à Casa de Portugal, no Rio de Janeiro, hospital onde trabalha.

Assistido por amigos e achando que se tratava de um t raumatismo cranioencefálico (TCE), ou seja, uma agressão ao cérebro, não de natureza degenerativa ou congênita, mas causada por uma força física externa, Izaias em nenhum momento pensou que estava tendo um AVC e alega que, mesmo sendo neurologista, demorou para entender o que estava acontecendo com seu cérebro. “Se eu, que sou especialista nessa área, tive essa dificuldade, imagino como deve ser difícil para as pessoas entenderem o que é um AVC e quais os seus sintomas”, alerta.

No caso de Izaias, o AVC ocorreu devido a uma dissecção, um tipo de obstrução interna das artérias carótidas que causa um bloqueio do fluxo sanguíneo. A dissecção pode ser consequência de uma lesão da cabeça ou do pescoço. O tiro de paintball na cabeça deflagrou o episódio no médico.

Considerada a rapidez no atendimento e no diagnóstico, foi possível tratar o paciente com o método denominado trombólise intravenosa, que consiste no uso de uma substância para destruir o coágulo que obstruiu a artéria cerebral. É considerado o tratamento mais eficaz disponível para a fase aguda do AVC isquêmico, desde sua aprovação, em 1996, nos Estados Unidos, e em 2001, no Brasil. Mas só pode ser usada em um período de até três horas após os primeiros sintomas.

O médico afirma que após a trombólise, apresentou melhora significativa. “As pessoas que têm a oportunidade de receber esse tratamento devem aceitá-lo, lembrando que ele só pode ser usado com alguns critérios e que é bastante caro”, aconselha.

Izaias não precisou de nenhuma terapia de reabilitação, uma vez que se recuperou rapidamente, e hoje leva uma vida normal. Porém, afirma que nas longas horas em que passou internado, imaginava como seria sua vida sem poder falar. Pensou até mesmo em fazer patologia clínica, para, assim, se dedicar somente à pesquisa.

Outra lição que aprendeu dessa experiência foi com relação à equipe de enfermagem. “Sempre impliquei com os profissionais com quem trabalho”, confessa. “Mas na posição de paciente, eles se tornaram essenciais para minha recuperação. Se soubessem o quanto são importantes, se valorizariam muito mais”, completa.

O neurologista afirma que ter tido a doença contribuiu para que ele a diagnosticasse em outras pessoas. Ele relembra um caso no qual o paciente estava afásico e todos achavam que se tratava de algum tipo de histeria. Tendo vivido aquela situação, o médico não hesitou e decifrou o enigma: tratava-se de um AVC.

Hoje, prestes a completar seis meses que o episódio ocorreu, Izaias declara que a principal recomendação que dá como médico que já foi paciente é que ao sentir qualquer mal-estar, a pessoa deve procurar ajuda adequada. Buscar atendimento precocemente, num pronto socorro especializado, reduz a possibilidade de o indivíduo ter seu quadro agravado, afinal existem tratamentos possíveis para o AVC.