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Reportagem
Qualidade de vida pós-AVC
Por Ana Paula Morales,
Carolina Toneloto,
Daniele Martini
e Sueli Adestro
10/06/2009

O paciente, após um acidente vascular cerebral, experimenta sentimentos de isolamento e impotência, decorrentes da situação de ameaça à sua integridade bio-psico-social. Dessa maneira, preservar a qualidade de vida no pós-AVC é imprescindível para que a pessoa possa superar o quadro clínico e emocional instaurado. São diversas e variadas as dificuldades e perdas impostas pelo evento do AVC – como mobilidade, capacidade cognitiva e de comunicação – e a recuperação desses pacientes depende de cuidados profissionais de várias áreas diferentes e, também, de cuidados informais realizados, na maioria das vezes, por familiares ou pessoa próximas ao paciente. A preservação da qualidade de vida do paciente, dessa forma, passa também pela preservação da saúde do próprio cuidador.

Multiprofissionais

A equipe multiprofissional, que atende um paciente acometido por um AVC, atua no diagnóstico do quadro e na reabilitação do paciente, que envolve o alívio da dor e do incômodo e intervenções que visam recuperar a autonomia para realizar atividades cotidianas básicas, como escovar os dentes e pentear o cabelo, até atividades mais refinadas, por exemplo, de cognição e comunicação.

Segundo a fisioterapeuta Maria Elisa Pimentel Piemonte, docente da Universidade de São Paulo (USP), o paciente e seu cuidador devem entender e aceitar a importância do tratamento. A reabilitação, porém, dependerá de alguns fatores, como a idade em que o correu o AVC, a área e a extensão da lesão e o tipo de AVC, quer seja isquêmico ou hemorrágico. A pesquisadora destaca que o trabalho com a reabilitação fisioterapêutica e fonoaudióloga torna mais eficiente o processo de reorganização neural, melhorando a função psicomotora. “Esse processo de plasticidade, de re-organização neuronal, vai acontecer. É um processo tecidual, uma re-organização fisiológica. Mas, se houver um direcionamento do fisioterapeuta, que faça um treinamento organizado e direcionado, essa re-organização vai ser mais rápida e, fundamentalmente, mais eficiente”, enfatiza Piemonte. O objetivo da reabilitação é propor um programa de tratamento em que o membro afetado se recupere satisfatoriamente, diminuindo a assimetria e a sobrecarga do lado sadio, estimulando o paciente a usar o membro afetado durante as atividades diárias. Quanto mais rápido for o ingresso do paciente no processo de reabilitação, maiores serão as chances de serem evitadas complicações físicas, emocionais e sociais.

Existem várias técnicas fisioterapéuticas que podem ser utilizadas em um programa de reabilitação para pacientes com AVC. Uma delas, utilizada conjuntamente com o tratamento convencional, é a chamada terapia por contenção induzida (TCI) ou terapia por restrição (TR). Segundo Rodrigo Deamo, fisioterapeuta do Lar Escola São Francisco e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), esta é uma técnica eficaz e que traz resultados satisfatórios em relação à melhora do uso do membro afetado durante as atividades. A terapia por restrição consiste em um programa de treinamento intensivo em que o membro sadio tem os movimentos restringidos com o uso de uma luva. “O objetivo da luva é lembrar o paciente de que ele deve, durante essas duas semanas de tratamento, utilizar o máximo o lado afetado. O objetivo não é mudar a dominância lateral do paciente”, explica Deamo.

Reforçando o papel das terapias de reabilitação multiprofissionais, a pesquisadora em neurolinguística da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Edwiges Morato, estuda a compreensão dos tipos de afasia, ou seja, a perda da capacidade de produzir e compreender a linguagem, e a evolução fonoaudiológica em pacientes pós-AVC, visando a melhoria das alterações linguísticas e cognitivas. Ela ressalta que a qualidade de vida dos pacientes afásicos está diretamente atrelada aos fatores de adaptação psicossocial. “A recuperação do paciente pós-AVC depende de um entorno social, de como a sociedade tolera, conhece e inclui as pessoas que têm alguma dificuldade de comunicação derivada de uma lesão cerebral circunscrita”, comenta. Nesse sentido, os grupos de convivência de afásicos podem ter um papel fundamental como parte do processo de reabilitação linguística no pós-acidente.

A eficácia do tratamento depende do conhecimento produzido sobre a doença, das técnicas para tratamento desenvolvidas, da experiência dos profissionais, mas também das políticas adotadas em cada instituição. Uma dificuldade enfrentada atualmente pelos profissionais de saúde, que atuam no sistema público tratando pacientes pós-AVC, decorre do modelo adotado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no início do ano passado, que restringe a possibilidade do médico solicitar as sessões de fisioterapia. Só podem ser sessões de dez em dez, prorrogáveis por no máximo vinte. “Para uma sequela neurológica, você não consegue nem modificar funcionalmente o quadro desse paciente. Isso pode funcionar com entorse de tornozelo, mas nunca vai funcionar para um paciente que teve uma lesão isquêmica ou hemorrágica no tecido nervoso”, argumenta Piemonte.

Cuidador e cuidado

Todo cuidador assume esse papel no momento em que o paciente necessita que alguém realize para si os cuidados que, antes do AVC, eram de sua competência. Ocupando-se de tarefas fundamentais à vida diária do paciente (como alimentação, higiene pessoal, medicação adequada, transporte entre os cômodos da casa e também para as atividades terapêuticas externas, etc.), o cuidador passa a ter importância fundamental na manutenção da vida do paciente. Além dos pacientes, os cuidadores de pessoas com AVC também vivenciam mudanças no seu estilo de vida.

Segundo o artigo publicado na revista Cadernos de Saúde Pública, “Idosos dependentes: famílias e cuidadores”, por Ursula Karsch, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), tanto a observação da realidade, quanto a literatura especializada, mostram que uma pessoa é designada a cuidar de outra, numa situação de enfermidade, por conta de quatro fatores principais: parentesco, gênero, proximidade física e proximidade afetiva. Os estudos da pesquisadora indicam que, em geral, essas pessoas são mulheres, próximas ao paciente – esposas, filhas, e mães; em menor número sogras e irmãs – e, frequentemente, residem no mesmo domicílio que o paciente. Ainda que essa não seja propriamente uma decisão consentida por parte dessas mulheres, esse cenário se constrói porque há uma expectativa social, e também uma educação cultural feminina que contribui para que esse papel – de cuidador – seja assumido. A contrapartida do reconhecimento social da importância das ações dessas pessoas é, entretanto, mínimo e, muitas vezes, inversamente proporcional à expectativa inicial posta sobre os cuidados femininos.

Na maioria das vezes, o cuidador direto ou familiar acaba assumindo funções para as quais não está preparado. Muitas vezes, os próprios cuidadores têm sua saúde prejudicada pela dedicação aos pacientes, tornando-se também doentes. Dessa maneira, as atividades realizadas pelo cuidador devem ser planejadas junto aos profissionais responsáveis pela reabilitação, para que as ações possam garantir qualidade de vida do paciente e da família.

Segundo Silvia Cristina Mangini Bocchi, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, as condições limitantes impostas pela doença modificam e geram insatisfações na vida social dos cuidadores, trazendo sentimentos de isolamento e proporcionado relacionamento mais próximo e circunscrito às atividades domésticas. “O cuidador se insere num processo de sobrecarga sem nenhum apoio. A saúde mental dessa pessoa, às vezes, também é afetada. O que tem que ser visto é o binômio, tanto o cuidador, quanto a pessoa que perdeu a autonomia, e a saúde dessa relação. É isso que vai garantir tanto a saúde de um, quanto a recuperação do outro”, defende Bocchi. Redes informais de discussões e de apoio a cuidadores costumam ser fontes de alívio para que possam dividir suas reflexões e experiências.

No processo de recuperação de um paciente de AVC, todo cuidado – profissional ou informal – deve ser valorizado e dotado de significado. Para além de seu poder de manutenção da vida, os cuidados revelam o zêlo e a dedicação de pessoas que, durante esse processo constroem, reconstroem, escrevem e reescrevem, uma história nova a cada dia. Como se nascessem a cada momento “para a eterna novidade do mundo”, como dizia o poeta Fernando Pessoa.