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Resenhas
Sol na moleira
Obra que compila dados e discussões sobre o Cerrado deve contribuir para implantar modelos de desenvolvimento sustentável
Por Rafael Evangelista
10/02/2009

Com o perdão pela piada fácil, Cerrado: ecologia e flora é um livro árido. Não que seja pobre, pois isso o Cerrado brasileiro também não é, mas não é de fácil travessia. Em dois volumes, diversos pesquisadores de relevância e com experiência no estudo do bioma, dividem-se na análise do clima, recursos hídricos, solos, frutas, biologia de plantas, entre outros. No primeiro volume estão os textos, em 14 capítulos; no segundo, uma grande lista com mais de 12 mil espécies da flora do Cerrado. Segundo declarou um dos organizadores à Agência Fapesp, José Felipe Ribeiro, pesquisador da Embrapa Cerrados, entre os objetivos da obra está contribuir com a implantação de modelos de desenvolvimento sustentável.

De fato, diversos dos capítulos trazem recomendações pontuais de políticas para o Cerrado, antecedidas por forte embasamento bibliográfico que as justificam. No capítulo 13, por exemplo, que aborda a questão da fragmentação do bioma – as ilhas de bioma que sobrevivem rodeadas por áreas degradadas –, os autores alertam para a necessidade de, entre outros: “manter ou restaurar conexões naturais entre fragmentos, como, por exemplo, criar corredores ecológicos e stapping stones”; “manter a vegetação nativa em faixas remanescentes ao longo de rios, cercas, margens de rodovia, redes elétricas e outros corredores, a fim de reduzir o efeito de borda e distúrbios humanos”; ou “realizar estudos de longa duração para determinar mecanismos do efeito de borda e suas implicações no Cerrado”.

Um dos maiores problemas ambientais para o bioma tem sido a expansão da fronteira agrícola brasileira, em especial derivada do cultivo de soja pelo agronegócio. Nesse sentido, o mesmo capítulo 13 cita estudo que aponta que os grandes fragmentos possuem 25% mais espécies arbóreas do que os fragmentos pequenos e médios. “Fragmentos pequenos nem sempre asseguram a existência de espécies raras ou de distribuição agrupada”. De acordo com os autores, as espécies que sobrevivem em pequenos fragmentos são aquelas que possuem pequenas áreas de vida. No Cerrado, as áreas agriculturáveis são as mais devastadas e, por consequência, as espécies que vivem nessas regiões são as mais prejudicadas. Os animais, assim como as plantas, reagem de forma diferente à diminuição e alteração dos habitats. Algumas espécies, como o lobo-guará, têm sua população aumentada; já o cateto e o tatu-canastra foram negativamente afetados.

Além das recomendações para políticas públicas, Cerrado: ecologia e flora é uma obra que tem uma grande preocupação em conceituar. Para o estudante interessado no bioma, o livro tem especial valor, pois vários capítulos trazem históricos e revisões bibliográficas para vários conceitos. O primeiro capítulo, por exemplo, trata da controversa definição de savana e da ainda mais controversa pergunta: “o Cerrado é uma savana?”. A polêmica residiria no fato de que há no Cerrado regiões específicas como o Cerradão – floresta com árvores que podem chegar a 15 metros – ou o Campo Limpo – campo puro, sem árvores – que não se encaixam na definição de savana. No entanto, a resposta dos autores é positiva, o Cerrado seria sim uma savana, pois essa é sua caracterização principal.

Nesse mesmo capítulo, é bastante interessante o posicionamento dos autores com relação ao peso político que têm as definições conceituais. De acordo com eles, a idéia correta de que a “savanização” de áreas de florestas deve ser combatida não pode levar à concepção equivocada de que a savana brasileira – ou seja, o Cerrado – deve também ser combatida. Eles alertam que a savana brasileira, que é natural, é tão rica quanto as mais ricas florestas tropicais.

Com relação à preservação do Cerrado, reafirma-se um dado já bastante reconhecido pela opinião pública: a presença de terras indígenas pode contribuir para a preservação do bioma que ocupa. Atualmente, no Cerrado, elas corresponderiam a apenas 4,08%. O histórico de ocupação indígena no bioma é apresentado de forma muito interessante no capítulo 2, ao descrever como numerosas etnias já viveram ali. No entanto, Cerrado: ecologia e flora perde a oportunidade de dar mais força a essa idéia de preservação integrada com as populações humanas. A publicação é uma atualização e complemento de outra datada de dez anos atrás e já esgotada e, no entanto, esse capítulo foi o único a não ser atualizado. Embora seja muito completo em seu histórico dos grupos indígenas, fica devendo ao apresentar dados populacionais do início da década de 1980. Um capítulo com um panorama das populações indígenas que vivem atualmente no bioma seria, com certeza, uma excelente contribuição.

A ausência, porém, não diminui o valor da obra. Como dito, sua travessia não é fácil, os estudiosos que já conhecem os caminhos a aproveitam muito mais. Mas é bastante enriquecedora, além de ser uma excelente base a quem se aventurar a fazer divulgação científica sobre o bioma.

Cerrado: ecologia e flora – Volume I
José Felipe Ribeiro, Semíramis Pedrosa de Almeida e
Sueli Matiko Sano
Embrapa, 2008 (408 p.)