A crise global do conservadorismo

The Economist, 4 de julho de 2019

A direita de hoje não é uma evolução do conservadorismo, mas um repúdio a ele. O filósofo Michael Oakeshott o definiu perfeitamente: “Ser conservador… é preferir o que é familiar ao desconhecido, preferir o já tentado ao nunca tentado, o fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante.” No melhor caso, o conservadorismo pode ser uma influência estabilizadora. É razoável e sábio; valoriza a competência; não está com pressa. Esses dias acabaram. A direita de hoje está em chamas e é perigosa.

Vladimir Putin, presidente da Rússia, classificou o liberalismo como “obsoleto”. Você não vai se surpreender por discordamos disso. Não apenas porque Putin declarou ao Financial Times que o liberalismo só diz respeito a imigração, multiculturalismo e política de gênero — o que constitui uma farsa — mas também porque escolheu o alvo errado. A ideia que está mais ameaçada no Ocidente é o conservadorismo. E não é preciso ser conservador para achar isso profundamente preocupante.

Em sistemas bipartidários, como nos Estados Unidos e (em termos amplos) na Grã-Bretanha, a direita está no poder, mas menosprezando os valores que costumavam defini-la. Em países multipartidários, a centro-direita está sendo corroída, como na Alemanha e Espanha, ou eviscerada, como na França e na Itália. E em outros lugares, como na Hungria, com uma tradição democrática mais curta, a direita foi direto para o populismo sem nem ao menos tentar o conservadorismo.

O conservadorismo não é tanto uma filosofia como uma disposição. O filósofo Michael Oakeshott o definiu perfeitamente: “Ser conservador… é preferir o que é familiar ao desconhecido, preferir o já tentado ao nunca tentado, o fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante.” Assim como o liberalismo clássico, o conservadorismo é filho do Iluminismo. Os liberais dizem que a ordem social emerge espontaneamente dos indivíduos que agem livremente, mas os conservadores acreditam que a ordem social vem primeiro, criando as condições para a liberdade. Ela recorre à autoridade da família, igreja, tradição e associações locais para controlar a mudança e desacelerá-la. Você destrói as instituições por sua conta e risco. No entanto, tal demolição está ocorrendo com o próprio conservadorismo — e está vindo da direita.

A nova direita não é uma evolução do conservadorismo, mas um repúdio a ele. Os usurpadores se sentem lesados e estão descontentes. São pessimistas e reacionários. Olham o mundo e enxergam o que o presidente Donald Trump uma vez chamou de “massacre”.

Observe como estão destruindo as tradições conservadoras, uma após a outra. O conservadorismo é pragmático, mas a nova direita é ideológica e desdenhosa com a verdade. A Austrália sofre com secas e mares que descolorem os recifes, mas a direita acabou de vencer uma eleição sob um partido cujo líder se dirigiu ao parlamento segurando um pedaço de carvão como se fosse uma relíquia sagrada. Na Itália, Matteo Salvini, líder da Liga do Norte, elogiou o movimento contra vacinação. Para Trump, “fatos” são apenas dispositivos para inflar sua imagem ou slogans destinados a provocar ódio e lealdades tribais.

Os conservadores são cautelosos com a mudança, mas a direita agora, de forma muito leviana, contempla a revolução. O partido Alternativa para a Alemanha flertou com a ideia de um referendo sobre a participação na área do euro. Se Trump cumprir suas ameaças de sair da Otan, seria uma reviravolta no equilíbrio de poderes. Um Brexit sem acordo seria um salto no escuro, mas os conservadores britânicos anseiam por isso, mesmo se significar a destruição da união com a Escócia e a Irlanda do Norte.

Os conservadores acreditam no caráter, porque a política tem a ver com ponderação e bom-senso, além da razão. Desconfiam do carisma e do culto à personalidade. Nos Estados Unidos, muitos republicanos que se acham esclarecidos apoiaram Trump embora ele tenha sido acusado, com plausibilidade, de má conduta sexual por 16 mulheres diferentes. Os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro, que recorda com carinho dos tempos do regime militar. O carismático Boris Johnson é o candidato favorito para ser o próximo primeiro ministro britânico [nota do editor: Johnson é o atual primeiro ministro britânico], apesar de ter a desconfiança dos outros membros do parlamento.

Os conservadores respeitam os acordos e são prudentes guardiões da economia, porque a prosperidade é a base de tudo. O primeiro ministro da Hungria, Viktor Orbán, se descreve como um conservador econômico, defensor de impostos baixos, mas compromete o estado de direito do qual os negócios dependem. Trump é uma aposta de guerras comerciais. Mais de 60% dos políticos conservadores britânicos estão dispostos a infligir “graves prejuízos” à economia para garantir o Brexit. Na Itália, a Liga está assustando os mercados ao brincar com a possibilidade de emitir moeda governamental que agiria como moeda paralela ao Euro. Na Polônia, o partido Lei e Justiça esbanja recursos orçamentários em uma bonança de assistência social. Na França, na campanha pelas eleições do parlamento europeu, o partido republicano, minoritário, se preocupou mais com as “raízes judias / cristãs” do que com gestão econômica prudente.

Em último lugar, a direita está mudando o significado do termo “pertencer”. Na Hungria e na Polônia, a direita se entusiasma com nacionalismo “de sangue e solo”, que exclui e discrimina. Vox, uma nova força na Espanha, regressa aos tempos da Reconquista, quando os cristãos expulsaram os muçulmanos. Um nacionalismo raivoso e reacionário desperta suspeita, ódio e divisão. É a antítese da ideia conservadora de que pertencer à nação, à igreja e à comunidade local pode unir as pessoas e motivá-las a agir para o bem comum.

O conservadorismo tem sido radicalizado por vários motivos. Um motivo é o declínio do que Edmund Burke chamou de “pequenos pelotões” nos quais o conservadorismo se amparava, tais como religião, associações e a família. Outro motivo é que os antigos partidos, tanto direitistas como esquerdistas, ficaram desacreditados pela crise financeira, pela austeridade e pelas longas guerras no Iraque e Afeganistão. Fora dos grandes centros, as pessoas sentem que são desprezadas por indivíduos urbanos sofisticados, gananciosos e egoístas. Alguns foram arrebatados pela xenofobia de empreendedores políticos. O colapso da União Soviética, acreditam alguns, destruiu a cola que unia [contra a URSS] uma coalizão de falcões das relações internacionais, libertários e conservadores tanto na cultura quanto na profissão de fé pró-negócios. Nenhuma dessas tendências será fácil de reverter.

‘The right stuff’
Isso não significa que tudo está se encaminhando na direção dos partidos da nova direita. Na Grã-Bretanha e nos EUA, pelo menos, a demografia está contra eles. Seus eleitores são brancos e relativamente idosos. As universidades são “right-wing-free zone”. Uma pesquisa feita pelo Centro de Pesquisas Pew no ano passado constatou que 59% dos eleitores americanos da geração Y eram democratas ou tinham inclinação democrata; a parcela correspondente de republicanos era de apenas 32%. Entre a “geração silenciosa”, os nascidos entre 1928 e 1945, os democratas tinham 43% e os republicanos 52%. Não está suficientemente claro se um número suficiente de jovens irá passar para a direita à medida que envelhecerem para compensar a lacuna.

Mas a nova direita está claramente vencendo sua luta contra o conservadorismo de tradição iluminista. Para os liberais clássicos, como esta revista, isso é uma razão de pesar. Os conservadores e os liberais discordam em muitos pontos, como drogas e liberdade sexual. Porém são, com maior frequência, aliados. Ambos rejeitam o impulso utópico de encontrar uma solução governamental para cada erro. Ambos resistem ao planejamento estatal e a impostos altos. A inclinação conservadora de policiar os costumes é contrabalançada por um impulso de proteger a liberdade de expressão e promover liberdade e democracia em todo o mundo. Na realidade, os conservadores e os liberais despertam o melhor uns dos outros. O conservadorismo modera o zelo liberal; os liberais cutucam o comodismo conservador.

Por contraste, a nova direita é implacavelmente hostil contra os liberais clássicos. O risco é que os moderados sejam espirrados para fora na medida em que a direita e a esquerda inflamam a política e provocam uns aos outros para chegar a extremos. Os eleitores podem ficar sem escolha. Em reação contra Trump, os democratas foram ainda mais para a esquerda a respeito de imigração do que o país em geral. Os britânicos, com dois grandes partidos, podem ter que escolher entre Jeremy Corbyn, líder da esquerda dura do partido trabalhista, e um partido conservador radicalizado sob Boris Johnson. Mesmo que você possa votar no centro, assim como Emmanuel Macron na França, um partido irá vencer repetidamente por default — o que, em longo prazo, não é saudável para a democracia.

No melhor caso, o conservadorismo pode ser uma influência estabilizadora. É razoável e sábio; valoriza a competência; não está com pressa. Esses dias acabaram. A direita de hoje está em chamas e é perigosa.