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Transporte ineficiente prejudica agronegócio

O Brasil agrícola está produzindo como nunca. É líder mundial em soja, milho, açúcar, café, carne bovina e de frango. Mas, na hora de escoar essa produção até os pontos de venda ou portos exportadores, o país enfrenta sérios problemas com a ineficiência dos sistemas de transporte. São rodovias em situação precária, caminhões sucateados, ferrovias sem investimento e terminais portuários sobrecarregados. Além disso, a produção está espalhando-se para o centro-oeste e norte do país e distanciando-se dos grandes centros consumidores e dos canais exportadores, como sul e sudeste, o que encarece os custos com transporte e põe em risco a competitividade do produto brasileiro no mercado internacional.

O sistema rodoviário ainda é o principal transportador de cargas agrícolas. Na maioria das vezes, é a única alternativa para movimentação desse tipo de produto, devido à escassez de hidrovias e ferrovias que liguem grandes distâncias e, ao mesmo tempo, situem-se perto das fazendas, com ramais e estações de embarque e descarga. Com isso, a soja e o algodão, por exemplo, enfrentam percursos rodoviários de três mil quilômetros, em média, o que implica num alto consumo de combustível e custos de frete e pedágio. "Toda essa despesa aumenta o valor final do produto" afirmou o pesquisador José Vicente Caixeta Filho, professor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq/USP, durante o Seminário Internacional de Logística Agroindustrial realizado no dia 19 de março naquela universidade. Ele acrescenta que os embarcadores (donos da carga) têm se preocupado cada vez mais com a logística envolvida nesse processo, para que tudo ocorra na hora exata, no lugar certo, em condições favoráveis, para que as perdas sejam menores.

De acordo com estudo feito pelo Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Brasil apresenta disponibilidade de transportes 40% menor em relação a países de mesma extensão territorial e condições macroeconômicas. Além disso, a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) mostra que 82% das estradas apresentam sérias deficiências, entre elas, mais de oito mil quilômetros com trechos de buracos e afundamentos. Outro dado da CNT que impressiona é o da idade média da frota de caminhões, que é de 18 anos, o que explica a redução em 40% na velocidade média dos veículos das estradas em direção aos portos nos últimos anos. "Quanto mais tempo o caminhão fica na estrada, maiores são as perdas em termos de quantidade, qualidade e valor do produto" afirma Pedro Sérgio Beskow, Secretário de Programas Empresarias e do Agronegócio, da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Alternativas à rodovia: falta investimento
O transporte de cargas agrícolas através da navegação costeira (cabotagem) tem se mostrado eficaz para a movimentação de grandes volumes. No entanto, a utilização da cabotagem como alternativa a outros tipos de transporte enfrenta problemas com a falta de navios e a inexistência de serviços com escalas regulares.

A privatização contribuiu para a modernização dos portos, mas ainda há problemas que mantêm a produtividade baixa, apesar do excesso de mão-de-obra, que chega a ser de três a nove vezes superior aos portos europeus e sul-americanos. Enquanto o índice internacional de movimentação nos portos é de 40 contêineres/hora, no Brasil a média é de 27. Esse é um dos motivos pelos quais todos os anos caminhões formam filas de até 150 quilômetros de extensão para descarregar suas cargas no porto de Paranaguá (PR). O tráfego ficou pior, nos últimos meses, devido ao escoamento da safra de soja. "Os terminais são inadequados, com equipamentos de baixa capacidade tanto na recepção quanto na expedição e, além disso, falta treinamento de pessoal", diz Antônio Ismael Ballan, diretor de logística da empresa Caramuru Alimentos.

O Brasil possui 42 mil quilômetros de hidrovia, mas apenas 10 mil quilômetros são efetivamente utilizados. Desse modo, sistemas como o Tietê-Paraná, com 2,4 mil quilômetros e que consumiu US$ 2 bilhões em investimentos públicos em vários governos, escoa 2 milhões de toneladas de carga/ano, apenas 10 % de sua capacidade total. "A hidrovia é o transporte mais barato e menos utilizado" afirma Ballan. Ele acredita que os problemas das hidrovias devem-se à baixa capacidade de intermodalidade e comboio (uma espécie de vagão com carga para 2.200 toneladas, que podem ser simples, duplos ou triplos), além de oferecer pouca atratividade de investimentos devido às barreiras ambientais (leia mais sobre isso em reportagem e artigo nesta edição).

A ineficiência no transporte de produtos agrícolas também está presente nas ferrovias que, embora tenham recebido investimento com a privatização, ainda estão longe de suprir a demanda do setor do agronegócio e se consolidar como alternativa viável ao transporte rodoviário. Além da ampliação da malha de 30 mil quilômetros de extensão (praticamente igual a do Japão, país 22 vezes menor que o Brasil) é urgente a modernização do maquinário. Com os trens e bitolas atuais, a velocidade média das composições não ultrapassa lentos 25 km/h. Outra questão é que no passado, as malhas ferroviárias foram feitas para transportar passageiros e por isso passam dentro dos centros urbanos. Mas antes passavam apenas dois trens de madrugada e hoje passam cinco ou seis com o triplo do tamanho e o que acontece é que a cidade pára! "Será preciso um grande investimento para solucionar esses problemas" diz Eduardo Calleia Junger, analista de mercado da unidade de agricultura da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).

A inadequação dos vagões, além da baixa qualidade e da pequena oferta do material rondante, ou seja, das peças de manutenção da via férrea, são as principais deficiências na infra-estrutura ferroviária brasileira. Mas, apesar das dificuldades, algumas parcerias entre empresas e ferrovias deram certo. Em outubro de 2000, a empresa Fosfértil/Ultrafértil, Ferrovias Bandeirantes (Ferroban), Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) e Amsted-Maxion (empresa de fundição e equipamentos ferroviários), decidiram desenvolver um vagão protótipo de multiuso para os produtos (enxofre e rocha fosfática) da empresa e seus associados. Em dezembro de 2003 foram entregues pela FCA/CVRD uma frota de 334 vagões HPE. O novo vagão diminuiu o tempo de descarga nos terminais de 60 para seis minutos e o número de funcionários foi de oito para duas pessoas. O volume transportado aumentou e o preço do frete ferroviário diminuiu. "Esse projeto demonstra uma parceria entre o cliente, a operadora ferroviária e a indústria onde buscou-se a implementação de inovações tecnológicas customizadas, solucionando um problema de transporte, obtendo redução de custos e ganhos operacionais para todas as partes", ressalta Vilalba Trierveiler, gerente de suprimentos e logística da Fosfértil/Ultrafértil.

Parceria público-privada

O governo federal já busca o apoio da iniciativa privada para solucionar a ineficiência do sistema de transportes no Brasil. O plano de Parceria Público-Privada pretende investir R$13,68 bilhões em 23 projetos de reformas em rodovias, ferrovias, portos e canais de irrigação até 2007. Segundo Marisa Regitano d`Arce, professora do departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq/USP, "é necessário que os diversos setores da cadeia produtiva ajam de forma integrada, desde a origem até as unidades armazenadoras, recepção no porto e operações de frete de retorno, que reduz o custo do transporte".

Alguns representantes da iniciativa privada, como Fernando Sens, da Bunge Fertilizantes, consideram o plano do governo arriscado. "Tanto a indústria, como a agricultura e a pecuária têm apresentado competência investindo no próprio negócio, melhorando ano após ano a produtividade e a qualidade dos produtos. Vamos permitir agora ou até solicitar que esses empresários tirem o foco do que fazem bem feito e passem a investir em ferrovias, rodovias e portos?" indaga Sens.

Para Vandualdo Roberto Bigotto, gerente de logística da Crystalsev, o problema das parcerias é que quando você supera uma dificuldade, como a disponibilidade de vagões e locomotivas, por exemplo, o gargalo passa a ser a capacidade de recepção no terminal portuário ou nas condições de embarque na origem, o que requer novos investimentos. "Como a produção e as exportações crescem num ritmo muito grande, cria-se uma espiral de obstáculos que devem ser superadas a cada safra", finaliza.

"Sem armazenagem é preciso vender logo"


O principal entrave para o escoamento das safras, além dos problemas nos corredores de transporte, é a falta de infra-estrutura das unidades armazenadoras de grãos. O Brasil tem tido safras recordes, mas não consegue estocar essa produção a ponto de esperar o melhor momento de comercialização e garantir ganhos com valores menores de frete. A conseqüência é que os canais de transporte, já ineficientes, ficam saturados. "Esse ano, alguns produtores estavam comprando caminhão à vista, em ritmo de urgência para não perder a produção", afirma Duílio de La Corte, diretor comercial do grupo Kepler Weber. Ele explica que sem armazenagem é preciso vender logo o produto, pois há risco de danos trazidos pelas chuvas e intempéries ambientais.

A mecanização da produção diminuiu o período de duração da colheita e aumentou a produtividades, mas "só 9% das fazendas possuem capacidade de armazenagem, enquanto que as unidades terceirizadas, situadas, muitas vezes, longe da produção, estão há 10 anos estagnadas" ressalta Pedro Beskow. "Portos congestionados significam que os armazéns também estão com problema (saturados) e se a previsão de 130 milhões de toneladas para a safra de grãos de 2004 se concretizar, chegaremos ao limite", conclui.

Para evitar uma crise ainda maior no setor, o governo implementou uma nova legislação de armazenagem para produtos agropecuários, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor. A lei pretende aumentar as atividades armazenadoras, principalmente dentro das fazendas, além de regulamentar, certificar, modernizar e qualificar os profissionais envolvidos.

(MP)

 
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Atualizado em 10/04/2004
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