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Diretriz curricular do MEC ilustra lógica capitalista de políticas educacionais

Entre as polêmicas que envolveram a gestão do ex-ministro da Educação Paulo Renato de Souza está a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), um documento implementado entre 1997 e 1999, que fixou diretrizes curriculares a serem seguidas por todas as escolas públicas de ensino fundamental e médio do país e que vigora até hoje. Os PCNs foram foco da pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ialê Falleiros Braga, que reuniu e analisou um conjunto de pareceres, entrevistas e artigos relacionados ao processo de constituição dos PCNs. O trabalho resultou na dissertação Os PCNs e a formação escolar do novo homem: um estudo sobre a proposta capitalista de educação para o Brasil do século XXI, defendida no início deste mês.

A historiadora identificou diversas críticas, tanto em relação ao processo de elaboração, como aos princípios pedagógicos nele presentes, associados ao ideário político neoliberal implementado no Brasil, principalmente na década de 90.

Braga explica que o estudo do material começou quando ainda ministrava aulas de História em um colégio particular e teve que desenvolver, em suas aulas, os chamados "temas transversais", ou seja, temas fixados pelos Parâmetros que deveriam ser estudados de maneira integrada com professores de outras disciplinas. Os PCNs fixam como temas transversais Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde e Orientação Sexual , Trabalho e Consumo. Na ocasião, Braga relata que os temas chegaram por meio da coordenação do colégio, como um script a ser seguido, sem discussão ou relação com o trabalho que já vinha sendo feito em sala de aula. "Naquele momento comecei a problematizar tanto a maneira como o documento estava sendo implementado, como seus objetivos mais amplos", afirma. A pesquisadora relata que foram bastante realçadas outras duas características marcantes dos PCNs: o objetivo de formar indivíduos para o domínio das novas tecnologias, como o uso de computadores, e a idéia de desenvolvimento de conteúdo a partir do conhecimento e das questões que o aluno traz da sua vivência e do seu dia-a-dia.

Os "temas transversais", para Braga, são tratados apenas a partir da perspectiva teórico-metodológica da psicologia genética, ou seja, de maneira muito circunscrita ao universo do indivíduo. Ao propor a temática 'saúde', por exemplo, o aluno é levado a pensar o que ele próprio pode fazer pela saúde pública: "Não há uma contextualização histórica e antropológica que leve o aluno a uma reflexão sobre como as doenças foram tratadas ao longo do tempo ou sobre o que produz, em determinado grupo social, um tipo específico de doença", explica.

Deste modo, Braga afirma que o papel da escola fica restrito apenas a uma reelaboração do conhecimento que o aluno possui, baseado no senso comum, sem que exista a construção de um saber mais elaborado, que amplie a compreensão e o questionamento da realidade em que o aluno está inserido.

A pesquisadora buscou uma bibliografia que problematizasse estas diretrizes, que estavam sendo dadas também aos professores do ensino público, segundo ela, de maneira igualmente "prescritiva e taxativa", sem considerar parâmetros que já estavam sendo desenvolvidos e implementados em estados e municípios. O estudo envolveu 13 pareceres dados por especialistas antes da publicação da versão final do documento, além de entrevistas com profissionais que participaram da sua elaboração.

Deste modo, a dissertação expõe o vínculo dos PCNs com diretrizes intelectuais de teóricos como Anthony Giddens, cujas idéias são consideradas um dos grandes referenciais do projeto político do atual primeiro-ministro inglês Tony Blair; ou de autores como Luís Carlos Bresser Pereira, um dos formuladores do projeto de reestruturação do Estado implementado pelo governo FHC. Esse alinhamento também está explicitado no fato de que a formulação dos PCNs foi financiada com verbas internacionais, da Agência das Organizações das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bird). "Os PCNs são parte de uma reforma educacional que visa a formação de novos cidadãos e trabalhadores segundo a perspectiva neoliberal da sociedade latino-americana, estabelecida por meio de um projeto político hegemônico no continente desde a década de 70", diz. Ialê Falleiros Braga também realça que o documento induz a ênfase em valores como solidariedade, honestidade e no voluntariado, porém ignorando os mecanismos de geração da pobreza e das desigualdades sociais.

Os PCNs não foram diretamente impostos às escolas, porém os princípios do documento nortearam diversos instrumentos de avaliação do ensino público, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb). "A atual gestão do Mec não se manifestou publicamente sobre uma possível alteração dos PCNs", conclui a pesquisadora.

 

-Leia mais sobre o assunto na edição da ComCiência sobre Reforma Universitária.

Atualizado em 27/10/04
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