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Informação e Simulacro

Carlos Vogt

Sociedade da Informação, Global Information Society, em seu nome de origem conceitual e lingüística, Sociedade do Conhecimento, Nova Economia, são expressões geradas no interior do mesmo fenômeno e que, se não recobrem exatamente os mesmos significados, pertencem, contudo, ao mesmo campo semântico estendido na planura da retórica redencionista da globalização.

Nesse sentido, o Brasil, antes mesmo da apropriação da materialidade abstrata da globalização, que é a livre circulação do capital financeiro, foi se apropriando, pelos projetos e programas que constituem os marcos das aspirações da sociedade mundializada, dessa retórica-simulacro-de-inclusão.

As perorações dos sacerdotes do novo credo formam arengas que, pela recitação insistente, vão constituindo como que mantras de verdades oraculares: novo paradigma tecno-econômico, resgatar a dívida social, alavancar o desenvolvimento, constituir uma nova ordem social, excluir a exclusão, economia baseada na informação, no conhecimento e no aprendizado, "onda de destruição criadora", evitar que se crie classe de "info-excluídos", alfabetização digital, fluência em tecnologia da informação e comunicação, aprender a aprender, inclusão social como prioridade absoluta, democratização dos processos sociais pelas tecnologias da informação, vencer a clivagem social entre o formal e o informal, agregação de valor, redes de conteúdos que farão a sociedade mover-se para a sociedade da informação, educação a distância, igualdade de oportunidades de acesso às novas tecnologias, condição indispensável para a coesão social no Brasil.

Há mais! Mas a amostra basta para dar uma idéia do curso das águas claras desse pensamento simplista que constitui o ideário ambicioso da sociedade global da informação.

E o recitativo faz sucesso, como os romances de Paulo Coelho ou os livros de auto-ajuda e outros tantos de apropriação esotérica da física quântica e de outros conhecimentos conquistados pela Ciência.

O Brasil lançou recentemente o seu livro verde contendo esse ideário programático e o elenco de metas e objetivos de sua sociedade da informação. Espera-se que o livro amadureça e que os dados, análises e intenções consubstanciem os avanços preconizados e ali considerados indispensáveis para o país ombrear-se com outros eletronicamente mais desenvolvidos e, assim, não ficar de fora, excluído, a ouvir e a assistir ao concerto das nações só pela sala de vídeo-conferências.

Dados publicados no livro verde mostram o avanço, nunca antes conhecido, de uma tecnologia de informação e comunicação, como o ocorrido com a Internet no espaço de 4 anos, tempo em que atingiu, nos EUA, 50 milhões de pessoas, quando a TV levou 13 anos, o computador pessoal, 16, e o rádio, 38, para atingir esse mesmo número.

No Brasil, embora entre os 12 países mais bem posicionados, apenas 5% da população utiliza os serviços de rede, havendo ainda um grande déficit de meios físicos para acesso à Internet, poucos conteúdos em português (85% deles são em inglês), um número muito pequeno de telecentros para uso público da Internet e metas muito tímidas conquistadas pelos projetos governamentais de informatização das escolas públicas (só 3,3% das 165 mil escolas de ensino fundamental estão conectadas).

Há vários programas implantados e em desenvolvimento para o uso das tecnologias da informação e comunicação em educação a distância, uns mais, outros menos bem sucedidos, mas todos, no geral, aquém do desempenho de público e de resultados almejados.

É o caso da PROINFO e da TV Escola, do MEC, do Telecurso 2000, já melhor consolidado, do bem estruturado programa de pós-graduação da Universidade Federal de Santa Catarina e do ambicioso Unirede envolvendo 61 universidades públicas, além dos programas do Ministério da Cultura (MINC) para interligação das bibliotecas públicas municipais e do grande projeto de informatização do acervo da Biblioteca Nacional, que até agora atingiu cerca de 700 mil registros, para um total de 8,5 milhões de peças.

O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) lançou, no final de 1996, o Prossiga com o intuito de estimular o uso da informação e da comunicação para a pesquisa científica. O programa engloba diversos projetos como bibliotecas virtuais, serviços para pesquisadores de C&T e mercado de trabalho, escola virtual com cursos a distância através da Internet, e os vortais (portais verticalizados) lançados recentemente, entre outros.

O governo oferece aos cidadãos uma série de serviços informatizados que antes requeriam, em geral, longas vias burocráticas de dificuldades variadas e o pagamento de atravessadores para sua facilitação. Hoje, FGTS, PIS/PASEP, Imposto de Renda, Carteira de Trabalho, Título de Eleitor, Previdência Social, Passaporte, Cartão Nacional de Saúde estão, entre outros, disponibilizados via rede eletrônica.

Há, no país, uma grande quantidade de provedores de acesso à Internet e aos seus conteúdos e um sistema bancário altamente informatizado e, sob este aspecto, pioneiro na América Latina e alinhado aos melhores do mundo. A Internet 2, com velocidades de no mínimo 100 MB/s já é uma realidade para o universo acadêmico e de pesquisa, sendo a Academic Network São Paulo, a Rede ANSP, instalada pela FAPESP, uma das mais eficientes e eficazes do sistema, em estreita relação com a Internet 2 dos EUA e próxima cooperação com a National Science Foundation, que a gerencia e administra, naquele país. Essas condições tecnológicas altamente desenvolvidas contribuíram, sem dúvida, para otimizar a capacidade de pesquisa e produção de resultados do Programa Genoma da FAPESP, com o alto desempenho que possibilitaram à Bioinformática, permitindo ainda programas de inegável importância bibliográfica como é o caso do projeto Scielo, também da FAPESP, em parceria com a Bireme.

O presidente Fernando Henrique lançou recentemente o programa Telecomunidade para levar computadores às escolas públicas de ensino médio no país. A meta, segundo o governo, é que, até dezembro de 2002, sejam beneficiados 7 milhões de alunos de 13 mil colégios. Tudo isso é fator de inclusão do Brasil no mundo digitalizado da informação e da comunicação globais, sem falar, é claro, da ampla disseminação dos celulares, hoje utensílio indispensável até mesmo para a organização-organizada-do-crime-organizado, nos presídios e fora deles.

Então, o Brasil está dentro?

Está dentro e fora ao mesmo tempo.

Inclui-se pela modernidade dos programas e pela ambição das metas, além das récitas das ladainhas da pós-modernidade que tão bem decora e reproduz.

É excluído, contudo, quando se fazem as contas dos resultados efetivamente alcançados e do pequeno alcance social que o domínio - efetivo - das tecnologias da informação e comunicação promovem até agora.

Se os dados da ONU estiverem corretos e a previsão de que nos próximos 10 anos será preciso gerar, no mínimo, 1 bilhão de empregos no mundo, e se as tendências apontadas para esse início de século confirmarem que somente 25% da população economicamente ativa será de trabalhadores qualificados e protegidos pela legislação, outros 25% pouco qualificados e desprotegidos, e 50% desempregados ou sub-empregados em trabalhos informais e ocasionais, sem nenhuma proteção legal, se esses cenários se configurarem efetivamente, claro está que o ritmo de crescimento de nossa economia jamais alcançará a velocidade da demanda social e que todo esforço de alinhamento por cima gerará, no fim das contas, muito mais exclusão do que inclusão.

Desafios de que não se pode fugir e que o confronto simbólico Davos/Porto Alegre alegoriza em conflitos culturais, políticos econômicos e sociais.

Não há receita fácil para os problemas criados na esteira da globalização e nem é certo que o fenômeno perdure mais que o tempo de tornar o capitalismo mais forte e mais concentrado, pela agregação de capital, como se diz agora, ou pela sua acumulação, como já se dizia anteriormente.

O fato é que, socialmente, num sentido amplo, os seus benefícios tem sido feitos mais de simulacros do que de distribuição efetiva da riqueza do mundo, esta sim cada vez mais transnacional, livre para circular como capital financeiro, mas ancorada na propriedade exclusiva dos grandes conglomerados que, ao enriquecerem mais e mais, tanto mais empobrecem os estados, os governos, as nações e as populações marginalizadas da Terra.

Que há exclusão social, não paira a mínima dúvida.

O desafio é também entender como ela se dá - que sempre se deu - nesse espaço cada vez menos físico, cada vez menos geográfico da universalidade da máquina, da globalidade da vida, tecida na teia intrincada do fluxo e da circulação da informação.

A vida globalizada é a vida estendida no tempo, mas também no varal do território árido do deslumbramento.

Simultaneidade de ausências!

O homem não só não tem centro, como não está, ao mesmo tempo, em toda parte.

A informação manipulada pode ser a manipulação informada, sob a condição de disponibilizá-la integralmente, sem risco de que seja compreendida efetivamente, isto é, vivenciada na verticalidade da individuação de cada vida como fato único, definitivo e transitório, em sua permanente finitude.

 

 

 

Atualizado em 10/04/2001

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