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Turismo Solidário

por Sérgio Fonsêca Guimarães(*)

Visitei Maués e fiquei fascinado pela beleza e potencial turístico daquele Município do Amazonas. O rio que banha a cidade, o Maués-Açu, transmite uma enorme sensação de tranquilidade e liberdade ao visitante pois mais parece um mar negro com sua extensão a se perder de vista.

Para chegar em Maués optei pela via terrestre e fluvial. Fui de ônibus até Itacoatiara e de lá tomei um barco a jato com capacidade para 70 pessoas que faz conexão com a linha de ônibus. Saí de Manaus às 8 horas da manhã e cheguei em Maués por volta das 5 horas da tarde. O dia estava frio e chuvoso mas a viagem foi tranquila. Apenas poderia ter durado um pouco menos se não fosse um banzeiro que nos deu um susto obrigando-nos a parar ficando à deriva por cerca de 30 minutos bem na confluência do rio Amazonas com o Paraná do Ramos. Era muita água. No local via-se muitos troncos e galhos e, mais ao largo, um belíssimo transatlântico branco com vários andares, muito parecido com o Seven Seas Navigator, navio de turismo americano que havia estado de passagem em Manaus por aqueles dias. No barco que eu estava houve quem comentasse que o banzeiro havia sido provocado pelo navio, no entanto, o tempo chuvoso e o vento forte certamente devem ter colaborado.

Logo que cheguei na cidade me despertou a vontade de conhecer o outro lado do rio onde está situada uma pequena comunidade ribeirinha. Quem está do lado de cá pode vislumbrar do outro lado uma minúscula capela com uma cruz ao alto que identifica a comunidade de Vera Cruz ( = cruz verdadeira). No domingo aluguei uma pequena voadeira e fui acompanhado de seu proprietário que conhecia muito bem a região e as pessoas da comunidade. Durante um dia inteiro em sua companhia tive oportunidade de visitar algumas famílias, conversar sobre a vida comunitária e almoçar peixe frito num restaurante flutuante onde vários comunitários se reuniam, inclusive com a criançada que aproveitava para tomar banho no rio.

Numa das visitas fui convidado pelo chefe da família, um senhor de mais de setenta anos, a entrar na sua residência para conhecer as instalações e os implementos usados no beneficiamento de guaraná. Juntos, tomamos guaraná ralado na hora e vimos fotografias de família, as quais ele fez questão de mostrar com muito orgulho. Não me esquecerei jamais da maneira humilde, mas alegre, cordial e sincera que me receberam. Na saída, ainda fui brindado com alguns tucumãs e dois bastões de guaraná, cujo produto é considerado, por quem conhece, o melhor da região.

Muito se fala no turismo como uma das formas de se promover o desenvolvimento sustentável da região amazônica. Todos nós sabemos que existem vários tipos de turismo e que cada dia surgem novas modalidades mais especializadas, mas nenhuma delas coloca o ser humano como núcleo central da atividade turística.

Atualmente o turismo na Amazônia ainda é muito restrito, sendo praticado apenas em algumas áreas urbanas e não urbanas. Cidades pequenas, vilas e povoados muito raramente são beneficiados como destino ou rota turística. Nas capitais, o turista busca diferentes opções de entretenimento e lazer como praias, balneários e hotéis, teatros, museus, patrimônios históricos, culturais e religiosos, gastronomia, cinemas, boates, shoppings, etc. Infelizmente, se não for bem monitorado pelo poder público, esse tipo de turismo pode trazer consigo muitas mazelas, como a exploração sexual e a prostituição infantil. Já no turismo ecológico, ou ecoturismo, o visitante busca contato com a natureza através da observação de diferentes tipos de ecossistemas terrestres e aquáticos e da inter-relação entre estes e os seres vivos que os habitam. No Amazonas, junto com o ecoturismo, já surgiram outras variantes, como o turismo científico, no qual o turista mais especializado não se contenta apenas em observar paisagens e animais; quer levar consigo material biológico e informações de uso prático sobre a região (veja o exemplo do patenteamento do cupuaçu).

Em todos os casos o turista pensa muito em si próprio, ou seja, no seu conforto e no prazer de satisfazer seus objetivos. É como se fosse uma via de mão única: o turista sempre quer levar algo consigo na sua bagagem, seja material, como um souvenir, ou abstrato, como a lembrança de um desejo concretizado, alguma informação ou conhecimento novo. Essas formas convencionais de turismo pouco ajudam na distribuição da riqueza internamente pois a renda oriunda da atividade se concentra na mão de poucos. Normalmente os maiores ganhos ficam nas grandes empresas de transportes aéreos, marítimos e terrestres, agências de viagens, hotéis, principalmente os de luxo, e restaurantes mais conhecidos. Dificilmente parte desse lucro chega na mão de residentes em municípios ou comunidades mais pobres. O paradigma, apesar de não ser verdadeiro, é de que turismo não combina com pobreza mas, na minha ótica, o que falta é apenas um pouco de criatividade para se promover interação e mão dupla ao turismo.

O Turismo Solidário é um novo ramo da atividade que tem como objetivo aliar o turismo no combate à pobreza. A idéia central é empreender ações governamentais e privadas no sentido de congregar pessoas físicas e jurídicas dispostas a conhecer de perto a realidade de famílias e comunidades que vivem em condições de extrema pobreza no Amazonas para diagnosticar problemas, encontrar soluções e contribuir de forma concreta para aliviar seus efeitos. A proposta inicial é levar os interessados a ter contato com comunidades que vivem no interior do Estado em áreas isoladas e se disponham a receber visitas programadas com o objetivo de colaborar na melhoria da qualidade de vida e no desenvolvimento humano e social comunitário. Os visitantes podem oferecer diferentes tipos de ajuda, conforme suas possibilidades, seja por meio de serviços sociais (ex. orientações sobre o trabalho diário, educação, saúde, higiene, culinária, etc.), ou de doações (ex. alimentação, habitação, vestuário, medicamentos, etc.). Como retorno, os visitantes desfrutam do contato com a natureza e aprendem sobre os costumes e a vida simples da comunidade.

Antes que a viagem espacial ou interplanetária surja como nova modalidade de turismo, na qual o homem sairá da biosfera terrestre em ônibus espaciais por meio de pacotes promocionais em busca de satisfazer suas curiosidades sobre os mistérios do universo, devemos ter consciência da necessidade de se promover o desenvolvimento humano e a diminuição das desigualdades sociais aqui na Terra. Vamos, portanto, implantar o turismo voltado para a cidadania dos que vivem à margem da sociedade aqui no Amazonas.


(*) O autor é Engenheiro de Pesca, mestre em biociência aquática e maricultura pela Universidade de Pesca de Tóquio, Japão, e pesquisador da Coordenação de Pesquisas em Aquicultura do INPA. E-mail: sfg@inpa.gov.br.

 

 

 

Atualizado em 10/05/03

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