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A contribuição de foresight tecnológico na formulação de políticas públicas de CT&I do país

Estudo de caso: MCT - Estudo Prospectar do Brasil

Antônio Luís Aulicino

Isak Kruglianskas

A globalização provocou uma maior competição entre os países que, para continuarem competitivos, procuram aprimoramento contínuo da capacidade em Ciência, Tecnologia & Inovação – CT&I. Para tanto necessitam definir prioridades, formular políticas de CT&I e fornecer os recursos para que a capacitação em CT&I se torne realidade. Uma das ferramentas que contribui para definir prioridades e formular políticas de CT&I é o foresight tecnológico, que é a habilidade para ver o que provavelmente acontecerá no futuro e usar esse conhecimento para elaborar, hoje, um plano.

Nos anos 1950, a Rand Corporation, por meio de seus pesquisadores, desenvolveu a técnica Delphi com o objetivo de obter informações sobre o futuro. Nessa época, era usado o forecast tecnológico (previsões do futuro tecnológico), que é uma ferramenta de administração indispensável na elaboração de previsão e que, diferentemente do foresight, observa o futuro apenas a curto prazo.

A associação ao processo de previsão antecipatória do tipo forecast fez com que, em alguns momentos, os trabalhos de foresight perdessem reputação nos círculos de planejamento. Nos últimos trinta anos muitos trabalhos de estratégia e planejamento de políticas foram conduzidos de forma estruturada, sem explicitar o nome foresight. Isto porque, em alguns domínios, tais como certos setores de negócios, militares, governamentais e outros, o uso de técnicas prospectivas estruturadas tornou-se parte da rotina da caixa de ferramentas de planejamento.

Antes de definir foresight, Ben Martin explica as quatro principais forças motrizes de mudança na economia global nas últimas décadas, que influenciam a economia de qualquer país e que podem ser resumidas nos 4 Cs: aumento da Competitividade; aumento de Constrangimentos (restrições) nos gastos públicos; aumento da Complexidade; e aumento da importância da Competência científica e tecnológica.

Dessa forma, define-se foresight como o processo que tenta, sistematicamente, olhar o futuro no longo prazo para a ciência, a tecnologia, a economia, o meio ambiente e a sociedade, com o objetivo de identificar as tecnologias genéricas emergentes e as áreas de pesquisas estratégicas com o potencial de produzir os maiores benefícios econômicos e sociais. Essa definição procura identificar tecnologias e áreas de pesquisas estratégicas por meio do processo sistemático, que é diferente de prever o futuro.

Além dos estudos foresight atenderem aos aspectos de sua definição, é importante que a estrutura institucional para elaboração do processo da atividade foresight esteja ligada diretamente ao tomador de decisão, seja no plano nacional ou regional, com o objetivo de apoiar as definições de prioridades e de auxiliar na formulação de políticas.

Tomando como exemplos os países desenvolvidos, nota-se que, em algumas estruturas, o órgão que define as prioridades e formula as políticas de ciência e tecnologia está ligado diretamente ao governante do país ou a um ministério, cujo diretor é o próprio ministro. Essa estrutura demonstra a importância que o governante, como tomador de decisões do país, dá para as definições de prioridades e para a formulação de políticas de ciência e tecnologia apoiadas nas atividades de foresight tecnológico.

A elaboração de foresight tecnológico depende da composição dos objetivos fixados pelo órgão promotor e das restrições (orçamento do governo, tempo e outras). Em razão dessa forte interdependência dos objetivos e restrições, a principal discussão recai sobre as escolhas metodológicas que atendem melhor os diferentes tipos de objetivos. Essas escolhas metodológicas dependem da comissão responsável pela atividade foresight, que procura combinar as técnicas nos exercícios nacionais e regionais. Na tabela abaixo os critérios e alguns dos principais métodos e técnicas.

Os países que se destacam nos estudos foresight tecnológicos são: Japão, que há mais de 30 anos elabora esses exercícios. Os benefícios extraídos podem ser resumidos nos 5 Cs: Comunicação, Concentração no longo prazo, Coordenação em rede – network, Consenso e Compromisso com a implementação dos resultados; Estados Unidos, que fazem exercícios desde os anos 1950; Alemanha, que começou após 1990 e utilizou os tópicos do Delphi do Japão; França, faz desde os anos 1970 e, em 1994, repetiu o Delphi survey alemão de 1993, traduzindo diretamente do japonês; e Inglaterra, cujo principal exercício foi em 1993. Outros países que se destacam são: República da Coréia, Holanda, Itália e Finlândia.

Foresight no Brasil

No Brasil, a evolução da coordenação da política de C&T ocorreu a partir de 1974, quando o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) assumiu a missão do desenvolvimento tecnológico e científico do país e contou com o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) para acompanhar o Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT), elaborado em 1973, que representou o primeiro grande esforço de planejamento do desenvolvimento científico e tecnológico.

As agências e organizações científicas brasileiras sugeriram a elevação do status do CCT e do órgão que o abrigava, o CNPq. Entre 1974 e 1985 existiam duas linhas de argumentos para elevar o status do CCT: 1) a da corrente mais acadêmica, insatisfeita com o baixo percentual de financiamento para a C&T, que queria um conselho forte para garantir maior apoio ao trabalho científico; e 2) a da corrente mais executiva e empresarial, que compreendia a importância do apoio à ciência, mas estava convencida de que isto não era tudo, o CCT, além da política de C&T stricto sensu, deveria discutir a inserção de C&T no desenvolvimento do país. Apesar das avaliações conflitantes sobre o papel do CCT, todos concordam que houve esforço, nos últimos anos, da comunidade científica, dos institutos e dos órgãos de fomento para elevar a discussão de C&T para o nível do presidente da República, de certa forma influenciados pelos exemplos internacionais, o que culminou, em 1996, no fortalecimento do CCT com a participação do presidente da República.

Em 2000, o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) transferiu para sua estrutura o que restava de planejamento no CNPq e ajustou sua relação com o órgão. Em 2001 criou o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) para dar suporte à formulação de políticas públicas, por meio de estudos e atividades de foresight, medida aprovada na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

A proposta de elaborar os estudos do foresight para planejar a política nacional de CT&I, no Brasil, foi discutida no CCT, no ano de 1997. Durante quase dois anos formaram-se cerca de quatorze grupos interessados, alguns acoplados a instituições internacionais. Na fase final do julgamento de mérito foram escolhidas quatro propostas mas, em razão de que os resultados foram contestados, e com a demora, a fonte de financiamento foi extinta e o processo foi cancelado pelo MCT, em 2000.

Nesse mesmo ano, em setembro, o MCT propôs a elaboração do Estudo Prospectar, um processo completo. O MCT-Estudo Prospectar na sua elaboração teve cinco etapas: a 1a etapa começou com a organização de Seminário Internacional, do qual participaram Alemanha, Austrália, República da Coréia, França, Japão e Institute for Prospective Technological Studies – IPTS, subordinado ao Joint Research Center – JRC da European Commission; a 2a diz respeito à definição e coordenação do estudo; a 3a preocupou-se com a construção e execução do estudo, que favoreceu a atitude de 'aprender fazendo', sem orçamento prévio. As Instituições Âncoras (I.A.) coordenaram e elaboraram os relatórios dos temas. O questionário Delphi teve 3 rodadas, com a participação de milhares de pessoas por meio da internet. Foram escolhidos oito temas com importância econômica e social, relacionados aos Fundos Setoriais.

Temas

Instituições Âncoras – I.A.

Aeronáutica

CTA

Agropecuária

EMPRAPA

Energia

CENPES, CEPEL e CNEN

Espaço

AEB, INPE e CTA

Materiais

INT, CETEM, INPE e ITI

Recursos Hídricos

CPRM e ANA

Saúde

INCOR e FIOCRUZ

Telecomunicações e Tecnologia da Informação

CPqD, CenPRA e SOCINFO

A 4a etapa teve a organização de painéis realizados após a terceira rodada Delphi pelas Instituições Âncoras. Foram feitas: estatística descritiva, proposta de cluster e utilizou-se a metodologia multicritério – Electra III; e a 5a etapa realizou o relatório final para cada tema, com apresentação por subtemas, para as quais foram elaboradas tabelas contendo o número de respondentes, os indicadores de horizonte de realização, relevância, disponibilidade e cooperação internacional.

O estudo, no Brasil, teve o mérito de mobilizar parte da comunidade científica e tecnológica brasileira; divulgar os procedimentos do foresight tecnológico em todos os estados; adaptar, construir e executar metodologias de foresight desde a técnica Delphi ao multicritério, com workshops, painéis de especialistas e a seleção de tecnologias; e, finalmente, gerar orientações políticas e instalar as bases mínimas para o trabalho contínuo de foresight.

Os problemas identificados no Estudo Prospectar, no Brasil, foram: a falta de estrutura da institucionalização, em razão da fragilidade política e estrutural do CCT; primeira rodada Delphi estava comprometida com o prazo da publicação do Livro Verde e do Livro Branco, o que tornou o prazo curto e prejudicou a imagem do projeto diante de muitos participantes; a desinformação, o desinteresse e a desconfiança na primeira rodada do Delphi por parte dos participantes; não foram cobertos os temas mais relevantes, em razão do caráter experimental do estudo, que priorizou os temas ligados aos Fundos Setoriais. Houve também o temor da abrangência do estudo ser nacional em razão da dimensão territorial do país com as diversas culturas e crenças; falta de orçamento específico; baixa divulgação do estudo e baixa participação empresarial; desconhecimento conceitual de foresight tecnológico; e nem todas informações do Prospectar foram aproveitadas devido ao grande volume, a falta de tempo para processá-las e para concluir os exercícios estatísticos.

Ao analisar o MCT-Estudo Prospectar e compará-lo aos aspectos importantes a partir da definição de foresight, pode-se identificar o seguinte: foi elaborado por meio de processo mas, não houve equilíbrio na participação dos stakeholders; nos documentos não se verifica perspectiva de sistematização do processo, talvez pelo seu caráter experimental e uma iniciativa pontual; preocupou-se com o longo prazo, um horizonte médio de 10 anos; os relatórios são pobres no que se refere a demanda para a economia e a sociedade como oportunidades C&T, devido à baixa representação industrial e grupos consumidores; as tecnologias emergentes podem tornar o país competitivo em alguns setores, essa preocupação deve ser considerada nos próximos estudos e os reflexos socioambientais, que não foram considerados em razão do prazo curto e pelo caráter experimental. Ressaltando que o tema “Agropecuária” apresentou, explicitamente, o subtema 'conservação de alimentos'; e, finalmente, o Estudo procurou considerar prováveis benefícios sociais ao incorporar no Índice de Relevância o índice de melhoria da qualidade de vida da população. Mas não considerou o impacto na indústria e na economia, talvez a falta de tempo não tenha permitido o processamento das informações do banco de dados.

Por último, deve ser mencionados três pontos importantes dentro do estudo MCT-Estudo Prospectar: primeiro, o Governo deve continuar a liderar o processo de forma mais decisiva e pragmática; segundo, os diversos takeholders devem sentir-se co-participantes desse processo, integrando-se ao mesmo, estando motivados e comprometidos com o desenvolvimento científico e tecnológico do país e, por fim, os estudos de foresight tecnológico devem ser sistematizados a fim de melhor compor as informações do banco de dados.

Antônio Luís Aulicino é doutorando em Administração e Isak Kruglianskas é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.

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Atualizado em 10/11/2004

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