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http://www.comciencia.br/reportagens/2005/08/10.shtml

Autor: Waldir Mantovani
Data de publicação: 10/08/2005

Degradação de biomas brasileiros

Waldir Mantovani

A exploração de recursos naturais e a ocupação do território brasileiro têm uma longa história de alterações relevantes e da degradação de áreas naturais. É resultado, entre outros fatores, da ausência de uma cultura de ocupação de seus espaços que respeitasse as características dos seus diversos biomas, da apropriação dos bens da natureza por grupos restritos de pessoas ou instituições, sendo seus benefícios distribuídos de forma desigual entre os componentes da sociedade, e da desconsideração, por parte dos projetos institucionais e de diversos empreendimentos, das alterações do meio ambiente em seus custos, em geral restando à sociedade os prejuízos causados.

Essas alterações em nossos biomas são mais evidentes a partir das atividades agrícolas das numerosas tribos indígenas que ocupavam principalmente a faixa litorânea de nosso país, e que dominavam a técnica da agricultura de corte e queima, e é ampliada na colonização pelos portugueses, a partir do século XVI, inicialmente com os ciclos do pau-brasil, uma espécie de árvore da floresta pluvial tropical atlântica, e da cana-de-açúcar em extensas áreas das zonas litorâneas, mormente no Nordeste e, após, com a busca de minérios preciosos e posterior estabelecimento de áreas de garimpos em várias regiões do território brasileiro.

Atividades de agricultura e de garimpo exigiam mão-de-obra não disponível entre os colonizadores, o que estimulou entradas de tropas organizadas ao interior de nosso continente até a região amazônica, na busca de mão-de-obra indígena e de plantas aromáticas, medicinais e alimentícias.

A mão-de-obra indígena foi posteriormente substituída pela mão-de-obra escrava trazida da África, ainda no século XVI, aumentando as populações nas vilas e cidades, o que exigiu uma maior produção de alimentos e incentivou a importação de animais, como cavalos e gado bovino, que ocuparam áreas interiores de pastos naturais, no cerrado e nos campos sulinos, principalmente no Nordeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil. As moendas de cana-de-açúcar ainda exigiam grande quantidade de lenha, o que era obtido das florestas.

O século XIX é marcado pela exploração de recursos naturais, como a borracha na Amazônia, pela exploração de madeira de elevado valor econômico, nas diversas florestas brasileiras, e pelas implantações das culturas do café, em áreas dos domínios das florestas pluvial atlântica e estacional semidecídua, principalmente no Sudeste e Sul do Brasil, do fumo, em áreas da floresta com araucária, no Sul, e da caatinga, no Nordeste, e do algodão, em áreas da caatinga, no Nordeste. Agrava a conservação de áreas desses biomas o caráter itinerante que essas culturas tiveram, sempre ocupando novas áreas, com solos não desgastados.

Um importante fluxo imigratório deu-se nas épocas das primeira e segunda guerras mundiais e acentuou-se durante a expansão da cafeicultura, principalmente no final do século XIX, fazendo com que muitos europeus se estabelecessem nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, aumentando as populações humanas nessas regiões e a demanda por moradia, alimentação e diversos outros recursos da natureza.

No século XX houve novamente uma expansão das culturas de cana-de-açúcar e de algodão, principalmente no Sul e Sudeste, e um estímulo às culturas de citros, no sudeste, de chá, no sul e sudeste, e da soja, desde o Sul, pelo Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, sob o impulso da industrialização nacional ocorrida no terço final deste século, com grande impacto em áreas dos domínios da floresta com araucária, estacional semidecídua e do cerrado.

O crescimento das atividades pecuárias no século XX levou à ocupação de extensas áreas nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte do país, em detrimento de áreas naturais dos campos sulinos, do cerrado e das florestas com araucária, estacional semidecídua e pluvial amazônica. Esta expansão foi realizada com o estabelecimento de pastos baseados em espécies de gramíneas exóticas, em geral africanas, muitas das quais se transformaram em competidoras com as espécies nativas de diversos biomas, por um processo que se denomina de invasão biológica.

Na década de 70 as áreas do domínio do cerrado foram designadas prioritárias para a expansão de uma nova fronteira agrícola, a ser ocupada por diversas atividades agropecuárias, sem que houvesse um planejamento à sua conservação.

Nosso país é extremamente rico em diversos minerais, em grande parte ainda exportados em sua forma bruta, cuja extração representa das mais importantes fontes de problemas ambientais, localmente levando a modificações no ambiente e, em escala maior, exigindo soluções ao seu escoamento.

Por sua história de ocupação, as grandes cidades brasileiras estão preponderantemente situadas no litoral brasileiro ou nos planaltos sob clima temperado quente e úmido, influenciando diretamente a conservação de áreas das florestas pluviais atlântica, com araucária e sobre as planícies litorâneas.

A maioria da população brasileira está concentrada em áreas urbanas que raramente foram adequadamente planejadas, de forma que a maior parte dos municípios não possui sistemas de coleta e de tratamento de esgotos e do lixo, interferindo na qualidade das águas interiores e continentais. Um fator de agravamento do crescimento não controlado das grandes cidades no sudeste deveu-se aos vários fluxos de migração, principalmente do nordeste, que acompanharam o crescimento urbano e industrial desta região.

As águas interiores e continentais brasileiras são diretamente afetadas pelo conjunto de atividades anteriormente citadas, seja pelo lançamento de dejetos e produtos químicos oriundos das aglomerações urbanas, de origem doméstica ou industrial, ou das atividades agropecuárias, incluindo a erosão de solos e a contaminação de águas por produtos químicos, além da super exploração de alguns recursos naturais, como várias espécies de peixes, e a alteração da velocidade e das características físicas e químicas das águas, nas barragens para fins da geração de energia e abastecimento.

A industrialização e a opção pelo transporte individual, na maioria das cidades, também geraram, desde o final do século XX, problemas de poluição atmosférica, com conseqüências importantes à saúde humana.

A expansão da malha de rodovias e da rede ferroviária permitiu o acesso a diversas regiões do território brasileiro ainda conservadas, e estimulou a produção agropecuária e o crescimento populacional, preponderando a migração.

Principalmente a partir da década de 70, mas emergindo de forma acentuada na de 80, os problemas ambientais começaram a ganhar um grande espaço nas discussões feitas em nossa sociedade, sempre relacionadas à conservação biológica e dos recursos naturais e à qualidade de vida humana, amparadas por uma legislação bastante evoluída.

Para todos os biomas brasileiros, um dos fatores mais relevantes à degradação é o crescimento populacional, em geral associado à ausência de planejamento para o uso de espaços e recursos disponíveis de forma sustentada, como é genericamente denominado o uso que não leve ao esgotamento dos recursos naturais. Uma das conseqüências do aumento populacional é a ampliação de áreas para a atividade agropecuária, com devastação de áreas da vegetação natural, que pode ter ampliado seu efeito à degradação com o uso de tecnologia avançada, além dos aumentos de áreas urbanas e da demanda por serviços e recursos naturais. Os efeitos do crescimento populacional podem ser multiplicados por processos de migração, impactando ainda mais certas regiões.

Há diversos biomas mantidos em Unidades de Conservação restritivas com áreas insuficientes para representar toda a heterogeneidade que contêm. As Unidades de Conservação com uso indireto, gerenciadas pela União ou pelos estados, somam 19.625.376ha, enquanto as de uso direto, menos restritivas, 140.881.814ha, e as reservas de recursos 51.045ha. A contribuição dos municípios é muito pequena.

Entre os biomas terrestres há problemas comuns que podem levar à degradação, ressaltando-se a sua substituição por culturas monoespecíficas ou pecuária, com a diminuição da diversidade biológica e, como conseqüência, a do uso potencial de recursos contidos nas espécies. Em geral essas atividades acarretam aumento de processos erosivos, agravados pela existência de solos arenosos, topografia acidentada e precipitações elevadas, além de promoverem a destruição de hábitats. Na substituição dos biomas por outros sistemas, agrícolas ou urbanos, são perdidas, também, importantes funções de equilíbrio que os biomas exercem no ambiente, seja na proteção do solo, na manuteção dos ciclos hidrológicos, no tamponamento dos efeitos dos fatores físicos do ambiente sobre a superfície da terra, seja a radiação solar, a temperatura, a precipitação e a ação de ventos. Também podem ser perdidos valores estéticos, quando paisagens naturais, em geral heterogêneas, são substituídas por paisagens antropizadas, geralmente homogêneas.

Os recursos que representam ou que estão contidos em muitas espécies de plantas e de animais têm características restritivas à exploração, que podem ser generalizados para os diversos biomas, terrestres, aquáticos ou de transição. Quanto mais rico e diverso for o bioma, mais difícil a exploração do recurso, dado o pequeno número de organismos apresentados por uma população. Isto é relevado pelo fato de todos os biomas apresentados possuirem variações regionais e locais de estrutura e de composição florística e faunística, que aumentam a diversidade biológica que contêm.

Em relação às espécies de animais, o maior problema relacionado com a extração, caça ou pesca, bem como com a extração seletiva de plantas, é a diminuição excessiva de organismos nas populações, o que pode acarretar a extinção local ou, dependendo da extensão e da intensidade de exploração, em grande escala, com conseqüências nas cadeias ou teias tróficas das quais participam as espécies exploradas.

Principalmente devido à perda de hábitat, mas também por causa da caça para diversos fins, dentre as espécies de animais em perigo de extinção ressaltam-se aqueles do topo da cadeia alimentar, como a onça-parda ou sussuarana, a onça pintada, os gatos-do-mato, como a jaguatirica e os gatos-maracajás, os cachorros-do-mato, o lobo-guará, os gaviões e os falcões, que necessitam de territórios muito amplos para caça e reprodução, os jacarés, a lontra, as doninhas, as ariranhas, as sucuris, as surucucus, os grandes mamíferos, como a anta, os cervos, os veados, os tamanduás, os tatus, as preguiças, as baleias, botos, golfinhos e peixes-boi, os primatas: micos, sagüis, guaribas, bugios, uacaris, sauás e diversos macacos, os peixes consumidos por sua carne, como o pirarucu e o tambaqui e diversas outras espécies sob sobrepesca, assim como as tartarugas, o jaboti, os cágados e o tracajá, e lagartos, algumas aves são caçadas para consumo, como o inambu, o jaó, o macuco, o mutum, o jacu, os patos, as pombas, as rolinhas, enquanto outras são ornamentais, como os periquitos, os papagaios, as arararas, os galos-da-serra e as saíras, ou canoras, como os sabiás, o canário-da-terra, o bicudo, o pitassilgo, o pássaro-preto, o curió e as coleirinhas, entre outras.

Afora a grande quantidade de espécies conhecidas que são extintas localmente, ressaltam-se as extinções de espécies pouco conhecidas ou ainda não descritas pela ciência, como as de algas, fungos, briófitas, pteridófitas, insetos, escorpiões, aracnídeos, miriápodes, anfíbios e outros grupos de plantas e de animais, notadamente de pequeno porte.

A fragmentação de hábitats naturais acarreta a diminuição do tamanho de várias populações, de plantas e de animais, seja pela diminuição das áreas ou pela competição pelos recursos remanescentes, tornando-as muitas vezes inviáveis, impedindo a circulação de animais de diversas espécies, com o estabelecimento de áreas de agricultura, áreas urbanas, estradas ou outros obstáculos, intransponíveis, além do estabelecimento de efeitos de borda, como mudanças microclimáticas e da luminosaidade, que facilitam a invasão biológica e o perigo de incêndios e de outros fatores de perturbação.

Os tipos de usos mais comuns em relação às plantas referem-se à produção de alimentos na forma de frutos, sementes ou palmitos, de condimentos, aromatizantes e corantes, de uso têxtil, produtoras de cortiça, taníferas, com elevados teores nas cascas ou nos troncos, com exsudatos no tronco, como resinas, gomas, bálsamo, produtoras de óleos e gorduras, medicinais, ornamentais para jardinagem, empregadas no artesanato, plantas apícolas e aparentadas de plantas cultivadas, como no caso do cajú, da mandioca, do abacaxi, da ata, da pinha, do cará, do caqui, da goiaba, do maracujá, do amendoim e do guaraná, entre outras.

A introdução de espécies de plantas e de animais no território brasileiro tem elevado o problema das invasões biológicas passíveis de ocorrerem nos diversos biomas, o que tem acarretado a diminuição da diversidade biológica, quando são competidores mais fortes, ou representam pragas ou agentes de doenças. Alterações em áreas naturais têm levado à transformação de espécies sob equilíbrio em pragas ou patógenos, agentes de doenças diversas.

Para todos os biomas, um dos problemas mais relevantes refere-se ao aumento da população humana, principalmente concentrada em grandes núcleos urbanos, devido a geração de lixo, a impermeabilização do solo, a necessidade de aumento da produção agrícola, a geração de esgoto, não tratado, o aumento na demanda de água para fins domésticos, industriais, de serviços, de lazer e para a produção de alimentos, seja pescado ou para uso na agricultura.

A maioria dos municípios brasileiros não possui rede coletora de esgoto (Norte, 92%, Centro-Oeste, 87%, Nordeste 74%, Sul, 61% e Sudeste, 9%), o que é agravado pelo fato de a grande maioria dos municípios, independente da região, não promover o tratamento deste esgoto (98% no Norte, 96% no Nordeste e no Centro-Oeste, 93% no Sul e 85% no Sudeste). Também o lixo não recebe tratamento adequado, sendo a grande maioria depositada em vazadouros a céu aberto, sendo importante fator de degradação de biomas, notadamente aquáticos.

Os biomas localizados ao longo do litoral, terrestres, de interfaces ou aquáticos, estão mais sujeitos à degradação proveniente de grandes aglomerados humanos, já que a maioria da população brasileira está concentrada nessa região.


Waldir Mantovani
é Professor Titular do Depto de Ecologia IB - USP.

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Atualizado em 10/08/2005

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