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A certificação como garantia de segurança alimentar

Daniela Mariuzzo

Questões como segurança alimentar, preservação ambiental e responsabilidade social vêm adquirindo importância crescente em todas as atividades realizadas pelo homem. No setor agropecuário, nota-se a crescente cobrança dos órgãos públicos, ONG’s, consumidores e da própria sociedade para que as propriedades rurais e os processadores de alimentos desenvolvam atividades ambientalmente corretas e forneçam produtos seguros para o consumo em diferentes mercados mundiais.

As barreiras não-tarifárias impostas pelos países importadores, têm forçado os países produtores a adequarem-se às rígidas normas fitossanitárias e a limites máximos de contaminação dos produtos vegetais e animais por agrotóxicos e outros químicos, sendo que cada vez mais os países produtores têm que provar que atendem a tais normas e requisitos através de certificações.

Outro aspecto que passa a ser considerado quando se fala em negócio agropecuário é a visão de cadeia produtiva que pressupõe que as empresas não podem mais atuar sozinhas, devendo considerar a competitividade de seus fornecedores, compradores e de todos os agentes participantes do encadeamento de atividades, como forma de sustentar a sua própria competitividade e manter um posicionamento sustentável. Começa a surgir a cooperação entre os mais diversos integrantes da cadeia, que atuam de forma coordenada e competem com outras cadeias, como se fossem uma única empresa, estabelecendo estratégias e distribuindo as vantagens conquistadas por todos os integrantes do sistema.

Esse cenário apresenta novos desafios às organizações envolvidas na Cadeia Produtiva de Alimentos, pois essas deverão, de forma integrada, fazer uso mais eficiente dos seus insumos, desenvolver processos e produtos mais limpos, gerenciar os recursos naturais e humanos de forma mais responsável e garantir a segurança alimentar do produto final, práticas que se tornam viáveis a partir da aplicação dos requisitos de normas e padrões nacionais e internacionais e da certificação.

O conceito de certificação envolve os principais atores conforme pode ser visto na figura abaixo:

Na extremidade da cadeia produtiva está o consumidor final que, dependendo do mercado consumidor em que se encontra, terá diferentes níveis de exigência quanto à qualidade do produto que irá consumir. Um consumidor brasileiro, quando vai ao supermercado ou a uma feira livre comprar um alimento, enxerga como atributos de qualidade primeiramente a aparência, cor e aspecto geral do alimento. Em seguida, na sua decisão de compra, o fator que será restritivo é o preço do produto. Se for acessível ao seu poder de compra, o consumidor leva o produto e o consome, dando-se por satisfeito se o sabor, textura, maciez e palatabilidade do alimento estiverem agradáveis e compatíveis com o preço pago.

Quando o alimento é destinado à exportação, o consumidor final é, em geral, uma pessoa com diferenciado conceito de qualidade e enxerga como atributos de qualidade do produto não apenas sabor e aparência (o que considera atributos básicos para aquele produto encontrar-se na gôndola do supermercado), como também que o alimento traga em si a garantia de segurança alimentar, ou seja, a garantia de que não oferecerá risco à sua saúde e à saúde de seus familiares. Consumidores europeus mais conscientes, também consideram atributo de qualidade de um alimento, a sua origem quanto à área e forma em que foi cultivado (“para eu comer esta fruta, quantos hectares de floresta amazônica foram derrubados?”) ou ainda a questão social, quando leva em consideração se o alimento foi obtido através de trabalho infantil ou escravo.

Do outro lado da cadeia produtiva de alimentos, encontra-se o produtor rural, os processadores de alimentos, os atravessadores, os atacadistas e os varejistas. Estes, por questões estratégicas para os seus negócios, devem optar, entre vários disponíveis, pelo tipo de garantia que oferecerão aos seus consumidores finais. Quando um produtor rural opta por fornecer seus produtos para o mercado consumidor externo, ele está optando também por seguir algumas regras estabelecidas nos mercados compradores, sendo que, sem atender a tais regras, dificilmente seu produto será competitivo nesses mercados. Hoje, a regra número um para a exportação dos alimentos é a Garantia da Segurança Alimentar. Para um alimento in natura ser colocado à disposição para consumo por um comprador europeu, este alimento deve ter características que garantam sua origem, tenham capacidade de ser rastreados, informações sobre o seu processo de manipulação, seu transporte e sua preservação até a compra final.

Podemos imaginar como um supermercado inglês, que possui como diferencial competitivo a garantia de segurança alimentar de seus produtos, encontra-se em situação muito delicada quando um consumidor fidelizado, leva uma fruta para casa e seu filho come essa fruta, tem uma indisposição e vai parar em um hospital. No hospital é constatado que a causa da indisposição foi a contaminação por uma bactéria, possivelmente proveniente da casca de uma fruta. Imediatamente, amostras da fruta consumida são recolhidas, são feitos testes para identificação das bactérias presentes na fruta e finalmente chega-se à conclusão de que o alimento contaminado causou a indisposição do garoto. O supermercado imediatamente é acionado, todos os lotes daquela fruta são suspensos, destruídos, ou incinerados, e o consumidor irá receber uma farta indenização pelos danos causados. Cenas como essa estavam tornando-se muito comuns nas grandes cadeias de supermercados europeus e norte-americanos, e esse foi o principal fator que alavancou a busca por alimentos com Garantia de Segurança Alimentar, uma vez que o supermercado ou varejista acredita que a responsabilidade pela inocuidade do alimento deva ser da cadeia produtiva toda, desde a sua origem, no país em que foi produzido.

Resta-nos a pergunta: como um produtor de limão no interior do estado de São Paulo, ou um produtor de melão na região de Mossoró, RN, pode garantir aos seus compradores que estão na Europa, que o produto que ele está oferecendo aos supermercados é inócuo à saúde dos seus consumidores? Por acaso esse produtor rural deveria pegar um avião e levar o seu limão até o supermercado comprador e dizer ao gerente de compras: - “Olha, eu garanto que meu limão é limpo, não tem defensivos acima dos limites permitidos, foi manipulado por pessoas que tinham as mãos limpas....” Por razões óbvias, essa prática seria completamente inviável.

Com isso, surge outro ator nessa cadeia produtiva de alimentos: as entidades normalizadoras. As entidades normalizadoras podem ser governamentais ou não, estão situadas em vários países, tais como a ABNT, o INMETRO, a ISO, o EUREP e o BRC. Seu objetivo principal é criar normas que deverão ser seguidas pelos produtores de alimentos, de forma que se reduza ao menor risco possível a capacidade do alimento tornar-se perigoso ao consumidor final. Tais normas são criadas de acordo com os interesses mercadológicos e através de reuniões com vários integrantes da cadeia produtiva de alimentos, bem como com representantes de órgãos do governo e dos próprios consumidores. As normas recebem nomes diferenciados e podem ser obtidas gratuitamente através da internet ou compradas. As principais normas que têm afetado o setor produtivo de alimentos in natura para exportação no Brasil são o Protocolo EUREPGAP, o sistema APPCC, o GMP e a norma BRC, que serão discutidas a seguir. Já no mercado brasileiro, existe todo o aparato de normas e legislações criados pela vigilância sanitária para manipulação e industrialização de alimentos, que são exigidas pelas grandes redes de supermercados, bem como as normas PIF (Produção Integrada de Frutas) e a Sapi (Sistema Agrícola de Produção Integrada) que objetivam a produção de alimentos seguros no campo, que foram desenvolvidas pelo Ministério da Agricultura, pecuária e Abastecimento (Mapa).

E então, onde entra a certificação ou qual é o papel das certificadoras nesse cenário? O comprador inglês solicita ao produtor de caqui brasileiro que esse faça a adequação de seu processo produtivo no campo, seguindo os requisitos do protocolo EUREPGAP. Estipula um prazo de seis meses para que o processo produtivo esteja dentro dos requisitos esperados, caso contrário a compra poderá ser suspensa. O produtor pode fazer a adequação de seu processo produtivo por conta própria, ou pode chamar uma empresa de consultoria para realizar o trabalho para ele. Normalmente os produtores, por estarem sempre focados no cultivo, contratam uma empresa de consultoria que irá implementar os requisitos da norma, dentro do prazo estipulado pelo comprador europeu. Com o processo todo adequado, entra em cena a empresa certificadora. As empresas certificadoras têm a função única e exclusiva de auditar o processo produtivo e verificar se os requisitos da norma estão sendo atendidos, ou seja, se estão em conformidade com o estabelecido na norma. Se estiverem conformes, o produtor é recomendado para a certificação e dentro do prazo de um mês receberá o selo ou certificado, que garante que os requisitos da norma foram atendidos. Se houverem itens não-conformes, o produtor terá um período para fazer a readequação e então receber nova visita de auditoria. As empresas certificadoras são em sua grande maioria multinacionais que atuam em todo o mundo. Existem também empresas certificadoras nacionais. O grande entendimento que se deve ter, é que o papel da certificadora é garantir através de seu nome e credibilidade no mercado, que o produtor/processador de alimentos está seguindo as normas de segurança alimentar solicitados por seus compradores. Uma empresa certificadora nunca deve fazer o papel de uma consultoria e vice-versa.

Protocolos internacionais de garantia de segurança alimentar

EUREPGAP

O EUREP (Euro-Retailer Produce Working Group), um grupo formado por atacadistas e varejistas europeus, desenvolveu em conjunto com outros membros da cadeia produtiva de alimentos o protocolo EUREPGAP, com o objetivo de reconhecer os progressos significantes já realizados por muitos produtores, cooperativas, organizações de produtores, redes locais e internacionais em desenvolver e implementar sistemas agrícolas levando em consideração as boas práticas, com o objetivo de minimizar os impactos adversos ao meio ambiente e a proteção ao trabalhador.

O protocolo EUREPGAP estabelece uma estrutura de Boas Práticas na Agricultura (em inglês, GAP, de Good Agricultural Practices) em propriedades rurais, e define elementos essenciais para o desenvolvimento das boas práticas para a produção global de produtos horti-fruti (frutas, vegetais, bulbos, saladas, flores e mudas). Ele define os padrões mínimos aceitáveis para as lideranças do negócio varejista na Europa, no entanto, padrões para distribuidores individuais e aqueles adotados por alguns produtores podem exceder os estabelecidos pelo protocolo.

O EUREPGAP é uma forma de incorporar as práticas do Manejo Integrado de Pragas (MIP) e da Produção Integrada de Culturas (PIC) na rede comercial de produção agrícola. A adoção do MIP/PIC é considerada pelos membros do EUREP como essencial para a implantação da agricultura sustentável. O EUREP suporta os princípios e encoraja o uso do sistema APPCC (Análise de Perigos e dos Pontos Críticos de Controle) no processo produtivo.

Escopo do protocolo EUREPGAP - Os itens avaliados no protocolo EUREPGAP são os seguintes:

1. Rastreabilidade
2. Manutenção de registros e auditorias internas
3. Estoques de sementes, mudas e variedades
4. Histórico e gerenciamento do local
5. Gerenciamento do solo e dos substratos
6. Uso de fertilizantes
7. Irrigação
8. Proteção do cultivo
9. Colheita
10. Tratamento pós-colheita
11. Gestão de resíduos e poluição, reciclagem e reuso
12. Saúde do trabalhador, segurança e bem estar
13. Questões ambientais
14. Atendimento aos clientes/reclamações

Benefícios do protocolo EUREPGAP - Uma vez obtida a certificação EUREPGAP, o produtor é capaz de demonstrar:

- Respeito às legislações nacional e internacional.
- Manutenção da confiança do consumidor na qualidade e segurança do alimento.
- Minimização dos impactos negativos no meio ambiente, conservando a natureza e a vida selvagem.
- Redução do uso de agrotóxicos.
- Aumento da eficiência do uso de recursos naturais.
- Responsabilidade com a saúde e segurança do trabalhador.
- Adequação das instalações (galpões, packing houses, etc).
- Treinamento e capacitação de todos os funcionários e demais envolvidos no processo produtivo (implementação de sistema APPCC e de boas práticas agrícolas e de fabricação)
- Criação de documentos de controle das etapas do processo produtivo, com objetivo de proporcionar a segurança alimentar do produto final e sua rastreabilidade.

BRC Global Standart – Food (BRC GSF)

Com a entrada em vigor do Food Safety Act 1990 (FSA) no Reino Unido, os varejistas, bem como os demais envolvidos na cadeia de suprimento de alimentos, passaram a tomar todas as precauções para evitarem falhas, seja no desenvolvimento, manufatura, distribuição, propaganda ou na venda de gêneros alimentícios aos consumidores. Com isso, criou-se a necessidade de inspeções da performance técnica em instalações de produção de alimentos, sendo que por muitos anos essas inspeções foram desenvolvidas pelos varejistas, separadamente, utilizando critérios individuais e padrões próprios. Em 1998, o British Retail Consortium, uma associação de varejistas britânicos, desenvolveu e introduziu seu protocolo técnico com padrões para as empresas que abasteciam o varejo com gêneros alimentícios.

Exigências do protocolo BRC GSF - Para se atender às exigências do protocolo BRC GSF deve-se:

- Adotar e implementar um plano APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle);
- Adotar um sistema de gerenciamento da qualidade efetivo (funcionando) e documentado, por exemplo ISO 9001:2000.
- Estabelecer controle operacional dos padrões, produtos, processos e pessoas;
- Cumprir os dois níveis do protocolo: Foudation Level e Higher Level

Benefícios do BRC Global Standard - Food - Entre os benefícios da implementação do BRC GSF, pode-se citar: um único padrão e protocolo, permitindo que as avaliações sejam realizadas por órgãos de certificação, que sejam acreditados pela EM 45011 ou certificados pelo Guia 65 da ISO/IEC; verificação única, comissionada pelo varejista e com freqüência de inspeção previamente acordada. Isso permite aos fornecedores, reportarem sua situação baseados no status das inspeções do protocolo; o escopo do protocolo é detalhado e cobre todas as áreas de segurança alimentar e legislação; o protocolo endereça parte das exigências tanto dos varejistas como fornecedores; através da avaliação do protocolo é possível manter-se atualizado sobre o processo de adequação, falhas e não conformidades, bem como ações corretivas. Como os órgãos certificadores estão acreditados internacionalmente, a certificação tem validade em outros países fornecedores de produtos alimentícios.

A seguir, verificamos a evolução pela demanda do serviço de consultoria para adequação de propriedades rurais e estabelecimentos processadores de alimentos, para os diferentes tipos de protocolos existentes no mercado:

Dados internos Ecolog Consultoria Integrada Ltda

Finalmente, a certificação de segurança alimentar é uma poderosa ferramenta para a empresa que deseja posicionar seus produtos em mercados altamente exigentes e com alto poder aquisitivo. O selo ou certificado, com grande credibilidade, representa o produtor, que não precisa ir pessoalmente até seu comprador final para garantir que requisitos de segurança alimentar estão sendo seguidos em seu processo produtivo e que seu produto final é inócuo à saúde do consumidor final. Dessa forma, o estabelecimento de um vínculo de confiança entre produtor rural e comprador torna-se mais natural, e a possibilidade de contratos a longo prazo para os produtores rurais é maior, fator esse que favorece o seu planejamento e organização administrativa e de produção.

Daniela Mariuzzo é Daniela Mariuzzo é engenheira de Alimentos e diretora de negócios da Ecolog Consultoria Integrada Ltda.

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Atualizado em 10/09/2005

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