Índios continuam lutando pela aprovação de seu Estatuto
   
 
Outros Quinhentos: Carlos Vogt
Projeto Resgate reencontra a História

500 anos impulsiona memória arquitetônica

Cultura como patrimônio histórico

Ritual dos 500 anos também é objeto de pesquisa

Objetos contam a história do Brasil
Outros 500 quer construir um novo país

Índios ainda lutam por direitos básicos

Pataxós lutam pelo Monte Pascoal
Interesse por mapas históricos cresceu com os 500 anos

Nau Capitânia, o símbolo que não navegou

Piada de brasileiro:
Paulo Miceli

A História e os interesses da nação:
Ulisses Capozoli

Dois projetos audiovisuais, duas formas de refletir:
Andrea Molfetta

As comemorações na mídia:
Eneida Leal Cunha

Na mídia portuguesa, alguma crítica, muito ufanismo:
Igor Machado
O Brasil em português de Portugal:
Jesiel de Oliveira Filho

Histórias & Personagens:
Zélio Alves Pinto

Poema
 


Enquanto o governo federal se preparava para as comemorações oficiais dos 500 anos do descobrimento do Brasil, no ano passado, surgia, paralelamente, um movimento de diversos segmentos organizados da sociedade, cujo lema era: "O Brasil que a gente quer são Outros 500". Um desses segmentos, que tem conseguido aumentar, gradativamente, suas conquistas políticas com o passar dos anos, tinha mais motivos para protestar do que comemorar: os índios brasileiros.

A I Conferência dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, realizada na semana das comemorações oficiais, em abril do ano passado, gerou um documento com uma série de reivindicações dirigidas ao governo federal. Apresentado em Coroa Vermelha (BA), a 20 km de Porto Seguro, no dia 21 de abril do ano passado, o documento pedia, entre outras coisas, a revogação do Decreto nº 1.775, de 1996, que dispõe sobre a demarcação de terras indígenas, e a aprovação do Projeto de Lei 2.057, de 1991, que trata do Estatuto das Sociedades Indígenas. Um ano após a conferência, o decreto continua em vigor, e a aprovação do Estatuto, que ainda está tramitando na Câmara, continua sendo uma das principais reivindicações dos movimentos indígenas organizados.

"O decreto que trata da demarcação das terras indígenas introduz o contraditório", afirma Adison Rodrigues, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), justificando o pedido de revogação defendido pelos índios. Segundo Rodrigues, que participou das manifestações no ano passado, o decreto permite ao grileiro ou invasor de terra indígena a contestação do processo de demarcação.

Conflitos recentes em torno da questão de terras indígenas envolve órgãos do governo federal. No início de março deste ano, a Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAI) denunciou a tentativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) de recuperar a direção do Parque Nacional que existia inconstitucionalmente em torno do Monte Pascoal, território de índios pataxó. No dia 21 daquele mesmo mês, o Conselho Indígena de Roraima criticou a postura do Ministro da Defesa, Geraldo Magela Quintão, de ignorar os direitos indígenas adquiridos pela Constituição de 1988 e defender a implantação do 6º Pelotão Especial de Fronteira em Urimatã (RR), terra de índios yanomami.

Após a conferência dos povos indígenas realizada no ano passado, formou-se uma comissão de líderes indígenas para fortalecer as discussões e cobranças quanto às reivindicações feitas no documento de Coroa Vermelha. Essa comissão se reuniu em Brasília nos primeiros dias de abril deste ano, para discutir questões como demarcação de suas terras e a aprovação do seu Estatuto.

Em 1973, foi promulgado pelo governo federal, o Estatuto do Índio (Lei nº 6.001), que pregava a tutela aos povos indígenas, considerados incapazes, enquanto eles não fossem incorporados à "civilização". A Constituição de 1988 apresentou avanços na legislação indígena, mas o Estatuto permaneceu inalterado. Em 1991, o deputado federal Aloízio Mercadante, do PT de São Paulo, apresentou o Projeto de Lei nº 2.057, a partir de sugestões do Núcleo de Direitos Indígenas, composto por antropólogos como Márcio Santilli, e lideranças indígenas como Marcos Terena e Paulo Paiakã. O projeto de lei propõe um Estatuto das Sociedades Indígenas, em substituição ao Estatuto do Índio, de 1973. Esse projeto de lei já passou por várias alterações, e em 1994, foi criada uma Comissão Especial, na Câmara, para discutí-lo.

O deputado Luciano Pizzato, do PFL do Paraná, foi o relator do projeto, que iria direto para o Senado após a aprovação de seu relatório pela Comissão. No final de 94, após a eleição de Fernando Henrique Cardoso, o deputado Artur da Távola, do PSDB do Rio de Janeiro, solicitou que o projeto fosse a plenário na Câmara, antes de ser encaminhado para o Senado. O projeto ficou engavetado por 5 anos, e no ano passado, a pedido de FHC, foram retomadas as discussões para a sua aprovação. Desde então, Pizzato, que continua sendo o seu relator, tem se encontrado com comunidades indígenas para ouvir as sugestões de alteração ao projeto.

"As maiores dificuldades são as solicitações específicas. Cada etnia corresponde a uma cultura própria, uma organização social diferente", afirma Sérgio Diniz, assessor de comunicação de Pizzato. Segundo ele, a grande mudança apresentada pelo novo Estatuto diz respeito ao fim da tutela aos índios, motivo de receio em alguns segmentos da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). "Mas o relatório de Pizzato não fala na extinção da FUNAI", afirma Diniz. "Pelo contrário, sugere que ela passe a funcionar como órgão de fomento para as comunidades indígenas e não mais como tutor", completa.

Algumas iniciativas realizadas pelo governo federal no ano passado, em função dos 500 anos do descobrimento, colocam a FUNAI como órgão de fomento, de acordo com a visão de Pizzato. Com o patrocínio dos Ministérios da Cultura e do Esporte e Turismo, foi inaugurado em abril de 2000 um complexo na aldeia pataxó envolvendo um conjunto cultural, um posto de saúde, uma escola, um museu e um shopping-center. "O Pataxoping tem 150 lojas voltadas exclusivamente para o comércio de artesanato indígena. O comércio anteriormente exercido pelos não-índios naquela área foi deslocado para outra região", afirma Juraci Coelho de Oliveira, engenheiro da FUNAI responsável por parte das obras.

Os índios e os 500 anos: A festa da exclusão

Difícil de acreditar, mas os herdeiros dos primeiros habitantes da Terra de Vera Cruz não tiveram lugar nem vez na festa oficial dos 500 anos do descobrimento, em abril do ano passado. Eles foram hostilizados pelo governo do Estado da Bahia e pelo Ministério do Esporte e Turismo - os organizadores da festa.

Mais de 3 mil índios se deslocaram de várias aldeias do País até a área indígena de Coroa Vermelha, a 20 quilômetros de Porto Seguro. O centro de convergência foi a I Conferência Indígena, realizada na semana das comemorações do descobrimento, para tratar sobre o futuro dos índios brasileiros.

Os índios discordavam das comemorações dos "não-índios" e deixaram claro que, para eles, não se tratava de "descobrimento", mas sim de "dominação". Tentaram manifestar esse sentimento e foram impedidos. A Polícia Militar da Bahia, com um contingente de 6 mil homens, foi truculenta e exerceu forte poder de repressão.

No início de abril os policiais destruíram, no meio da noite, um monumento-resistência que os índios pataxó estavam erguendo na praia de Coroa Vermelha. Seria um mapa da América do Sul, feito em relevo de cimento, sobre o qual estaria a escultura de um casal indígena e onde os participantes da Conferência depositariam suas oferendas. Segundo a Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAI), com sede na Bahia, a vontade do ex-ministro de Esporte, Rafael Grecca, seria de construir no mesmo local um monumento que lembrasse uma caravela.

Manifestação dos índios: "dominação" e não "descobrimento".
Fonte: Daniela Silva

As estradas que dão acesso a Porto Seguro foram bloqueadas e, durante os festejos, ninguém entrava ou saía da cidade sem dar explicações às autoridades. No auge das comemorações, um protesto dos índios foi sufocado pela tropa de choque da PM. O movimento era engrossado por negros, estudantes e membros do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). As imagens da violência percorreram o mundo. Uma das mais chocantes é a de um índio, ajoelhado diante da tropa e pisoteado pelos policiais. O batalhão de choque usou bombas de gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral para dipersar os manifestantes. Ao final, 141 pessoas foram presas.

Gases e bombas de efeito moral foram usados para conter os manifestantes

Enquanto a polícia tentava conter os manifestantes, o presidente Fernando Henrique Cardoso plantava uma muda de pau-brasil, acompanhado do presidente de Portugal, Jorge Sampaio e de um grupo de 200 convidados especiais.

A organização dos festejos também tomou uma outra decisão polêmica, retirou a cruz de madeira que há 30 anos marcava o local onde foi celebrada a primeira missa em território brasileiro. O fato conflitante é que a cruz estava dentro da área hoje pertencente aos índios pataxó. No lugar, foi fincada uma cruz de aço inox, a pedido do ex-ministro Grecca. Os índios entenderam a retirada da cruz como um sinal de reafirmação de poder do homem branco sobre os povos indígenas.

A festa, propriamente dita, foi um fracasso do ponto de vista político e sócio-cultural. Demonstrou a falta de sensibilidade do governo em relação ao tão propalado discurso de democracia racial. Para os índios, a festa foi um fato alheio, uma manifestação isolada da qual não fizeram parte.

Os membros do governo interpretaram as manifestações como uma forma de desrespeito ao País. A revista Isto É (edição 03/05/2000) divulgou uma citação atribuída ao Ministro da Cultura Franciso Weffort, ao referir-se aos protestos em Porto Seguro. "Foi como se alguém convidado para uma festa de casamento cuspisse no chão da sala".

Índios - "a intenção era fazer uma manifestação pacífica"

No entanto, os índios não tiveram o status de convidados para a festa oficial. "A nossa intenção era fazer uma caminhada pacífica, entregar um documento das comunidades indígenas ao presidente da República e voltar", explica o líder pataxó, Eujácio Batista Lopes Filho, o "Carcaju", de 22 anos, que acompanhou toda a movimentação e os protestos na Bahia. "Carcaju", na língua pataxó, quer dizer 'aquele que não teme a morte'. O líder pataxó assegura: "A gente tem nossas idéias, nossas propostas sobre o presente e o futuro que nos diz respeito. A gente quer falar para o governo e quer ser ouvido".

 

   
           
     

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Atualizado em 10/04/2001

   
     

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