A História e os interesses da nação
   
 
Outros Quinhentos: Carlos Vogt
Projeto Resgate reencontra a História

500 anos impulsiona memória arquitetônica

Cultura como patrimônio histórico

Ritual dos 500 anos também é objeto de pesquisa

Objetos contam a história do Brasil
Outros 500 quer construir um novo país

Índios ainda lutam por direitos básicos

Pataxós lutam pelo Monte Pascoal
Interesse por mapas históricos cresceu com os 500 anos

Nau Capitânia, o símbolo que não navegou

Piada de brasileiro:
Paulo Miceli

A História e os interesses da nação:
Ulisses Capozoli

Dois projetos audiovisuais, duas formas de refletir:
Andrea Molfetta

As comemorações na mídia:
Eneida Leal Cunha

Na mídia portuguesa, alguma crítica, muito ufanismo:
Igor Machado
O Brasil em português de Portugal:
Jesiel de Oliveira Filho

Histórias & Personagens:
Zélio Alves Pinto

Poema
 


Ulisses Capozoli

Um ano após as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, certamente um esforço de análise sobre o significado desse efeito gregoriano na memória nacional tende a produzir certa frustração, mesmo aos olhos de um historiador contemporâneo.

Um historiador talvez dissesse que os fatos estão próximos demais para permitir a definição da paralaxe, a triangulação que o cérebro realiza, com emprego de um par de olhos separados pelo nariz, para a definição da distância em que se encontra um objeto e, no caso de vários objetos, distinguir os mais próximos dos mais distantes.

Um jornalista, historiador do efêmero, observador, não das ondas, mas da crista das ondas, para retomar a metáfora de Fernand Braudel sobre a História e o mar, talvez tenha um pouco mais de sucesso numa busca desse tipo.

A objetividade jornalística, que Aldous Huxley ironizou em um de seus romances (A Ilha), certamente perguntaria não só pelo destino, mas também pela origem, da nau capitânea, metáfora do Brasil e pretensa réplica de uma das embarcações da frota de treze barcos que formaram originalmente a esquadra de Pedro Álvares Cabral.

O que ocorreu com a nau capitânia que se recusou, teimosamente, a navegar, cinco séculos depois de os portugueses, sem o recurso mágico da tecnologia atual, terem construídos barcos que superaram as 2 mil toneladas de deslocamento? Esses antigos gigantes oceânicos só naufragaram sob o peso da cobiça de se querer mais riqueza que a possível de se carregar, como relata o historiador português Charles Boxer em seus escritos sobre Portugal e o mar.

O que ocorreu com a nau capitânia que fez água, adernou desajeitada e permaneceu certo tempo à deriva antes de desaparecer como a moderna versão do Holandês Voador?

E os remanescentes dos estimados 5 milhões de indígenas que viviam por aqui à época em que Cabral aportou na costa da Bahia, espancados, em vez de homenageados, pela polícia em Porto Seguro? O que teria mudado para os descendentes desses povos originais?

Se a leitura das edições mais recentes dos jornais for levada em conta como indicativo do comportamento da crista das ondas, pouca coisa se alterou. Para o ministro da Defesa, Geraldo Quintão, o termo "nação indígena" não faz sentido. Nação, entende o ministro, seria algo próximo a um legado de Montesquieu, mesmo com o prejuízo de poderes sobrespostos, em vez de autônomos e harmônicos entre si.

Por onde andam deserdados da sorte, homens e mulheres, seguidos de suas crianças e velhos, ansiosos por se enraizarem em alguma terra promissora que lhes permita multiplicar os frutos do trabalho? Num embate primitivo, munidos de pedras e lanças de bambu, como se estivéssemos recuado ao neolítico, às margens de um riacho numa fazenda de Minas Gerais? Ou esses homens, em Minas, são apenas arremedos de antigos rebeldes, na realidade, desordeiros, baderneiros, arruaceiros e ingratos com a fertilidade da terra em que, se plantando, tudo dá?

Mesmo para um historiador do efêmero, da crista das ondas, às vezes é difícil acreditar que o efeito gregoriano do calendário ocidental, não só pelos 500 anos de Brasil, mas também pela transposição de século e milênio tenham se feito sentir em maiores profundidades na fraca memória nacional.

As prisões estão abarrotadas e, com a exceção de poucas inteligências como a de Evaristo de Moraes, ansiosas em fazer ver porque esses depósitos de homens crescem em número e em violência, a maior parte se ocupa de frivolidades como a melhor forma de se restringir o alcance de celulares, como se estivesse, aí, a etiologia do mal estar social.

São leituras deste tipo que, no 501º aniversário do descobrimento do Brasil, dão atualidade a Las Casas, ao menos em relação aos índios, a Joaquim Nabuco e José Bonifácio de Andrada e Silva, em relação aos negros, à escravidão e à profunda irracionalidade que nos faz pobres mesmo naquilo em que somos os mais ricos, como ocorre em relação às águas doces. As torneiras, nas grandes cidades, correm o risco de chiarem cheias de ar, os reservatórios das hidrelétricas consumiram as águas do futuro sem que ninguém, além de São Pedro, seja responsabilizado.

Daí a particular importância de um escrito, O Brasil, Território e Sociedade no Início do Século XXI, lançado em fins de março pelo geógrafo e professor emérito da Universidade de São Paulo, Milton Santos, como uma comemoração crítica deste primeiro ano depois do 500º aniversário.

Já no ano passado, o professor Milton Santos produziu Por Uma Outra Globalização, do Pensamento Único à Consciência Universal, onde à certa altura, assumindo as obrigações que os intelectuais devem ter com a sociedade considera que "nossa grande tarefa, hoje, é a elaboração de um novo discurso, capaz de desmistificar a competitividade e o consumo e de atenuar, senão desmanchar, a confusão dos espíritos".

Se dúvida esta também é uma obrigação de jornalistas, ainda que, aparentemente, em crescente desuso: se não desmanchar, ao menos atenuar a confusão dos espíritos porque, para retomar as palavras do professor Milton Santos, "sempre é tempo de corrigir os rumos equivocados e, mesmo num mundo globalizado, fazer triunfar os interesses da nação".

Ulisses Capozoli, jornalista especializado em divulgação de ciência é historiador científico e presidente da Associação Brasileira de Jornalismo científico (ABJC).

   
           
     

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Atualizado em 10/04/2001

   
     

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