Reportagens






 
Brasil agrícola: riqueza e contradição

Carlos Vogt

I

Na semana de 07 a 14 de setembro deste ano, deu-se no balneário de Cancún, no México, a 5ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), com a participação dos 146 países que a integram e que terminou, como era mais ou menos previsível, num impasse, dessa vez entre a União Européia (UE) e países africanos em torno das questões de investimentos, de regras de concorrências, de transparência em compras governamentais e de facilitação de comércio.

Na agenda das discussões, portanto, o sistemático conflito entre os países ricos e os países pobres, com nuanças de posições que se refletem nos vários grupos organizados para defender, em bloco, seus interesses e lutar por melhores condições de comércio para os seus produtos.

Em torno do tema agrícola, de grande interesse para todo o planeta e de interesse particular para os países-membros da organização, o Brasil, juntamente com a Índia, a China e mais 19 participantes, deu origem ao G-21, ampliando, assim, o grupo anterior que já reunia 17 dos maiores produtores mundiais do setor.

A principal reivindicação do G-21 diz respeito ao fim dos subsídios agrícolas doa países desenvolvidos, o que inclui os EUA e a UE, principalmente, o que tem levado esses dois blocos (G-21/EUA-UE) a posições polemicamente contrárias no fórum da OMC.

O tema agrícola é ainda mais complexo e sua importância para as nações deixa-se ver quando se consideram as diferentes posições de defesa e ataque que ele motiva e que se refletem em outros grupos de atuação consistente dentro das reuniões da Organização.

Além do G-21, cujo porta-voz é o embaixador Celso Amorim, ministro das relações exteriores do Brasil, e da frente EUA-UE, estiveram presentes, por atuação comum dos países que os integram, o G-9, o G-16, o G-33, além dos 4 países africanos produtores de algodão e dos cerca de 90 países africanos e caribenhos com características de desenvolvimento ainda menos acentuadas que os demais.

Entre esses grupos, um dos mais fortes e mais aguerridos é o G-9, cujos países integrantes liderados pela Suíça, Japão e Coréia do Sul não querem nem ouvir falar da eliminação dos subsídios internos aos seus produtores agrícolas, tema que pode levar os que defendem sua permanência e continuidade a medidas extremas, como foi o caso do suicídio público do agricultor sul-coreano Lee Kyang Hae que já fora presidente da Federação Coreana de Fazendeiros e Pescadores.

II

Para o Brasil, o tema agrícola tem delicadezas sociais que acompanham a história do país desde a sua independência e que nos dias atuais se manifestam pela sensibilidade maior dos movimentos nacionais pela reforma agrária. Tem também, e cada vez mais, um papel estratégico para a economia e, mesmo que paradoxalmente, para o seu desenvolvimento social e para o equilíbrio ambiental das diferentes regiões por onde se distribui a sua produção agropecuária.

A estimativa para a safra de grãos de 2003 é de 110 milhões de toneladas, gerando algo em torno de R$98 bilhões de renda, sem esquecer que o país usa apenas de 10 a 20% da imensa área agriculturável que detém e que equivale a 20% do total mundial apto para essa finalidade.

Os demais números são também importantes: no Brasil o setor agropecuário é responsável por 30% do PIB, gera 35% de empregos e responde por quase 40% das nossas exportações, sendo que nos últimos 2 anos o saldo comercial do setor foi de U$20 bilhões, enquanto que o do país foi de U$14 bilhões.

Recentemente, o Brasil passou a ser o primeiro exportador de carne bovina, com 1.2 milhões de toneladas, na frente dos EUA e da Austrália, além de ocupar essa posição em relação ao açúcar e ao álcool, feitos de cana, ao suco congelado de laranja e ao café.

O país vem se preparando, sistematicamente para agregar mais valor à sua produção, exportando-a não só como commodities, mas também como produtos industrializados, embalados e com marca.

As exigências e as restrições dos mercados internacionais, além das barreiras do protecionismo e dos subsídios, obriga a que o exportador esteja em dia com a dinâmica das inovações tecnológicas, consiga identificar nichos de mercado compradores e disponha de todas as condições dos padrões internacionais para a certificação de qualidade de seu produto, aí incluindo a obediência a todas as normas técnicas de conformidade de seus processos de produção.

É verdade que há ainda, ao lado dos obstáculos externos para o maior desenvolvimento do setor, muitos problemas internos que colaboram fortemente para esse atravancamento, desde juros e taxas elevadas para o custo do dinheiro até problemas de infra-estrutura e logística para a própria produção e para o escoamento das safras.

III


Exemplos, contudo, não faltam a atestar a sua capacidade organizativa e, dentro dela, o compromisso do setor com os investimentos em ciência, em tecnologia e em inovação.

Para tanto, basta lembrar que o primeiro grande projeto do Programa Genoma da Fapesp foi feito em parceria com a Fundecitrus, tendo como foco a shylella fastidiosa, bactéria responsável pela praga do Amarelinho. A ele se seguiram outros projetos no setor envolvendo a cana, o café, o eucalipto, o genoma do boi, sempre com o objetivo científico do conhecimento que essa tecnologia permite, do ponto de vista da biologia molecular e da finalidade inovativa do desenvolvimento de novas tecnologias de aprimoramento genético das espécies e de combate sistêmico às pragas e às doenças.

Há muitos outros casos, como por exemplo o projeto Agroceres-Pic, que em parceria com o Instituto Uniemp, associa universidades e empresas no objetivo comum de desenvolver tecnologias para identificar mais eficiente e eficazmente animais reprodutores capazes de implementar o aumento com qualidade da produção no setor.

Já há algum tempo, o Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial (Pensa) vem sendo desenvolvido pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (Fea), da USP, tanto em São Paulo, como em Ribeirão Preto, mantendo vínculos internacionais com grupos de estudos de ponta em agronegócios e sendo membro do Conselho da International Food and Agribusiness Management Association há pelo menos uma década.

Voltado para o estudo da dinâmica da cadeia agroindustrial o Pensa realizou um importante trabalho com a cadeia produtiva do setor de citrus e desenvolve, agora, também em parceria com o Instituto Uniemp, trabalho semelhante para o "Mapeamento da Cadeia Industrial do Trigo", trabalho que deverá ser publicado em livro proximamente e que vislumbra, pela gestão organizada dessa cadeia produtiva e pelas medidas do Ministério da Agricultura para ampliar de 2.3 milhões de hectares da safra de 2002 para 2.6 milhões neste ano, um crescimento da produção de trigo no Brasil de 2.9 milhões para 4.5 milhões de toneladas, ainda neste ano.

Vê-se, assim, que se trata, como foi dito, de um tema crucial para a economia do país e também não menos importante para que se compreenda a dinâmica das contradições de que é feita a sociedade brasileira. O tema agrícola concentra de forma exemplar, como poucos outros no Brasil, os desafios contemporâneos inerentes ao conhecimento que produzimos e difundimos em nossas universidades e centros de pesquisa; desafios presentes também nas tecnologias que, a partir sobretudo da atuação das empresas e das parcerias entre os dois setores, levam a inovações competitivas, gerando riqueza econômica que, por sua vez, deve estar vinculada aos compromissos éticos e sociais que inscrevem todo o ciclo do conhecimento, assim produzido, na pauta de nossas responsabilidades civis, como cidadãos, e na agenda de nossas ações pela preservação do meio ambiente e pela qualidade sistêmica da vida em cada região do planeta.

 
Proxima
Atualizado em 10/10/2003
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