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Decisão dos transgênicos nas mãos de técnicos, cientistas e políticos

Os argumentos para a liberação ou proibição do plantio e comercialização de transgênicos tem se centrado nas tentativas de provar cientificamente sua segurança ou seu risco, para o meio ambiente e para a saúde. No centro da discussão está o princípio de precaução que, quando aplicado aos transgênicos, afirma que seu consumo e produção devem ser suspensos, como cautela, até que pesquisas científicas mais abrangentes excluam qualquer hipótese de dano à saúde ou ao meio ambiente. O princípio, que começou a ser utilizado mais explicitamente no direito internacional a partir da Segunda Conferência Internacional sobre a Proteção do Mar do Norte, em 1987, é adotado, por exemplo, pela União Européia, que impede desde 1998 a comercialização de novos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). Frente a essa proibição, os países produtores de transgênicos reclamam a perda de mercado causada pela posição européia.

O debate, que já dura cinco anos, culminou em uma ação formal contra a União Européia, requerida pelos Estados Unidos, com apoio do Canadá e da Argentina, na recente reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancún (México). Para reverter a "moratória", os três países, principais produtores de transgênicos no mundo, requisitaram a formação de um Comitê de Arbitragem, com a alegação de que os europeus estavam promovendo uma restrição ilegal às importações agrícolas - o que caracterizaria uma barreira comercial não tarifária. Os agricultores dos Estados Unidos estimam perdas de 300 milhões de dólares por ano devido às restrições.

Em meio ao debate, o parlamento europeu respondeu aos americanos autorizando a entrada dos produtos transgênicos, desde que adequados a novas regras de rotulagem, contenção, segregação e rastreamento. De acordo com essas regras, que deverão tornar-se lei em breve, todos os produtos e ingredientes que contiverem no mínimo 0,9% de transgênicos deverão ser identificados, sejam para consumo humano ou animal. Além disso, cada país membro da União Européia também poderá decidir sobre medidas de contenção das plantações de transgênicos, para evitar a contaminação das lavouras convencionais. O parlamento afirma que, dessa forma, os consumidores poderão decidir se desejam ou não consumir alimentos transgênicos. Mas a ação do parlamento não resultou em consenso. Os que condenam os transgênicos temem que as novas regras sejam o primeiro passo para a abertura do mercado europeu. Já aqueles que buscam a liberação dos OGMs, reclamam da burocracia e dos gastos que as regras de rotulagem impõem - que tornariam a adesão às regras impossível. O grupo ambientalista Greenpeace, por sua vez, entende que as novas regras adotadas pela União Européia são bastante avançadas e completas, possuindo a rigidez necessária. Para o grupo, tais regras caracterizaram uma afirmação da liberdade de escolha dos europeus frente à intimidação americana.

Nessa disputa os estudos científicos, que são essenciais para o princípio de precaução, caracterizam-se pela indefinição - tanto há estudos que afirmam o risco dos transgênicos quanto sua segurança. A novidade mais recente é um estudo divulgado no dia 02 de outubro, pelo jornal britânico The Guardian, que afirma que está ocorrendo perda de biodiversidade causada pelas plantações de transgênicos. De acordo com a pesquisa inglesa, publicada pela Sociedade Real Britânica, duas entre três plantações de transgênicos se mostraram mais danosas ao meio ambiente - destruindo plantas e animais ao seu redor - do que os cultivos com sementes convencionais. Os resultados são provenientes dos estudos com plantações experimentais de canola e beterraba. Na batalha dos OGMs, essa pesquisa será mais uma prova científica levantada como bandeira pelos opositores aos transgênicos.

Mas aos defensores também não faltam tais bandeiras. Entre seus argumentos principais estão o aumento da produtividade e do lucro - que aconteceriam em decorrência do uso de OGMs - e a ausência de estudos que tenham comprovado, até hoje, danos à saúde humana.


O biólogo Jacques Testard alerta para
a relação entre ciência, tecnologia e mercado
Crédito: Rafael Evangelista

Jacques Testart, especialista em biologia da reprodução, que produziu o primeiro bebê de proveta francês, analisa a falta de consenso técnico e científico, afirmando que não cabe aos cientistas o poder de decisão, assim como não é possível deixá-la apenas para os consumidores, pouco esclarecidos em meio aos embates. Para o biólogo, as reflexões de ordem ética relativas às biotecnologias, quando feitas por cientistas, tornam-se julgamentos técnicos. Como possível solução, ele incita historiadores e filósofos a entrarem no debate, e propõe a discussão do assunto por uma "Conferência de cidadãos". Tal conferência procura dar conta da discussão de novas tecnologias desenvolvidas pela tecnociência, principalmente pelas indústrias, com a participação de cidadãos não especializados, mas informados por cientistas que discordem entre si. Esses cidadãos deveriam, na visão de Testart, definir rumos para a pesquisa científica e suas aplicações.

Aliás, Hannah Arendt, filósofa alemã, ironicamente já tinha sinalizado essa questão em 1975, no prefácio de A condição humana. Após expressar o desejo dos cientistas de superar a condição humana, entre outras formas, pela criação justamente da vida numa proveta, Arendt questiona em que direção o homem deseja utilizar seu conhecimento científico e técnico e conclui: "esta questão não pode ser resolvida por meios científicos: é uma questão política de primeira grandeza, e portanto não deve ser decidida por cientistas profissionais nem por políticos profissionais."

Entre os pesquisadores brasileiros, quem também defende idéias semelhantes é o engenheiro agrônomo Jean Marc von der Weid, coordenador da ONG Assessoria em Projetos de Agricultura Alternativa (AS-PTA). Em artigo para o boletim Inovação Tecnológica da Unicamp, ele afirma que a pesquisa científica não é neutra e que tem sido cada vez mais controlada por recursos de empresas privadas. Para Weid, a pesquisa pública recuou e vêm se subordinando aos financiamentos privados, "a título de parceria de interesse público e de patenteamento privado". Na mesma linha, Testart alerta para o monopólio de empresas privadas como a Monsanto em torno dos alimentos transgênicos.

Para o autor do livro A transnacionalização da indústria de sementes no Brasil, John Wilkinson, o controle das empresas produtoras nacionais de sementes pelas multinacionais, que vem ocorrendo desde a década de 90, caracteriza o mercado como oligopolista e internacionalizado.

Transgênicos no Brasil
A Medida Provisória (MP) brasileira do dia 25 de setembro, que liberou o plantio de soja geneticamente modificada para a safra de 2003/2004, tem sido intensamente debatida pelos defensores e opositores aos transgênicos no Brasil. Os opositores reivindicam, entre outros pontos, que a medida provisória deve ser revista, pois começou a vigorar sem o estudo técnico de impacto ao meio ambiente.

Tendo em vista que as decisões sobre transgênicos devem afetar não apenas os consumidores brasileiros como também as exportações e os futuros laços comerciais brasileiros, a Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados promoveu, no dia 07 de outubro, o seminário internacional "Transgênicos: embates atuais".

Durante o seminário, Jean-Yves Griot, presidente da Cooperativa de Produtores Franceses Terrena, afirmou que o Brasil perderá mercado com a liberação da soja transgênica. A afirmação encontra respaldo em casos como o da empresa norueguesa Denofa, que deixou de comprar soja dos Estados Unidos e da Argentina e instalou-se no Brasil em 1999, para garantir, através de testes que chegam a custar até 1 milhão de dólares por ano, que a soja brasileira exportada para a Noruega não contenha transgênicos.

Outro ponto debatido no evento foi a ausência de pesquisas conduzidas pelor setor público sobre a segurança dos OGMs. Segundo a Agência Carta Maior, o consultor francês para questões econômicas e riscos ambientais, Frederic Prat, foi quem tocou no assunto durante o seminário. Prat afirmou que, "na França, uma pesquisa com vacas alimentadas com ração de soja transgênica foi simplesmente suspensa por falta de verba. A maioria das pesquisas de institutos privados foi concluída a pedido de empresas que têm interesse nos resultados".

(MK)

 
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Atualizado em 10/10/2003
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