Contrastes e Confrontos numa Terra de Sedução
   
 
Poema

Da pangéia à biologia molecular
Adalberto Luís Val

A biodiversidade e o novo milênio
Vera de Almeida e Val
Contrastes e confrontos
Ulisses Capozoli
As línguas indígenas na Amazônia
Panorama das línguas indígenas
Ayron Rodrigues
Lucy Seki e o indigenismo
As várias faces da Amazônia
Louis Forline
Euclides da Cunha
Isabel Guillen
Yanomami
Saúde dos Índios
Amazônia e o clima mundial
Manejo florestal
Niro Higuchi
Impactos ambientais
Cooperação internacional
Energia e desenvolvimento
Ozorio Fonseca
Interesse internacional
Programas científicos e sociais
Internacionalização à vista?
Indústria de off shore na selva
Marilene Corrêa da Silva
Peixes ornamentais

Produtos da Biodiversidade
Lauro Barata
Missão de pesquisas folclóricas

Radiodifusão para indígenas
Mamirauá
Vídeo nas aldeias
A música dos Urubu-Kaapor
 

O fascínio internacional pela Amazônia não é novo. De alguma forma reflete necessidades arcaicas cobertas por camadas finas de poeira despreendida de construções recentes da civilização.

Críticos apressados certamente verão nessa idéia a imagem acabada da ingenuidade. Mas o que se vê, como se sabe, da física à psicanálise, depende da posição de um observador.

Claro que existem interesses imediatos e isso também não é novidade. O roubo das seringueiras, que os ingleses levaram para a Malásia, é um bom exemplo disso. Mas é exemplo também da incapacidade de uma sociedade que passou 330, dos seus 500 anos de idade, atrelada aos princípios vis e desumanos do escravismo, em organizar, numa escala mínima de racionalidade, a exploração de suas potencialidades. Tanto humanas como naturais.

Discutir os "entulhos" deixados pelo escravismo, para usar uma definição de Joaquim Nabuco, é um ponto de partida inevitável para se entender, hoje, a Amazônia e o Brasil.

Mas vivemos os tempos do neoliberalismo. Homens de cultura perderam o senso crítico e, intelectualmente acovardados, aceitam que o mercado justifica tudo. Amedrontados pelos desdobramentos desconhecidos que a exploração crítica possa trazer, justificam a passividade com uma terminologia semântica que se ajusta com perfeição aos "entulhos escravistas" de Joaquim Nabuco.

Quem conhece minimamente a Amazônia tem histórias de encanto e terror para contar. São histórias livres da camisa de força ideológica, mas profundamente enraizadas no sentimento de humanidade que deve sustentar a posição de todo homem de conhecimento.

A situação das mulheres, na Amazônia, não é nada invejável mesmo em comparação com outras regiões do País. Para quem desconhece, na linguagem rude de homens embrutecidos pela vida, meninas até seus 15 anos são chamadas de "franguinhas". A partir desta idade, são "galinhas".

Turistas e viajantes apressados são seduzidos pelo encontro das águas barrentas do Solimões, que despenca dos Andes com o nome de Marañon, com o fluxo escuro do Rio Negro. Aí nasce o Amazonas, o maior rio do mundo.

Mas, se subir o Negro, o viajante verá cenas de cortar o coração. Índios atordoados pelo álcool, andam perdidos pelas ruas de São Gabriel da Cachoeira, onde a catequese precoce dizimou nações inteiras.

No Oeste, nas terras altas que marcam a fronteira com Peru e Colômbia, a impressão não é melhor. Não fosse a guerrilha colombiana chamar a atenção para a região, nada mudaria ali. Se é que alguma coisa vai mudar. Essa é uma região de madeiras nobres, especialmente o mogno. Mas além de madeira se trafica ouro, peixe e cocaína. Não há controle eficiente do Estado e mesmo um delegado da Polícia Federal não se sente seguro nessa terra sem lei.

Há feridas abertas em muitos pontos da mata, como Carajás, Serra Pelada e Serra do Navio, essa última, com risco de se transformar numa cidade fantasma, depois de mais de meio século de exploração mineral.

Há pistas clandestinas de garimpeiros com homenagens que vão de Roberta Miranda a personagens menos conhecidos, como "Baianinho".

A rainha dos caminhoneiros fez shows no meio da mata, iluminada por geradores-diesel, paga, literalmente, a peso de ouro. Cenas como essa, se levadas ao conhecimento do mundo, empalideceriam obras-primas no gênero "noir" no cinema e literatura.

Uniformizado cada vez mais pela "globalização", o mundo enxerga, na Amazônia, ligações com um tempo perdido, uma Idade do Ouro que, de uma ou outra forma, aparece nas representações míticas de todas as culturas.

Houve um tempo, em que tudo era bom e justo. A Bíblia, referência do Ocidente, diz que isso acabou com a expulsão de Adão do Paraíso. Boa parte dos padres e pastores possivelmente ignora que a Bíblia, com a Expulsão do Paraíso, relata, na linguagem alegórica dos mitos, a passagem da fase de caça e coleta de frutos para a fundação da agricultura, há 12 mil anos.

Sir Arthur Conan Doyle localizou na Amazônia, no topo do Monte Roraima, o cenário de sua ficção científica "Mundo Perdido". Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, que nunca pisou na Amazônia, descreve a região baseado na experiência militar que teve na África. Mas justamente essa é uma das melhores partes do livro.

"Mundo Perdido" pode ser uma metáfora das necessidades arcaicas e inconscientes de homens que vivem em cidades cinzentas de concreto onde, se um dia o Sol deixar de nascer, eles não perceberão.

Não foram poucos e nem desconhecidos, os homens que mergulharam na Amazônia para um encontro mítico com seus valores, a pretexto de investigação científica. Alfred Wallace e seu companheiro Henry Bates, eram muito jovens quando desembarcaram em Belém, em 26 de maio de 1848. Wallace ficou mais de quatro anos da Amazônia. Bates só voltou para Inglaterra onze anos depois.

Antes de Wallace/Bates já haviam passado por aqui Alexander Humboldt (1781-1801), que cunhou a expressão Hiléia Brasileira ao se referir à imensa área de floresta pluvial. Também vieram, entre outros, Carl von Martius e Johann von Spix (1817-1820), Richard Spruce (1849-1864) e Johnn Natterer (1817-1835).

Spruce enviou para a Inglaterra, nos 17 anos que viveu na Amazônia, mais de 30 mil plantas, uma infinidade de mapas e milhares de sementes de espécie de borrachas. O austríaco Natterer ficou 18 anos e deixou, entre os índios, uma filha que se destacava por suas feições européias.

Também o presidente norte-americano Theodore Roosevelt visitou a Amazônia, explorando um rio desconhecido que agora tem seu nome. Roosevelt apanhou peixes enormes no rio que batizou e assim também saciou o desejo de caça reprimido nos homens civilizados.

Mas a Amazônia tem muitas maravilhas, entre os rios imensos de nomes desconhecidos.

No Amapá, fronteira com a Guiana Francesa, próximo à base espacial de Kourou, estão os Waiãpis. Do lado francês, são índios enriquecidos pelo salário que recebem como "desempregados". Muitos, entre eles, são alcoólatras.

Do lado brasileiro, os Waiãpis conservam seus valores intactos, ainda que para isso tenham queimado aviões e equipamentos de mineração de invasores de suas terras.

Com suas tangas de algodão de um vermelho vivo, os Waiãpis são de uma beleza sedutora. E, por isso mesmo, uma das metáforas possíveis da Amazônia e do Brasil.

Ulisses Capozoli

   
           
     

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Atualizado em 10/11/2000

   
     

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