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Concentração da bioinformática decorre do Genoma

Assim como acontece com outras áreas de pesquisa, os investimentos em bioinformática estão concentrados na região sudeste, principalmente em São Paulo. Em parte, isso pode ser explicado pela existência anterior de mão-de-obra qualificada e de investimentos constantes por parte do estado de São Paulo - que por meio da Fapesp tem mantido a regularidade no financiamento de seus programas especiais. Mas, essa concentração também pode ser entendida pela existência de projetos pioneiros na área de biologia molecular - como o projeto Genoma - que criou uma demanda específica de profissionais na área de bioinformática. O Ministério de Ciência e Tecnologia tem feito esforços para combater essa concentração e o desenvolvimento de projetos em biotecnologia em outros estados do país deve fazer com que a demanda por conhecimento em bioinformática se distribua.

Ao se analisar a lista dos projetos em bioinformática aprovados no edital de maio de 2001, do Conselho Nacional de Desenvolvimento da Pesquisa (CNPq), é possível perceber como a região sudeste é a mais especializada em bioinformática. Entre os 28 projetos aprovados 15 estão no Sudeste, oito no Sul, quatro no Nordeste, um no Centro-Oeste e nenhum no Norte. São R$ 3,1 milhões destinados à aquisição de equipamentos, materiais de consumo e serviços diversos, possibilitando a implantação de novos núcleos no país e o aperfeiçoamento dos já em funcionamento.

Dado que o surgimento da bioinformática está estritamente ligado à biologia molecular - que teve um grande avanço com o projeto Genoma - a especialização do sudeste pode ser explicada. Segundo Georgios Pappas, do Laboratório de Bioinformática da Universidade Católica de Brasília (UCB) a idéia do Genoma foi empreendedora demais para a época - entre 1997 e 1998. No entanto, não havia no estado e nem no país, profissionais especializados nessa área. Pappas conta que os primeiros doutores foram formados entre 1998 e 1999. "Fui um dos primeiros a ter esse doutorado no Brasil, juntamente com João Carlos Setubal e João Meidanis. Éramos os únicos que tínhamos experiência na área", afirma.

O Laboratório de Bioinformática (LBI) da Unicamp foi o primeiro laboratório de bioinformática no Brasil. Setubal, coordenador do LBI conta que, quando terminou o doutorado, em 1992, iniciou um grupo de pesquisa com Meidanis na Unicamp. Em 1997, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), lançou o projeto de seqüenciamento da Xylella fastidiosa e o grupo recém formado foi escolhido para comandar a bioinformática do projeto.

Sandro José de Souza, do Instituto Ludwig, acha que o estado de São Paulo concentra a excelência não somente nessa área. "Não estou surpreso que com a bioinformática não seja diferente. A iniciativa específica voltada para a área no projeto Genoma do Câncer - financiado pela Fapesp e pelo Instituto Ludwig - na qual foram financiados 11 grupos de pesquisa dentro do estado de São Paulo, também contribuiu para o cenário atual", diz Souza. Além de equipamentos, os grupos tiveram quotas de bolsas para técnicos na área.

Já João Setubal discorda que haja uma concentração excessiva de profissionais em São Paulo e, principalmente, de que haja algum problema nesse sentido. Ele concorda que existem vários profissionais em São Paulo mas afirma que "vários outros estados têm grupos semelhantes, sendo que alguns estados têm mais de um grupo", conta Setubal.

O apoio dado pelo CNPq vem tentando diminuir as diferenças entre os estados. Benildo Souza Cavada, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do Laboratório de Moléculas Biologicamente Ativas (BioMol), teve seu projeto selecionado pelo CNPq. Com apoio finaceiro de R$ 126,6 mil o projeto visa a instalação de um núcleo de bioinformática para o modelamento tridimensional de moléculas biologicamente ativas purificadas de plantas nativas do estado do Ceará. Para ele, o potencial que o Nordeste tem em bioinformática é fantástico. "Até o ano passado, todo o nosso trabalho era feito na Espanha, hoje fazemos modelamento tridimensional de moléculas no Ceará", conta Cavada. Ele considera que a centralização de financiamentos no Sudeste faz parte de um círculo vicioso e que deve haver uma desconcentração na formação de recursos humanos.

As redes de pesquisa de bioinformática
Na opinião de Cavada, uma maneira de promover a desconcentração seria através da formação de redes de pesquisa entre os laboratórios dos diferentes estados brasileiros.

Georgios Pappas, da UCB, também reconhece a importância das redes de pesquisa, e ressalta que a cooperação não deve acontecer apenas em termos intelectuais, mas também com o compartilhamento de equipamentos. Para ele, em um país pobre como o Brasil, o governo federal não deve fomentar os grupos de bioinformática individualmente, pois as necessidades mínimas custam caro. Alguns computadores chegam a custar R$ 200 mil.

Pappas é coordenador da Biofoco, uma rede de pesquisa em bioinformática. "Nós fizemos uma coisa inédita em nível nacional", entusiasma-se. Originalmente, os 15 pesquisadores da Biofoco eram do Centro-Oeste. Atualmente, além da UnB, da Embrapa - Recursos Genéticos e Biotecnologia e da UCB, juntaram-se ao grupo pesquisadores das universidades federais de Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Alagoas. De acordo com Pappas o grande objetivo da Biofoco é aglomerar uma massa crítica de pesquisadores de forma que cada um consiga contribuir na sua área específica. "Mesmo sendo nova a bioinformática é muito vasta e nenhum pesquisador consegue dominar todos os seus caminhos", acredita.

Na região Sul do país destaca-se o Programa de Investigação de Genoma Sul (a Rede Pigs). Edmund Grisard, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) confirma que as redes de bioinformática e as redes de genômica têm uma relação muito estreita. "O Pigs não é um projeto estritamente de bioinformática, mas contém um grande e importante passo para ela", afirma Grisard.

A rede Pigs é composta por dez laboratórios no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O objetivo é o seqüenciamento do genoma da bactéria Mycoplasma hyopneumoniae, causadora da pneumonia nos suínos. Na região Sul, a suinocultura é responsável por mais de 2,5 milhões de empregos diretos e indiretos. Mais de 30% do rebanho nacional se encontra nessa região e a pneumonia causa um prejuízo anual estimado em R$ 200 milhões.

De acordo com Grisard, a Rede Pigs é um dos projetos mais ambiciosos em andamento. "A Rede Pigs é o primeiro projeto da Rede Sul de Análise de Genoma e Biologia Estrutural. Ela é ambiciosa porque fez genômica, está fazendo proteômica e quer chegar ao objetivo final, que é uma vacina. Ela abarcou genômica, proteômica e bioinformática".
Grisard diz que os projetos em bioinformática têm fortalecido a competência brasileira. "Há uma condição de trabalho muito boa em função dos atuais fomentos, mas a grande questão é a continuidade e manutenção dessas iniciativas. O limiar da balança entre criar novas perspectivas e manter as já criadas é fundamental", finaliza.

(AG)

 
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Atualizado em 10/08/2003
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