Editorial:

As cidades e os muros
Carlos Vogt

Reportagens:
Prós e contras da revitalização urbana
Enfim o Estatuto da Cidade
Programa Habitat procura desenvolver a qualidade de vida nas cidades
Ocupações revelam déficit habitacional
Fórum Social propõe uma outra cidade possível
Novas metrópoles, velhos problemas
Conflitos entre centro e periferia
Qualidade das águas é cada vez pior
Lixo é problema ambiental com agravantes sociais
Transporte em São Paulo: conflitos e soluções
Poluição sonora piora ambiente urbano
Preservação ambiental: destino alternativo para o litoral sul de São Paulo?
Cidade tenta unir tecnologia com inclusão social
Educação para uma nova cidade
Brasília contrastes de uma cidade planejada
Vilas significaram distância entre patrões e operários
Artigos:
Dimensões da tragédia urbana
Ermínia Maricato

Aprovação do Estatuto da Cidade
Geraldo Moura

O passado nas cidades do futuro
Cristina Meneguello
"As cidades nos países subdesenvolvidos" em um mundo globalizado
Tatiana Schor
Cidades e seus fragmentos
Rogério Lima
Cidade, língua, escolae a violência dos sentidos
Cláudia Pfeiffer
A cidade como objeto de estudo
Maria Josefina Gabriel Sant'Anna
Poema:
Manual do novo peregrino
Carlos Vogt
 
Bibliografia
Créditos

 

 

Educação para uma nova cidade

Pedro levanta às sete horas para ir trabalhar. Ele mora na periferia de uma grande metrópole brasileira, mas não leva mais do que meia hora para chegar à empresa, pois um trem bala liga os bairros ao centro da cidade. Com seu cartão de usuário freqüente, Pedro tem 30% de desconto no preço da passagem, desde que utilize sempre o mesmo trajeto, pelo menos nos dias úteis. Durante a viagem, o trem passa por uma área agrícola e muito arborizada. É o cinturão verde que cerca a cidade, abastecendo os habitantes do centro e da periferia e ajudando a purificar o ar.

Ao chegar no trabalho, Pedro abre suas mensagens na caixa de correio eletrônico e verifica que recebeu, entre outros, a pauta da reunião daquela noite na associação de moradores de seu bairro, da qual participa como diretor. Com uma jornada de trabalho diária de sete horas, sobra algum tempo no final da tarde para descansar, se divertir e também participar das atividades da associação.

O cenário e o personagem acima, que são fictícios, mas bem poderiam representar nosso desejo de cidade (sustentável) do futuro, encobrem um elemento essencial da vida nesse ambiente: a educação.

Ser alfabetizado já não é suficiente para viver numa metrópole contemporânea, menos ainda o será na perspectiva de um desenvolvimento sustentável para as cidades. E não apenas por motivos prosaicos, como comprar o passe de trem mais vantajoso ou ler um e-mail, mas também econômicos. "Para atingir um crescimento estável e sustentável, precisamos de uma força de trabalho bem educada, bem equipada e adaptável. A educação serve também, mais amplamente, para promover a cidadania ativa e ajuda a combater a exclusão social", diz o documento Indicadores do Desenvolvimento Sustentável, do Department for Environment, Food & Rural Affairs (DfES), do Reino Unido, sobre os objetivos da educação para o desenvolvimento sustentável.

Imaginemos, por exemplo, que o principal assunto da reunião da associação de moradores da qual Pedro é diretor fosse a construção de uma praça em um local doado pela prefeitura, onde havia funcionado uma fábrica de componentes fotográficos. Os resíduos dessa empresa representariam um risco, pois podem estar associados ao surgimento de determinados cânceres e os moradores teriam que tomar uma decisão, com base em informações recebidas de fontes diversas. Os antigos donos da fábrica poderiam dizer que não existe qualquer risco; especialistas, no entanto, certamente divergiriam sobre o tema.

Qualquer que seja o desfecho dessa história, para tomar a decisão, os moradores precisariam contar com uma boa base de conhecimentos sobre o assunto. Mesmo que não conheçam a priori o tema, poderiam buscar informações na Internet, entrevistar pessoas, consultar obras de referência, produzir boletins de esclarecimento à comunidade e receber propostas. Para isso, no entanto, é fundamental que tenham aprendido a ler (e não apenas a decifrar códigos), a buscar informações e julgá-las conforme a pertinência para a discussão, o que dificilmente se consegue sem passar "pelos bancos escolares".

Como se preparar

Se é verdade que o papel da educação para o desenvolvimento sustentável é cada vez mais amplamente reconhecido, as desigualdades entre os países continuam imensas. Mesmo entre os desenvolvidos, a situação não é homogênea. Mas nestes, pelo menos, os padrões de educação têm crescido significativamente.

No Reino Unido, segundo pesquisa do DfES, tem-se comprovado melhora crescente na qualificação dos estudantes nas últimas décadas. Em 2001, 76% dos jovens com 19 anos obtiveram qualificação de nível 2 no sistema de avaliação educacional britânico, em comparação com cerca de 45% que obtiveram a mesma qualificação em 1984 (veja gráfico abaixo). Proporções semelhantes se verificam no País de Gales (76%), Escócia (78%) e Irlanda do Norte (75%).

Há mais estudantes melhor qualificados hoje no Reino Unido.
Fonte: Headline Indicators - H5: Education. Department for Environment, Food & Rural Affairs. London: UK Government.

 

Nos países membros da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), começa-se a ir à escola cada vez mais cedo. Segundo estatísticas> do Centre for Educational Research and Innovation (CERI), mais de 75% das crianças com 3 anos de idade estão na escola (em tempo integral) na França, na Bélgica (flamenga) e Islândia, embora no Canadá, Coréia, Turquia e Suíça essa proporção ainda seja de menos de 15 % (veja gráfico). Neste caso, porém, seria preciso investigar outras razões possíveis (culturais, políticas) para explicar tal situação.


Educação pré-primária para crianças de 3 anos atinge grandes proporções em países como França, Itália, Bélgica, Islândia e Nova Zelândia.
Fonte: Starting Young, OECD Observer, 30/mar/2001.

 

Se tomarmos a escolaridade como parâmetro, a posição do Brasil não é exatamente confortável. Por um lado, aumentou o número de matriculados no ensino fundamental nos últimos anos. Mas o domínio da escrita e da leitura pelos alunos brasileiros, ao que parece, continua muito baixo. Pelo menos é o que mostram os resultados da última pesquisa do Programa para Avaliação Internacional de Estudantes (PISA) da OCDE, onde o Brasil aparece entre os que tiveram pior desempenho, atrás não só de países como Estados Unidos e Finlândia, mas também de Coréia e Hungria, que, afinal, não estão tão distantes de nós economicamente. O PISA, que mede o grau de alfabetização (litteracy) matemática, científica e de leitura e compara periodicamente o desempenho de alunos de um conjunto de mais de 30 países, pode até ser questionado como parâmetro único de comparação (seria necessário levar em conta outros dados), mas seus resultados não são negligenciáveis. Eles indicam que o problema de compreender um texto é mais complexo do que decodificar informações ou reconhecer dados e isto é ainda uma grande dificuldade para muitos indivíduos. No entanto, é um requisito para a cidadania e o desenvolvimento sustentável.

Uma das saídas que tem sido preconizada por alguns para superar o problema é aumentar o grau de participação da sociedade civil e desenvolver programas alternativos de educação. Algumas experiências interessantes certamente existem, como é o caso dos programas Casa Verde Builders, Environmental Corps, Cultural Warriors e American YouthWorks Charter School, do American Institute for Learning, ONG que funciona em Austin (Texas). Esses programas são baseados em metodologia de educação dirigida a projetos e oferecem treinamento em construção civil, artes, administração, ambientalismo e multimídia a jovens que potencialmente deixariam a escola (evitando, assim, a evasão escolar), ao mesmo tempo que estão coordenados com outras ações e programas mais "tradicionais", como cursos preparatórios para universidade, diploma de segundo grau (através de convênio com escolas da região) e mesmo alfabetização.

Legenda: Alunos dos programas da AIL.
Fonte: http://www.ail.org/.

No entanto, essas experiências estão longe de atingir um grande percentual da população, além de comportarem uma série de ambigüidades e dificuldades que as tornam insuficientes para suprir as necessidades de educação para o desenvolvimento sustentável. Como afirma o professor da Faculdade de Educação da USP, Pedro Jacobi, "as experiências que inovam a relação entre Estado e Sociedade Civil ainda estão longe de representar um paradigma de significativa repercussão no atual quadro brasileiro". No entanto, segundo o professor, tais experiências são necessárias num contexto democrático em que há necessidade de fortalecer a participação dos cidadãos, mas elas precisam contar com a disposição do Estado em implantar programas que a incentivem e em aceitar os conflitos. "Os desafios para ampliar a participação estão intrinsecamente vinculados à predisposição dos governos locais em criar espaços públicos e plurais de articulação e participação, nas quais os conflitos se tornam visíveis e as diferenças se confrontam", conclui (veja texto de Jacobi sobre o assunto, em pdf).

(MM)

Leia também: O papel das novas tecnologias.

Para saber mais
Headline indicators in the UK sustainable development strategy - Education
Estatísticas do Department for Environment, Food & Rural Affairs (UK).


Programme for International Student Assessment (PISA)
Para ver um resumo do relatório do PISA 2000 (publicado em dezembro de 2001) e comprar um exemplar (impresso ou em PDF).

American YouthWorks Charter School
Programa educativo da organização não-governamental AIL voltado aos jovens do distrito de Austin (Texas) para evitar a evasão escolar. O programa é baseado em metodologias como "Educação Baseada em Projeto" e "Aprendizagem por Serviços".

Banco de textos sobre desenvolvimento sustentável - Unilivre
Organização não-governamental que reúne pesquisadores de várias universidades e institutos de pesquisa brasileiros. O banco de textos reproduz também textos publicados em periódicos internacionais.

Procam/USP
Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental da USP, inclui disciplinas sobre Educação.

 

Atualizado em 10/03/2002

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