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Energia e Mudanças Climáticas: barreiras e oportunidades
Gilberto Jannuzzi
As mudanças climáticas globais e seus efeitos nos ecossistemas brasileiros
Enéas Salati, Ângelo dos Santos e Carlos Nobre
A Mata Atlântica e o aquecimento global
Carlos Joly
O Aquecimento Global e a Agricultura
Hilton Pinto, Eduardo Assad, Jurandir Zullo Jr e Orivaldo Brunini
O papel do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas
Fábio Feldmann
Poema:
Paradoxo
Carlos Vogt
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Créditos
  Mudanças Climáticas
O Aquecimento Global e a Agricultura

Hilton S. Pinto, Eduardo D. Assad,
Jurandir Zullo Jr e Orivaldo Brunini

O relatório do "Intergovernmental Panel on Climate Change" (IPCC, 2001a e 2001b), divulgado pela OMM/WMO-Pnue/Unep indica uma situação inquietante quanto ao aumento da temperatura no planeta. Considerando os efeitos naturais e antropogênicos no ajuste dos dados observados e simulados, a previsão é a de que a temperatura global deverá aumentar, nos próximos 100 anos, entre 1,4 e 5,8° C, tendo a média de 1990 como referência. Esse cenário, na realidade, complementa os estudos feitos anteriormente pelo próprio IPCC (1997), quando estimou um incremento na temperatura de 0,05° C por década, a partir das medições mais confiáveis que começaram a ser feitas nessa época. Verificou também que a precipitação havia aumentado de 0,5 a 1,0% por década, até o final do século XX, principalmente no hemisfério Norte. Na região tropical, compreendida entre 10o de latitude Norte até 10° de latitude Sul, esse incremento na precipitação foi de 0,2 a 0,3%. Várias foram as críticas quanto ao relatório final de 2001. As maiores discordâncias são apresentadas por Reilly et al (2001) que mostram sérias incongruências no Third Assessment Report - TAR. Esse relatório, afirma que centenas de cientistas contribuíram na sua elaboração mas, na realidade, muitos deles, listados como contribuintes, não foram consultados. A mais séria crítica desses autores refere-se aos resultados fundamentais obtidos pelo TAR, que projeta uma mudança da temperatura global entre 1,4º C e 5,8º C para o final do século XXI, sem qualquer validação estatística. Posteriormente, Webster et al (2001), com base em avaliações probabilísticas da sensibilidade do modelo, chegaram à conclusão de que, ao nível de 95% de intervalo de confiança, esses valores seriam 0,9º C e 5,3º C. Análises similares efetuadas por Wingley e Raper (2001) mostraram que, não havendo uma política de limitação dos efeitos antrópicos para minimizar o aquecimento global, o aumento da temperatura global entre 1990 e 2100, com cerca de 90% de probabilidade, seria entre 1,7º C e 4,9º C.

Clima e Comportamento Vegetal
O Relatório WGII - Summary for Policymakers - Impacts, Adaptation and Vulnerability - do IPCC (2001) é extremamente vago ao avaliar os possíveis impactos das alterações climáticas globais no comportamento dos cultivos agrícolas. Com referência à adaptação das plantas nas "médias latitudes" e o reflexo na produtividade, o relatório afirma apenas que a mudança climática levará a "respostas gerais positivas para variações menores do que alguns graus Celsius e respostas gerais negativas para mais do que alguns graus Celsius". Análises inconsistentes como essas, por parte do IPCC, induziram as críticas severas por parte de Reilly et al (2001) e Webster et al (2001), a exemplo do que já acontecera anteriormente com o relatório IPCC de 1995, avaliado por Gray (1997).

Considerando o cenário de aumento das temperaturas, pode-se admitir que, nas regiões climaticamente limítrofes àquelas de delimitação de cultivo adequado de plantas agrícolas, a anomalia positiva que venha a ocorrer será desfavorável ao desenvolvimento vegetal. Quanto maior a anomalia, menos apta se tornará a região, até o limite máximo de tolerância biológica ao calor. Por outro lado, outras culturas mais resistentes a altas temperaturas, provavelmente serão beneficiadas, até o seu limite próprio de tolerância ao estresse térmico. No caso de baixas temperaturas, regiões que atualmente sejam limitantes ao desenvolvimento de culturas susceptíveis a geadas, com o aumento do nível térmico devido ao aquecimento global passarão a exibir condições favoráveis ao desenvolvimento da planta. Um caso típico seria o da cultura cafeeira que poderá ser deslocada futuramente do Sudeste para o Sul do país.

No Brasil, poucos estudos foram feitos sobre o reflexo das mudanças climáticas e seus impactos na agricultura. Assad e Luchiari Jr. (1989) avaliaram as possíveis alterações de produtividade para as culturas de soja e milho em função de cenários de aumento e de redução de temperatura. Siqueira et al (1994 e 2000) apresentaram, para alguns pontos do Brasil, os efeitos das mudanças globais na produção de trigo, milho e soja. Uma primeira tentativa de identificar o impacto das mudanças do clima na produção regional foi feita por Pinto et al (1989 e 2001), onde simularam-se os efeitos das elevações das temperaturas e das chuvas no zoneamento do café para os Estados de São Paulo e Goiás. Observou-se uma drástica redução nas áreas com aptidão agroclimática, condenando a produção de café nestas regiões.

Outro aspecto a ser analisado refere-se ao efeito direto nas plantas, do aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera, que tem sido intensamente estudado pelos especialistas em fisiologia vegetal. É bem conhecido o funcionamento, no que diz respeito à atividade fotossintética, da concentração do dióxido de carbono no crescimento das plantas. A concentração do CO2 na atmosfera, sendo próxima de 300 ppm está bem abaixo da saturação para a maioria da plantas. Níveis excessivos, próximos de 1.000 ppm, passam a causar fitotoxidade. Nesse intervalo, de modo geral, o aumento do CO2 promove maior produtividade biológica nas plantas. Assad e Luchiari (1989), utilizando modelos fisiológicos simplificados, mostraram que essas variações são significativas nos cerrados brasileiros. Por exemplo, a temperatura média durante a estação chuvosa nessas regiões - de outubro a abril - é de 22º C, tendo um máximo de 26,7º C e um mínimo de 17,6º C. Supondo que um aumento da concentração de CO2 provocasse um aumento de 5º C na temperatura, as plantas do tipo C4, como o milho e o sorgo, aumentariam a produtividade potencial em pelo menos 10 Kg/ha/dia de grãos secos. Para as plantas tipo C3 - soja, feijão, trigo - esse aumento seria menor, da ordem de 2 a 3 Kg/ha/dia de grãos secos.

Alteração Climática no Sul e Sudeste do Brasil
Uma avaliação da variabilidade climática ao longo do tempo no Brasil, mostra que, dependendo da região analisada, podem ocorrer alterações contínuas ou ciclos bem demarcados dos elementos meteorológicos, como as chuvas ou as temperaturas no estado de São Paulo (Pinto et al, 1989). A figura 1 abaixo, mostra o comportamento das chuvas médias anuais na região de Campinas, SP, desde 1890, com dados amaciados através do cálculo de média móvel de ordem 10.

Pode-se observar que não existe uma alteração, com tendência secular, de aumento ou decréscimo nos totais pluviométricos, mas sim uma oscilação cíclica passando por um mínimo de 1000 milímetros e um máximo de 1700 milímetros em fases de cerca de 35 anos. Medidas diárias efetuadas entre 1940 e 1997 pelo DAEE, em 391 estações pluviométricas distribuídas pelo estado de São Paulo, após analisadas quanto à consistência, homogeneizadas e consolidadas em médias anuais, também na forma de média móvel - ordem 10 - estão representadas na mesma figura 1. Pode-se observar que existe uma clara tendência de ajuste das duas curvas, permitindo inferir que, possivelmente, o comportamento hidrológico da região de Campinas é bastante semelhante ao do estado. Observa-se ainda na mesma figura, que a diminuição da cobertura florestal natural, de cerca de 82% para 5%, desde o início até o final do século, não provocou alteração no regime pluviométrico.

A figura 2, elaborada com dados termométricos observados entre 1890 e 2000 no Centro Experimental do Instituto Agronômico de Campinas, mostra um acréscimo significativo de cerca de 0,02º C/ano na temperatura média mínima anual, ou seja, um aumento de 2º C nos últimos 100 anos.

Deve-se salientar que essa variação não foi causada, necessariamente, pelo aumento do teor de dióxido de carbono na atmosfera, uma vez que a taxa de crescimento está distribuída uniformemente por todo o período. Fatores astronômicos podem ter sido a causa principal (Gusev et al, 1995 e Pugacheva et al, 1995).

As figuras 3 e 4 mostram as variações das temperaturas médias mínimas em Pelotas-RS e Sete Lagoas-MG, com gradientes de aproximadamente 0,008º C/ano e 0,02º C/ano respectivamente.

Pode-se observar que a variação das temperaturas em Pelotas é muito menor do que a observada em Sete Lagoas e Campinas, explicada provavelmente pela maior freqüência de entrada de frentes frias no Sul do país, que passam pelo Rio Grande do Sul mas não chegam a atingir as áreas acima do Trópico de Capricórnio.

Procurando avaliar o efeito da variação das temperaturas sobre a agricultura nos próximos 100 anos, de acordo com as conclusões do IPCC 2001, tomou-se como exemplo a cultura do café no estado de São Paulo. A figura 5 abaixo mostra a variação nas áreas de cultivo consideradas como potencialmente aptas ao café arábica nas condições climáticas atuais, com temperaturas médias 1º C, 3º C e 5,8º C acima da média de 1990 e chuvas 15% maiores.

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Figura 5. Mapas do potencial de cultivo do café arábica nas condições climáticas atuais e simuladas para alterações de chuvas com aumento de 15% e de temperaturas com 1º C, 3º C e 5,8º C acima da média de 1990.

Pode-se observar nos mapas que as áreas de inaptidão para a cultura cafeeira em função das temperaturas máximas suportadas pelas plantas - 23º C de média anual - aumentam significativamente até o final do século, deslocando a cultura progressivamente para o Sul e para áreas mais elevadas, em busca de clima mais ameno. A incidência de geadas, por outro lado, diminui drasticamente.

A tabela 1 abaixo, confeccionada a partir da Figura 5, mostra que o potencial atual de cultivo econômico de café arábica no estado de São Paulo corresponde a uma área de 97.848Km2 ou seja, 39,4% da área do estado. São consideradas como restritas, por geadas, áreas correspondentes a 57.428 Km2 e por temperaturas elevadas, 39.604 Km2. Supondo 1º C de aumento médio da temperatura e 15% nas chuvas, a área apta para o café passa a ser de 74.426 Km2, ou cerca de 10% menor do que a atual. A área restrita por geadas passa a ser de 17.394 Km2 e por temperaturas elevadas aumenta para 54.387 Km2. No caso de aumento de 3º C, as áreas com restrição diminuem para 38.240 Km2 mas a faixa inapta cresce para 173.211 Km2. No caso extremo considerado pelo IPCC, de 5,8º C de aumento da temperatura e 15% de chuvas, a área apta fica sendo de apenas 2.738 Km2, ou 1,1% do estado. As áreas restritas temperaturas elevadas são caracterizadas por temperaturas médias anuais acima de 23º C.

CONDIÇÃO APTO APTO C/ IRRIGAÇÃO RESTR.GEADAS RESTR.TEMP. ELEVADA INAPTA
ATUAL 97.84839,4 7060,3 57.42823,1 39.60415,9 53.01321,3
+1C 74.42630,0 4,00,01 17.3947,0 54.38721,9 102.38941,1
+3C 37.15314,9 00,0 00,0 38,24015,4 173.21169,7
+5,8C 2.7381,1 450,02 00,0 5.5162,2 240.30196,7
Tabela 1. Áreas, em Km2 e porcentagem, disponíveis ao plantio de café no estado de São Paulo com condições climáticas distintas, atuais e simuladas para 15% de aumento das chuvas e de 1º C, 3º C e 5,8º C na temperatura.

Bibliografia

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Atualizado em 10/08/2002
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