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Energia: o quê é isso?

Mario Oscar Cencig

1. O conceito de energia

Segundo o "mestre Aurélio" (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Editora Nova Fronteira):

Energia. [Do gr. energéia, pelo lat. energia]. 1. Maneira como se exerce uma força. 2. Força moral; firmeza. 3. Vigor, força. 4. Filos. Segundo Aristóteles, o exercício mesmo da atividade, em oposição à potência da atividade e, pois, à forma; energéia. 5. Fís. Propriedade de um sistema que lhe permite realizar trabalho. [A energia pode ter várias formas (calorífica, cinética, elétrica, eletromagnética, mecânica, potencial, química, radiante), transformáveis umas nas outras, e cada uma capaz de provocar fenômenos bem determinados e característicos nos sistemas físicos. Em todas as transformações de energia há completa conservação dela, i. e., a energia não pode ser criada, mas apenas transformada (primeiro princípio da termodinâmica). A massa de um corpo pode-se transformar em energia, e a energia sob forma radiante pode transformar-se em um corpúsculo com massa.]

Quer dizer, "propriedade de um sistema que lhe permite realizar trabalho", ou seja, pode-se obter alguma utilidade dela, e é importante compreender que trata-se de formas de energia (isto é, diversas manifestações) que se transformam umas nas outras, isto é, o que há são fluxos de energia.

A energia flui de forma contínua, em ambas direções, através do meio que rodeia a Terra. A fonte principal de energia é a radiação do Sol, acrescida de pequenas quantidades de calor provindas do interior do planeta e da energia das marés devidas à interação gravitacional da Terra com o Sol e a Lua. Da radiação solar, aproximadamente trinta por cento é refletida de volta para o espaço. Quase cinqüenta por cento é absorvida pela atmosfera, pela a superfície terrestre e pelos oceanos e convertida em calor. Alguma coisa por volta de vinte por cento participa nos ciclos hidrológicos (evaporação, precipitação e circulação da água); resta uma pequena fração causadora dos ventos e das ondas do mar, sendo uma fração ainda menor a que se incorpora à biomassa do planeta, através do processo de fotossíntese que acontece nas folhas verdes das plantas.

Foi essa pequeníssima fração, "corporizada" nos seres vivos, que nos últimos 600 milhões de anos deu lugar (através de complexos fenômenos bioquímicos, geológicos, mecânicos, etc.) aos combustíveis fósseis, petróleo, carvão mineral e gás natural.

Assim, no fenômeno de geração de eletricidade a partir de um rio, a turbina colocada no caminho da água realiza a transformação do seu movimento (energia cinética) em energia elétrica. Em uma central termoelétrica a gás, é realizada a transformação da energia química das moléculas que constituem o gás natural primeiro em energia mecânica e depois em energia elétrica. No carro, essa energia química (seja da gasolina ou do álcool) é transformada em movimento (energia mecânica e cinética). Num churrasco, a energia química do carvão vegetal (ou da lenha) se transforma no calor que cozinha a carne.

Nesses exemplos, podem ser identificadas diversas partes. Por um lado, as "fontes" de energia: a água do rio, o gás natural, a gasolina, o álcool, o carvão vegetal, a lenha; por outro, a "máquina" na qual se processa a transformação de uma forma de energia em outra: a turbina, a caldeira, o motor, a churrasqueira. Finalmente, a utilização que se faz (consumo de energia) para ter o produto que se deseja: os eletrodomésticos "movidos" a eletricidade, o carro em movimento, a carne que alimenta.

Analisando as fontes, observa-se que algumas são "primárias", no sentido que são providas pela natureza na sua forma direta e são utilizadas diretamente ou dão lugar a uma outra forma que é a que será utilizada. Assim, são fontes primárias de energia o petróleo, o gás natural, o carvão mineral, a lenha (biomassa em geral), o urânio, a água (energia hidráulica), o sol, o vento, etc. São "secundárias": a eletricidade, a gasolina, o carvão vegetal, o álcool, etc.

Portanto, identificam-se várias fases: a "produção" ou "geração" de energia, a sua "distribuição", e o seu "consumo" ou utilização final, fases essas que devem estar em sintonia para que "a energia possa fluir harmoniosamente" desde sua fonte até a sua utilização, o que quer dizer que é necessário haver um planejamento de todas as etapas e processos que ajuste a produção e o consumo tendo no meio a distribuição. A atual crise de energia elétrica ("falta de eletricidade") foi provocada por um crescimento da "oferta" menor que a necessária para atender ao crescimento da "demanda".

2. Reservas Energéticas

Começando pelo lado da oferta de energia, uma questão importante é a das reservas energéticas. Trata-se da "quantidade existente" de um determinado recurso, medida em unidades apropriadas. À primeira vista, pareceria ser uma questão simples: tratar-se-ia de uma magnitude física, que pode ser medida em termos de massa (quilogramas, metros cúbicos, litros, etc.) ou no seu equivalente em energia (kilocalorias, joules, B.T.U., etc.), o que não deixa de ser verdadeiro, porém é um pouco mais complexo. Do total desse recurso energético existente na natureza, o que interessa é aquela parte que pode ser utilizada, e isto é algo que depende do estado da tecnologia e do valor econômico fixado pelo estágio de desenvolvimento da sociedade.

Pode-se entender melhor esse conceito com o exemplo de um barril de petróleo. Quando se expressa que um determinado poço de petróleo tem "uma capacidade de N milhões de barris de petróleo", na verdade isso significa que essa quantidade é a que poderia ser extraída com a tecnologia utilizada hoje e pagando o preço de mercado atual, não quer dizer que seja todo o petróleo que há no fundo do poço. Sem dúvida que há lá dentro mais petróleo, a questão é "quanto teria que se pagar para tirar 'até a última gota' desse poço?". Assim, se se dispuser a pagar um valor maior pelo barril ou houver uma mudança tecnológica que possibilite 'tirar mais pelo mesmo preço', isso teria como reflexo um número diferente para o valor quantificado dessa reserva. Da mesma maneira o carvão mineral, ele pode estar em uma mina a céu aberto, a 100 m de profundidade ou a 2.000 m de profundidade, o que obviamente vai influir sobre a "quantidade passível de ser explorada", dependendo da tecnologia existente e do preço a ser pago.

Assim, foi estabelecida uma convenção para indicar esses diversos "graus de utilidade", terminologias que dependem da fonte de energia em questão, mas que no geral classificam a disponibilidade em dois blocos: as reservas "medidas / indicadas / inventariadas", e as "inferidas / estimadas".

Com esse comentário, as reservas energéticas de Brasil levantadas até 31 de dezembro de 1999 (o dado mais atual disponível no Balanço Energético Nacional, consolidado pelo Ministério das Minas e Energia - MME) estão indicadas na tabela a seguir:

Tabela 1. Recursos e Reservas Energéticas Brasileiras em 31/12/1999 (1)

Especificação
Unidades
Medidas /
Indicadas /
Inventariadas

Inferidas
/ Estimadas

TOTAL
Equivalência Energética
mil tep (6)
Petróleo
mil m³
1.296.273
977.427
2.273.700
1.127.758
Gás Natural
milhões m³
231.233
172.637
403.870
223.834
Óleo de Xisto
mil m³
445.100
9.402.000
9.847.100
382.786
Gás de Xisto
milhões m3
111.000
2.353.000
2.464.000
104.340
Carvão Mineral (in situ)
milhões t
10.131
22.239
32.370
2.560.104 (2)
Hidráulica
GW ano (3)
92,9
50,5
143,4
236.003 ano
Energia Nuclear
t U3O8
177.500
131.870
309.370
1.236.287 (4)
Turfa (5)
mil t
129.330
357.960
487.290
40.092
(1) Não inclui demais recursos energéticos renováveis.
(2) Coeficiente de conversão variáveis e admitindo recuperação média de 70 % e poder calorífico médio de 3.900 kcal/kg.
(3) Energia firme.
(4) Consideradas as perdas de mineração e beneficiamento e sem considerar a reciclagem de plutônio e urânio natural.
(5) Turfa energética seca com poder calorífico médio de 3.350 kcal/kg.
(6) Calculado sobre as reservas medidas/indicadas inventariadas.

A última coluna da tabela estabelece a comparação entre as diversas fontes quanto ao seu valor energético, sobre uma base comum - tep - que significa "toneladas equivalentes de petróleo". Isto é, a referência é o petróleo, os outros são medidos em relação a ele, e o valor reflete o poder calorífico do material com as considerações indicadas nas notas da tabela. Com esses critérios, o carvão mineral é o energético mais abundante, seguido pela energia nuclear.
Observa-se que o valor para a energia hidráulica está dado em "tep ano", a diferença das outras fontes. Isso porque todas as outras são "esgotáveis", isto é, a sua velocidade de formação é muito menor que a do seu consumo e, assim, chegará um momento no futuro em que ´não haverá mais´ desse material; é por isso que são chamadas de não renováveis, ou também fósseis, e a sua quantidade é finita e quantificável em termos absolutos.

Pelo contrário, as energias hidráulica, eólica, solar, etc. assim como a biomassa são chamadas renováveis, na medida que fazem parte de processos naturais cíclicos que as mantém sempre presentes, pelo menos enquanto a ação do homem não supere um determinado patamar de perturbação desses processos; assim, a unidade apropriada é a sua quantidade num determinado intervalo de tempo.

3. Oferta de energia

Considerando a produção interna de energéticos e a importação, a evolução da oferta interna de energia desde 1940 é mostrada na figura, os valores são expressos em mil tep. Observa-se que os maiores crescimentos foram do petróleo e da energia hidráulica.

As duas figuras seguintes ilustram, a primeira, essa evolução em termos percentuais, e a segunda uma "fotografia" da situação atual.


Oferta interna de energia em 1999
(em %)

 

Pode-se observar a transformação da oferta de energia no país, que passou da lenha nos anos 40 ao petróleo e à energia hidráulica na atualidade, com um valor para a oferta interna de 253.3352 mil tep para o mês de dezembro de 1999 (considerando o equivalente térmico para a eletricidade de 1 kWh = 3.132 kcal com a metodologia do balanço energético nacional)

Em termos mundiais, a oferta de energia - de 9.521 milhões de tep - por fonte para o ano de 1997 foi a seguinte: 35,8 % petróleo, 20,1 % gás natural, 23,7 % carvão mineral, 6,6 % nuclear, 2,3 % hidráulica, 11,1 % energias renováveis, e 0,4 % de outras. Em termos regionais, essa oferta foi assim distribuída: 53,2 % na OECD, 11,7 % China, 11 % Ásia, 9,5 % antiga URSS, 5 % África, 4,6 % América Latina, 3,7 % Oriente Médio, 1,3 % europeus não OECD.

4. Consumo de energia

Na outra ponta, o consumo energético do país está mostrado nas figuras seguintes, a primeira sendo uma "fotografia" da situação atual (em termos percentuais), e as outras mostrando a evolução nas duas últimas décadas.

Observa-se que o consumo brasileiro - que foi de 231.086 mil tep em dezembro de 1999 - está baseado no tripé seguinte, cada um com uma contribuição equivalente: um terço é dos derivados de petróleo (e gás natural), um outro é a eletricidade, e o terceiro a biomassa (lenha/carvão vegetal, bagaço de cana, álcool). O carvão mineral contribui com apenas 5 % a pesar de ser o recurso mais abundante.

Para completar o panorama do consumo energético brasileiro, as figuras seguintes ilustram o consumo para cada um dos setores de atividade, na primeira os valores são expressos em mil tep e na segunda, em %.

5. Dependência de energia

A comparação da oferta interna de energia - 253.3352 mil tep para o mês de dezembro de 1999 - com o consumo para o mesmo período - 231.086 mil tep - deve ser avaliada com cuidado, pois a oferta está constituída, na verdade, pela produção própria e pela importação, e essa relação pode ser observada na figura seguinte que mostra a evolução da dependência externa de energia nos últimos 25 anos.

Observa-se que são três os componentes dessa dependência: petróleo, carvão metalúrgico e eletricidade. Os valores estão expressos em %.

6. Breve panorama internacional

Em termos mundiais, a oferta de energia - de 9.521 milhões de tep - por fonte para o ano de 1997 foi a seguinte: 35,8 % petróleo, 20,1 % gás natural, 23,7 % carvão mineral, 6,6 % nuclear, 2,3 % hidráulica, 11,1 % energias renováveis, e 0,4 % de outras. Em termos regionais, essa oferta foi assim distribuída: 53,2 % na OECD, 11,7 % China, 11 % Ásia, 9,5 % antiga URSS, 5 % África, 4,6 % América Latina, 3,7 % Oriente Médio, 1,3 % europeus não OECD.

A situação mundial apresentou para o ano de 1997 um consumo de 6.660 milhões de tep, assim distribuído entre as diversas fontes: 42,4 % petróleo, 15,7 % gás natural, 14,1 % energias renováveis, 14,8 % eletricidade, 9,5 % carvão mineral, e 3,5 % de outras.

Para os principais energéticos, a situação é a seguinte:

Petróleo. Os principais produtores, pela ordem, são: Arábia Saudita, EUA, Rússia, Irã, México, Venezuela, China. Exportadores: Arábia Saudita, Noruega, Rússia, Irã, Venezuela. Importadores: EUA, Japão, Coréia, Alemanha, França, Itália, Países Baixos, Espanha, Singapura, Reino Unido.
Gás natural. Os principais produtores, pela ordem, são: Rússia, EUA, Canadá, Reino Unido, Países Baixos, Algéria, Indonésia. Exportadores: Rússia, Canadá, Algéria, Países Baixos, Noruega, Indonésia. Importadores: Alemanha, EUA, Japão, Ucrânia, Itália, França.
Carvão mineral. Os dois principais produtores, pela ordem, são China e EUA, seguidos por Índia, África do Sul e Austrália. Exportadores: Austrália é o principal, seguido EUA e África do Sul. Importadores: o principal é Japão.
Geração hidráulica. Os principais produtores, pela ordem, são: Canadá, EUA e Brasil, seguidos por China, Rússia e Noruega.
Eletricidade. Os principais produtores, pela ordem, são: EUA, China e Japão, seguidos por Rússia e Canadá, Brasil ocupa o décimo lugar. Exportadores: França, Paraguai, Canadá, Alemanha. Importadores: EUA, Brasil, Itália, Alemanha.

7. Energia útil

Os dados apresentados até aqui, na medida em que se ajustam à lei de conservação (primeira lei da termodinâmica) mostram uma espécie de "balanço contábil" dos fluxos de energia.

Porém, nem todo o consumo de energia "é útil", e o quê isso quer dizer?

Analisando, como exemplo, o funcionamento de um veículo, observa-se o seguinte. O combustível (gasolina, álcool) "queima" dentro do motor (de explosão) do carro isto é, se combina quimicamente com oxigênio dando lugar ao movimento mecânico do eixo e à emissão de dióxido de carbono, água e calor. O que se verifica é que somente um terço aproximadamente da energia química do combustível se transforma em movimento (energia cinética) sendo a maior parte a que constitui o calor que é retirado do motor pela água de refrigeração e depois enviada para o ambiente através da troca de calor que acontece no radiador, ou seja "é perdida" do ponto de vista do seu aproveitamento para movimentar o veículo.

Essa perda é inerente aos processos de transformação de uma forma de energia em outra, em maior ou menor medida uma parte da energia é transformada em calor e não pode ser recuperada depois, o que constitui a essência da segunda lei da termodinâmica. Assim, o que pode ser feito é agir sobre a eficiência dos processos, isto é, minimizar essas perdas em forma de calor.

O Ministério de Minas e Energia realizou um "balanço de energia útil" em 1983 e em 1993, e as figuras a seguir ilustram uma pequena parte do trabalho realizado, os dados correspondem ao último ano citado.

8. Energia e Ambiente

Finalmente, alguns breves comentários sobre a questão ambiental. As obras energéticas, assim como as outras atividades humanas, têm um impacto sobre o meio ambiente, que será maior ou menor dependendo da forma como essa obra seja realizada.

A queima de combustíveis (petróleo, carvão, lenha, gasolina, gás natural, etc.) produz, além do calor, um conjunto de compostos que são liberados ao ambiente ao redor e que podem se espalhar a longas distâncias; em uma situação ideal os "sub-produtos" seriam dois, dióxido de carbono e água, os quais aumentariam assim a sua concentração no planeta, mas nas situações reais eles são acompanhados de outros compostos e materiais mais agressivos para os seres vivos e o ambiente, como óxidos de enxofre, óxidos de nitrogênio, compostos orgânicos dos mais diversos tipos (dioxinas, organoclorados, etc.), partículas sólidas, etc. Isso é o que acontece de fato nas caldeiras, nos motores dos carros, nas centrais termoelétricas, nos aquecedores a gás e outros dispositivos utilizados pelas sociedades humanas.

Da mesma forma, uma central termonuclear para geração de energia. No seu funcionamento, ela não produz dióxido de carbono, mas sim produtos radiativos cujo manuseio e estocagem é o seu grande problema.

Uma central hidroelétrica, se a barragem é de grande porte, vai ocasionar impactos ambientais consideráveis, o país já conhece exemplos disso.

Há que contar, também, as etapas prévias necessárias para o obtenção e preparação do material em questão, como por exemplo a exploração, mineração (que inclui, por exemplo, a extração do silício necessário para a construção das células fotovoltaicas no caso desse tipo de aproveitamento da energia solar), e a deposição dos resíduos (cinzas, material radiativo, etc.) que "sobram" dos processos.

Mario Oscar Cencig é pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE) da Unicamp.

Atualizado em 10/07/2001

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