Editorial:

Fármacos e Medicamentos: Urgências
Carlos Vogt

Reportagens:
Genéricos são a linha de frente da política de medicamentos
Instrumentos de regulamentação dos genéricos
Descentralização na distribuição de medicamentos enfrenta falta de estrutura
Luta contra a Aids terá de buscar novas formas de financiamento
Aids nos países pobres: lições da experiência brasileira
Poder das
multinacionais inibe a indústria brasileira
Inovação e fomento à indústria estão entre os principais desafios
Fundação produz medicamentos de qualidade para a população carente
Falta de garantia faz Ministério acabar
com os similares
Investimento em pesquisa de fármacos
no Brasil ainda é pequeno
A questão das
patentes na política brasileira de fármacos
Conhecimento tradicional e direito à propriedade intelectual
Fitoterápiocos: o mito
do natural
Artigos:
Aproveitamento das inovações farmacêuticas no Brasil
Antônio Camargo

Fitoterápicos: alternativa para o Brasil
Lauro Barata

Cronofarmacologia e Melatonina - o hormônio que marca o escuro
Regina Pekelmann Markus
Farmacologia perde integração com a cultura
Ulisses Capozoli
Notícias e "notícias" na comunicação pública da saúde
Isaac Epstein
Inovação e Gestão em um Mundo Globalizado
Antônio Buainain
Sergio Paulino de Carvalho

Acesso aos antiretrovirais na América Central
Eloan Pinheiro
Fernanda Macedo
Cristina D'Almeida

Poema
Bibliografia
Créditos

Incentivo à inovação e política de fomento à indústria estão entre os principais desafios ao desenvolvimento

Dentre as estratégias para reduzir o preço dos medicamentos, a substituição da importação pela produção local é, sem dúvida, uma das mais importantes. O caso dos anti-retrovirais (ARV) não protegidos por patente é prova disto. Fabricados desde 1993 no Brasil, eles tiveram redução de 72%, contra 9,6% dos medicamentos importados, segundo documento do Ministério da Saúde. Mas se é verdade que a indústria farmacêutica cresceu significativamente na década de 90, respondendo hoje por aproximadamente 90% do que é consumido no país (dados da Associação Brasileira da Indústria Farmoquímica - Abiquif), o contrário se deu para a indústria farmoquímica (responsável pela fabricação dos princípios ativos e intermediários), cujo desenvolvimento foi praticamente nulo. Atualmente, 82% dos farmoquímicos utilizados na fabricação de medicamentos são importados, ainda segundo os dados da Abiquif. A atividade do setor farmacêutico no Brasil consiste, basicamente, em misturar os componentes para dar a forma final de apresentação aos medicamentos (comprimido, pó, líquido etc). Com relação aos componentes mais caros, a situação do país continua sendo de forte dependência externa.

Resolver a disparidade entre indústria farmacêutica e indústria farmoquímica está no centro das discussões sobre o futuro do setor de fármacos no Brasil. A necessidade de atuação do governo, através de uma política de incentivo à pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de incentivo à indústria nacional, tem sido recorrentemente apontada como requisito para solucionar o problema. "A adoção dos genéricos como política de medicamentos atenua a exclusão social, mas não garante o acesso dos mais pobres às inovações terapêuticas recentes, muitas de uso preventivo", salienta o Diretor do Laboratório de Avaliação de Substâncias Bioativas (LassBio) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eliezer Barreiro.

O tema esteve entre os principais tópicos da recente Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em Brasília, de 18 a 21 de setembro. Na ocasião, vários participantes reforçaram a necessidade de ações específicas e urgentes para o setor farmoquímico brasileiro. Sugestões concretas começam a aparecer. Tomando em conta o modelo indiano (considerado bem sucedido) de desenvolvimento da indústria farmoquímica, a diretora do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Far-Manguinhos) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Eloan dos Santos Pinheiro, fez as seguintes propostas para o fortalecimento dessa indústria (veja o texto apresentado):

  • Instituição de uma agência governamental de fomento às atividades de P&D voltadas para o setor farmoquímico;
  • Estabelecimento de parcerias entre os setores público e privado, nacional e internacionalmente, visando ao intercâmbio de conhecimentos, serviços e tecnologias;
  • Fortalecimento das inter-relações comerciais com os países em desenvolvimento que realizem atividades nos setores farmoquímico e farmacêutico;
  • Estabelecimento de uma política de incentivos fiscais e juros subsidiados ao setor privado, para a produção de farmoquímicos;
  • Incentivo à capacitação do setor público


Opiniões dos cientistas

Pesquisadores de centros de referência na investigação de novos fármacos no Brasil concordam com a necessidade de uma política de fomento para o setor, ressaltando a insuficiência das medidas atuais.

Transformar a condição do país de "mercado" para "produtor de inovações" é, segundo Eliezer Barreiro, essencial para garantir o acesso da população mais pobre a novos medicamentos. "Diz-se que os custos da descoberta de um novo fármaco atingem milhões de dólares! É caro! Entretanto, não é inteligente acreditar que todos os medicamentos, independentemente da classe terapêutica a que pertencem, custem a mesma coisa para serem descobertos. O fato é que para descobrir, criar ou inovar é preciso investir em C&T e na formação de recursos humanos qualificados, o que o governo teria de fazer melhorando as condições das universidades federais, onde está a maior parte da pesquisa inovadora no Brasil", afirma.

Para o Diretor do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT) do Instituto Butantã, Antônio Camargo, "fazer o medicamento ir do laboratório à prateleira da farmácia é hoje, no Brasil, uma grande dificuldade. Falta interação entre os centros de pesquisa e a indústria. Falta também uma política de fomento para o desenvolvimento de produtos feitos a partir de resultados da pesquisa brasileira. Sem dinheiro público não será possível desenvolver a indústria farmacêutica no Brasil". Camargo salienta, ainda, a necessidade de proteger as inovações resultantes da pesquisa nacional. "Ainda não nos acostumamos, ao contrário dos países desenvolvidos, a incluir o patenteamento de nossas invenções nos procedimentos regulares de pesquisa. Os resultados da pesquisa são publicados em revistas científicas internacionais, mas a patente não é depositada e eles acabam virando receita para outros países desenvolverem novos produtos a partir do conhecimento gerado aqui", diz. (veja entrevista completa com Geraldo Biasoto Junior)

O secretário de gestão de investimentos em saúde do Ministério da Saúde, Geraldo Biasoto, rebate as críticas dizendo que é preciso, antes de mais nada, fortalecer a indústria farmacêutica nacional. "De que adianta constituir uma indústria farmoquímica forte se não há no setor privado um consumidor [a indústria farmacêutica] desses produtos? Foi o que aconteceu nos anos 70, quando os compradores da indústria farmoquímica brasileira eram as multinacionais [que se beneficiavam dos preços baixos devido aos subsídios dados a essa indústria]. Para haver uma política mais efetiva é preciso trabalhar nas duas pontas", argumenta. Biasoto vê a política dos genéricos como um "grande avanço" para o setor e acredita que com o desenvolvimento das empresas produtoras de medicamentos, começará a haver mais investimentos em pesquisa e desenvolvimento. "É 'lógico' que temos de conseguir mecanismos de apoio e financiamento ao desenvolvimento tecnológico dessas empresas, mas já é um primeiro passo que elas tenham corpo, que tenham peso no mercado", afirma.

Por outro lado, o secretário vê a inovação no setor farmacêutico como um papel das multinacionais, essencialmente. "O laboratório multinacional tem uma função, que é transferir para outros países produtos inovadores que ele cria internacionalmente", sustenta. O Brasil pode, segundo ele, inovar em "muitos nichos", mas dificilmente conseguirá competir com o potencial de investimento dos grandes laboratórios.

Desafios do investimento em pesquisa

Embora a inovação seja essencial para o desenvolvimento do setor farmacêutico e farmoquímico, investir na pesquisa de novos fármacos não tem resposta simples, nem efeitos imediatos.

Vale lembrar que a produção de um medicamento envolve quatro estágios principais, como explicam Sérgio Queiroz e Alexis Velásquez, no recém lançado Brasil: radiografia da saúde (veja resenha):

  • 1º estágio: Desenvolvimento de um novo fármaco (princípio ativo). Escala laboratorial. É a mais cara e complexa etapa. Gastos podem chegar a US$500 milhões (este valor, no entanto, é contestável. Veja texto sobre o assunto);
  • 2º estágio: Produção do fármaco em escala industria;
  • 3º estágio: Produção do medicamento (fármaco + adjuvante) em sua forma final de apresentação (comprimido, líquido, pó etc);
  • 4º estágio: Marketing e comercialização

Entre o início de uma pesquisa e a colocação do produto no mercado são necessários, em geral, muitos anos. Só entre produção laboratorial, testes pré-clínicos e testes clínicos gasta-se, em média, cerca de 10 anos. Isto, porém, só reforça a necessidade de políticas públicas eficientes. Queiroz e Velásquez sugerem, entre outras diretrizes, uma "preocupação especial" com as condições de "oferta" técnico-científica (infra-estrutura e mão-de-obra qualificadas); o aumento de porte das empresas farmacêuticas nacionais, através de fusões, para permitir o investimento em pesquisa e desenvolvimento; e o melhor aproveitamento dos fitoterápicos (em que o país tem potencial destacado).

Uma das soluções para o Brasil é, segundo Antônio Camargo, concentrar os esforços de pesquisa no bom aproveitamento dos recursos naturais. "Não é possível pensar que poderemos competir com a indústria farmacêutica multinacional em todas as áreas, já que a capacidade de investimento em P&D dessa indústria supera largamente as possibilidades do Brasil. Uma solução seria, então, investir em áreas onde o país já possui recursos humanos capacitados e na exploração de métodos que aproveitem o potencial da biodiversidade brasileira, como a pesquisa de produtos naturais ", salienta.

O investimento em pesquisa implica em riscos. O processo é longo, caro e de resultados incertos. Além disso, é preciso decidir quanto ao método a ser utilizado (modelagem molecular, estudo de produtos naturais, biotecnologia, entre outros), cuja eficácia depende de inúmeras variáveis: tipo de doença, tempo disponível, experiência dos pesquisadores com a técnica, estado da arte da pesquisa relativa a determinada classe de fármacos etc. Mas o resultado pode ser compensador.

Dois exemplos são os fármacos Evasin (anti-hipertensivo), desenvolvido pelo CAT/Butantã, e LASSBio-294 (que atua no aumento das contrações cardíacas), do LassBio/UFRJ. O primeiro, baseado na pesquisa de um produto natural, teve sua patente depositada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em março de 2001 e o segundo, desenvolvido a partir de modelagem molecular, em 1999. Ambos aguardam aprovação. Eles deverão ser patenteados também nos EUA e União Européia (o pedido para o LassBio-294 já foi depositado no US Patent Office). Se as pesquisas continuarem e eles forem produzidos industrialmente, poderão representar significativa diminuição do preço de medicamentos que estão entre os mais caros e mais utilizados no Brasil.

Leia mais sobre o Evasin, o Lassbio-294 e a pesquisa com produtos naturais.

(MM)

Para saber mais:

Consumer Project on Technology (CPT)
Organização não-governamental norte-americana que trata de direitos da propriedade intelectual e cuidados médicos, comércio eletrônico e políticas públicas. Muitos documentos relevantes sobre o tema, inclusive histórico sobre o crescimento da indústria farmacêutica no mundo, disponíveis em .PDF.
Apartheid médical? - Revista La Recherche nº342
Artigo de Olivier Postel-Vinay, editor da revista, criticando o alto preço dos medicamentos no mercado mundial. Cita o esforço do Brasil em reduzir esses preços e garantir a distribuição à população.


Atualizado em 10/10/2001

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