Editorial:

Fármacos e Medicamentos: Urgências
Carlos Vogt

Reportagens:
Genéricos são a linha de frente da política de medicamentos
Instrumentos de regulamentação dos genéricos
Descentralização na distribuição de medicamentos enfrenta falta de estrutura
Luta contra a Aids terá de buscar novas formas de financiamento
Aids nos países pobres: lições da experiência brasileira
Poder das
multinacionais inibe a indústria brasileira
Inovação e fomento à indústria estão entre os principais desafios
Fundação produz medicamentos de qualidade para a população carente
Falta de garantia faz Ministério acabar
com os similares
Investimento em pesquisa de fármacos
no Brasil ainda é pequeno
A questão das
patentes na política brasileira de fármacos
Conhecimento tradicional e direito à propriedade intelectual
Fitoterápiocos: o mito
do natural
Artigos:
Aproveitamento das inovações farmacêuticas no Brasil
Antônio Camargo

Fitoterápicos: alternativa para o Brasil
Lauro Barata

Cronofarmacologia e Melatonina - o hormônio que marca o escuro
Regina Pekelmann Markus
Farmacologia perde integração com a cultura
Ulisses Capozoli
Notícias e "notícias" na comunicação pública da saúde
Isaac Epstein
Inovação e Gestão em um Mundo Globalizado
Antônio Buainain
Sergio Paulino de Carvalho

Acesso aos antiretrovirais na América Central
Eloan Pinheiro
Fernanda Macedo
Cristina D'Almeida

Poema
Bibliografia
Créditos

A questão das patentes na política brasileira de fármacos

O governo brasileiro conseguiu o apoio de mais de 52 países para levar a discussão sobre patentes de medicamentos e acesso à saúde na próxima reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC). A questão das patentes nesse mercado envolve, ao mesmo tempo, os interesses econômicos das grandes indústrias de um setor com alta lucratividade - que alegam o alto custo do desenvolvimento de inovações - e o fato de esses produtos serem essenciais para a vida dos cidadãos. O próximo passo é a elaboração de um documento de consenso sobre o tema. Fechado o documento, a discussão entra na pauta da IV Reunião Ministerial da OMC, que acontece em novembro no Catar.

A discussão deve definir a posição da OMC em relação ao acesso a medicamentos e a outros insumos de saúde. O objetivo é fazer com que o documento seja assinado pelos 125 países membros que compõem a OMC. Em todas as discussões, o Brasil continua a defender a flexibilização das leis internacionais de patentes para medicamentos e o acesso amplo e irrestrito aos insumos de saúde.

Segundo afirmam Sérgio Queiroz e Alexis Jesús Velásquez Gonzáles, no artigo Mudanças recentes na estrutura produtiva da indústria farmacêutica "na indústria farmacêutica a proteção patentária é um instrumento fundamental de apropriação dos resultados da inovação, devido à grande diferença entre os altos custos de inovação e os baixos custos da imitação". A ausência de proteção ao inventor seria uma das razões para as empresas não investirem em atividades de pesquisa. O artigo está publicado no livro a Brasil: Radiografia da Saúde. (veja resenha)

Por outro lado, segundo Maria Fernanda Gonçalves Macedo, especialista em propriedade industrial, da Far-Manguinhos/Fiocruz, a patente é também um instrumento anti-competitivo, na medida em que estabelece um monopólio. Ela é vantajosa para os países que tem capacidade industrial e massa crítica para enfrentar o poder inerente ao monopólio. Segundo ela, a maioria dos países desenvolvidos só passou a conceder patentes quando já possuía essa capacidade. Itália, Alemanha, Suíça, França e Japão, somente incorporaram essa política na década de 70.

Macedo explica que "a patente é uma concessão de exclusividade dada pelo Estado para quem tenha criado algo técnico novo, que não seja óbvio para as pessoas que trabalham com aquela tecnologia, e que seja passível de utilização em um meio produtivo (indústria, agricultura, pesca, etc.). A patente tem vigência de 20 anos a partir da solicitação dessa proteção (depósito do pedido de patente) e dá o direito, a seu proprietário, de impedir terceiros de explorar (produzir, vender, comprar, estocar, etc.) o seu objeto".

O Brasil foi um dos primeiros signatários da Convenção de Paris, o primeiro tratado de patentes do mundo, assinado em 1883. Mas, segundo explica Leila da Luz Lima Cabral, diretora da Info Connection e especialista em propriedade industrial, "em 1971, a legislação brasileira de propriedade industrial passou a não permitir a concessão de patentes em alguns setores industriais, entre eles os produtos químicos e farmacêuticos. O modelo econômico e político da época entendia que não poderia haver monopólio para produtos ditos essenciais para a saúde da população". Pretendia-se, assim, que houvesse um desenvolvimento tecnológico desses setores.

Entretanto, em 1996, com as políticas de abertura econômica do mercado, esse modelo foi considerado ultrapassado e impeditivo de melhores relacionamentos comerciais internacionais. Isso levou o Brasil a aceitar as queixas dos patenteadores, que diziam não ser o mercado brasileiro atrativo, já que as inovações eram passíveis de cópia. Em 1996, o Brasil voltou a aceitar as patentes legalmente.

No Brasil, para Macedo, falta fortalecer a indústria farmoquímica (incluindo a química fina e a biotecnologia). Os princípios ativos dos medicamentos, mesmo aqueles já sem a proteção patentária, são, em sua grande maioria, importados. Para ela, é preciso investir também na pesquisa de substâncias inovadoras, as quais podem ser protegidas por patente.

O desenvolvimento de medicamentos para doenças tropicais, como malária e febre amarela, encontram apenas em centros de pesquisa universitários, públicos e fundacionais, o seu meio para desenvolvimento de inovações. Para Cabral, alguns tipos de doenças não são o alvo do interesse da indústria. Os preços que poderão ser pagos por esses medicamentos, que atendem geralmente a uma camada menos favorecida da população, não são compensadores para a indústria.

Ameaça ao monopólio

O monopólio de grandes empresas sobre algumas drogas pode prejudicar o acesso a certos tipos de tratamentos. Para coibir os abusos relativos ao monopólio de grandes empresas, o acordo Trips (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), prevê a concessão de licença de uso da patente sem a autorização do proprietário. Trata-se da licença compulsória. Em caso de abuso de poder econômico e nos casos de interesse público e emergência nacional, o Estado pode conceder a licença compulsória da patente para possibilitar a produção local do produto patenteado. A simples possibilidade da utilização dessa prerrogativa tem obrigado as multinacionais a reduzir os preços sem, no entanto, anular os seus elevados lucros.

Para Cabral, mais do que uma punição, espera-se que a licença compulsória seja utilizada como um instrumento de barganha. Um exemplo recente foi o caso em que o Ministro da Saúde, José Serra, conseguiu reduzir o preço de medicamentos anti-Aids pressionando os grandes laboratórios.

Fernanda Macedo esclarece que "na verdade, independentemente da OMC, os Estados Unidos têm como prática pressionar os outros países quando julgam ameaçados os interesses das empresas americanas no exterior. A ameaça é feita pela aplicação de uma lei americana, que permite a aplicação de sansões comerciais a países que colocarem em prática políticas internas que afetem os negócios de companhias americanas".

A patente é tipicamente um instrumento para garantir o retorno dos investimentos realizados pela indústria, que espera o retorno através da comercialização dos produtos e ainda pelo pagamento de royalties (direitos de propriedade). Mas diz-se que a patente tem também um objetivo social e desenvolvimentista. Segundo Cabral, isso seria possível porque, quando uma patente é concedida, em troca da exclusividade, o inventor é obrigado a revelar os dados de seu invento à sociedade, que poderá utilizá-los para de gerar novos produtos e conhecimentos. "O sistema de patentes constitui-se em um sistema de trocas muito bem estruturado", completa Cabral.

No entanto, segundo Dante Alário Junior, diretor da Biolab Sanus e presidente da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), não há patente que descreva corretamente o processo. "Não tem como você repetir tudo o que está descrito numa patente e chegar ao produto exatamente igual ao original", diz.

Patentes de fármacos no Brasil

O Brasil já tem cerca de 400 patentes de drogas concedidas. Isso se deveu ao sistema pipeline - introduzido no Brasil com a nova lei de patentes, em 1996 - e que permitiu o reconhecimento retroativo de patentes do período entre 15 de maio de 1996 e 14 de maio de 1997. Ao todo, foram depositados apenas cerca de 1200 pedidos - após a nova Lei de patentes - no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), que, no Brasil, é o órgão responsável pela concessão de patentes. Cabral ressalta que atualmente estão começando a ser examinados os pedidos de patente depositados em 1995, ou seja há 6 anos atrás (cerca de 72 meses), quando o ideal seria que os pedidos de 3 anos atrás (1997-1998), já estivessem começando a ser examinados.

O problema do baixo pedido de patentes, segundo Cabral, é decorrente do pouco ou nenhum estímulo, seja do governo ou da indústria, para que se façam investimentos em pesquisas que gerem produtos patenteáveis.

A concessão de patentes não se adapta ao modelo de reconhecimento ao trabalho científico existente no Brasil. A publicação de artigos, item importante na avaliação da produtividade do pesquisador, pode por a perder a característica de novidade de uma inovação.

Macedo concorda com Cabral e acrescenta que, estratégias como a criação de comissões para julgar as pesquisas estratégicas, cujos resultados devam ser protegidos, podem evitar os problemas resultantes da divulgação antes da proteção. Uma saída encontrada é a da publicação de aspectos puramente teóricos, que ocorrem geralmente na fase da descoberta.

Em instituições de países desenvolvidos, a recompensa dos esforços intelectuais têm sido objeto de políticas de propriedade intelectual. Segundo Macedo, no Brasil, a recompensa dos inventores que trabalham em entidades públicas está estabelecida na Lei de Propriedade Industrial de 1996. Algumas instituições já implantaram ou estão em fase de implantação e revisão de suas políticas de distribuição de royalties.

O Inpi tem estimulado a implantação de núcleos de propriedade industrial nas universidades, como na Universidade Federal de São Carlos, na Universidade Federal de Minas Gerais, e na Universidade Estadual de Campinas. Surgem também escritórios e agências com a finalidade de facilitar e agilizar os trâmites relativos à concessão de patentes. A Fiocruz, a Agif e o Nuplitec são alguns exemplos.

Há pouco mais de dez anos, foi criada a Coordenação de Gestão Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz, para proteger os resultados de pesquisa e desenvolvimento gerados pelo seu corpo técnico, transformando-os em ativos econômicos passíveis de negociação. O objetivo também é proporcionar o acesso à informação tecnológica com fins de programação de pesquisas, intercâmbio e parceria técnico-científica.

Com interesses semelhantes, está surgindo no setor farmoquímico o projeto Agif que, segundo Leila Cabral, tem como principal foco fazer interagir o setor de P&D e o empresarial. Esses setores, apesar de apresentarem características muito distintas, são complementares. Ambos buscam obter soluções altamente produtivas, inovadoras e impulsionadoras da competitividade, mas que, por suas especificidades e dinâmicas, apresentam dificuldades de harmonização de suas linguagens e objetivos. Assim, o principal objetivo da Agif, segundo Cabral - que é consultora da área de propriedade intelectual do projeto - é a intermediação da negociação, presente em todo o processo de desenvolvimento da pesquisa. A Agência também participará da obtenção do privilégio patentário, no Brasil ou no exterior, e, principalmente procurará parceiros que possam subsidiar e complementar os recursos financeiros necessários. A agência atuará inicialmente no setor farmacêutico.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) também vem demonstrando sua preocupação com esta questão, tanto que criou, no ano passado, um Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia, o Nuplitec. O núcleo será responsável pela implementação de ações visando a adequada proteção à propriedade intelectual de inventos gerados em projetos da Fapesp. Também fará o licenciamento ou venda da patente a empresas.

(SP)

 

Atualizado em 10/10/2001

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