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Nova Internet

Nelson Simões

Seria possível depender da Internet que conhecemos e temos utilizado nos últimos anos para aplicações com alta interatividade, por exemplo, em medicina ou educação? Com toda certeza, ninguém se sentiria confortável dependendo da atual Internet para que um médico a distância pudesse produzir um diagnóstico a partir de informações transmitidas pela rede, sejam elas imagem e som, ou até mesmo gráficas. Mesmo em educação, apesar da grande oferta de ambientes visando o treinamento e a capacitação de pessoas a distância, muitos são os problemas enfrentados na realização de uma interação real entre aluno e professor através da rede.

A promessa de uma Internet apta a suportar aplicações que permitam uma interação próxima do real entre as pessoas ainda não se transformou em uma verdade estabelecida e abrangente, mas começa a se concretizar a partir da incorporação de novas facilidades nesta infra-estrutura de hardware e software, responsável pelos protocolos, serviços e aplicações de rede que formam a Internet nossa de cada dia. A inovação desta chamada "Internet2" seria portanto uma inteligência capaz de produzir interações mais humanas entre seus humanos usuários, mas também em incorporar funcionalidades não contempladas no projeto inicial da rede.

Uma das principais características da nova Internet é a sua capacidade de tratar de forma diferenciada aplicações com necessidades distintas e, desta forma, atender adequadamente a cada uma. Isto se chama qualidade de serviço, abreviado em inglês por QoS - quality of service - e, no fundo, consiste em transformar a rede que é extremamente equânime com todos as informações que trata, em uma rede capaz de discriminar aplicações que exigem tratamento diferenciado. Por exemplo, permitir que os fluxos de informação associados às aplicações multimídia sejam processados de forma expedita - para as aplicações inelásticas, intolerantes com variações na sua forma de atendimento pela rede - , em detrimento daqueles fluxos que não são exigentes em relação ao tempo de processamento ou sua variação, como a transmissão de arquivos - aplicações elásticas.

A Internet deixa de ser apenas "melhor esforço", que não oferece garantias para o atendimento a todos, e passa a ser discriminatória, com classes de serviços de qualidade diferenciada para atender múltiplos requisitos (veja uma interessante representação de QoS no roteamento de pacotes em (http://www.internet2.edu/QoSAnimation/WebSite/Qos.html). Associando QoS a outras funcionalidades, como o encaminhamento de fluxos por difusão - multicast -, o que permite enviar o mesmo fluxo de informação a vários receptores, é possível enviar um programa qualquer, com aúdio e vídeo integrados, a muitos espectadores simultaneamente, sem que isto signifique, necessariamente, uma sobrecarga nas conexões ou nos servidores da rede.

Por exemplo, é possível transmitir TV com alta qualidade, entre Natal e Florianópolis, através da nova Internet. Aconteceu durante o Simpósio Brasileiro de Redes de Computadores, onde um programa da TV Universitária de Natal (TVU) foi ao ar, na noite do dia 23 de maio, pela TV Cultura de Florianópolis transmitido através da infra-estrutura da RNP e das redes metropolitanas de alta velocidade nas duas cidades. Foram usadas tecnologias nacionais para plataforma de servidores de vídeo (Dynavideo), associadas a compressão de vídeo digital e qualidade de serviço. Esta aplicação demonstra o impacto possível na democratização de geração de conteúdos locais em TV, pela possibilidade de redução de custos e simplificação brutal na transmissão de eventos ao vivo, que dispensariam o proibitivo aluguel de canais de satélite e poderiam utilizar a infra-estrutura de telecomunicações normalmente encontrada na grande maioria das cidades do país.


Outro bom exemplo foi a realização de telediagnóstico de uma ecocardiografia fetal, envolvendo um paciente no Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco e médicos das universidades federais de Pernambuco - UFPE , Ceará - UFC, e Rio Grande do Norte - UFRN. O exame diagnostica malformações e distúrbios no sistema cardiovascular de um feto, permitindo uma intervenção médica precoce. O impacto produzido é semelhante ao anterior. Tanto os profissionais de comunicação, com relação à transmissão de TV, como os médicos com relação à telemedicina, normalmente associada às facilidades de telecomunicações dedicadas e dispendiosas, se surpreendem com o custo e eficiência destas aplicações.

Nosso grande desafio é tornar estas aplicações realmente acessíveis e de fácil utilização por educadores, médicos, artistas e comunicadores, e não somente aos seus mais tradicionais grupos usuários, quase sempre ligados às áreas científicas e tecnológicas em ciência de computação, física ou matemática. A Internet atual já é um produto de consumo, a nova Internet ainda não. Mas ela tem uma vantagem: seu foco está nas aplicações, e não na infra-estrutura de rede e, por isto, vem despertando grande interesse em áreas como artes e humanidades, que passam a ter a possibilidade de utilizar áudio e vídeo de alta fidelidade que permitam interação real.

Apesar de comum, é incorreto associar esta nova Internet apenas a uma rede com grande capacidade de transmissão. Ela é muito mais do que isto. Na realidade, o que a distingue melhor de outras redes não é a largura de suas conexões, mas a riqueza da infra-estrutura de protocolos e serviços; seria até possível criar uma rede com grandes capacidades de interconexão e, mesmo assim, não viabilizar o uso destas aplicações inovadoras.

A disponibilidade de uma infra-estrutura de ensino e pesquisa em rede nacional, rica em novos serviços e aplicações, como o backbone RNP2 e suas interconexões, foi um passo fundamental de uma estratégia iniciada em 1998 com as Redes Metropolitanas de Alta Velocidade - redes experimentais, baseadas em fibras ópticas apagadas, para desenvolvimento de aplicações e capacitação de recursos humanos (http://www.rnp.br/rnp2/rnp2-remav.html). A participação junto a outras iniciativas internacionais, na Europa através do backbone Geant - com conexão prevista para este ano -, e na América do Norte, com os backbones Abilene - EUA - e CaNet3 - Canadá, também permitem a colaboração entre instituições de pesquisa brasileiras e seus parceiros internacionais.

Contudo, ainda há muito trabalho em desenvolvimento, em termos de engenharia de redes - protocolos e serviços de redes -, sistemas distribuídos - middleware, porções de software necessários para a criação de funcionalidades automáticas para as aplicações - e no próprio desenvolvimento de aplicações. Para isto, a RNP, em conjunto com o ProTeM-CC - Programa Temático Multiinstitucional em Ciência da Computação do CNPq, realizou uma chamada de projetos colaborativos para desenvolvimento de aplicações avançadas em redes. Oito projetos classificados estarão sendo desenvolvidos entre 2002 e 2004 em temas variados, mas todos explorando o imenso potencial de redes de nova geração, seja em área metropolitana, seja através da RNP2 (http://www.cnpq.br/servicos/editais/ct/chamredeavan.htm).

Ao introduzir algumas novas aplicações na forma de projetos-piloto em 2001, a RNP junto com as instituições que operam os pontos-de-presença da rede (PoP) em cada estado, avalia tecnologias e capacita recursos humanos estratégicos para sua incorporação futura à rede. Por exemplo, entender como utilizar o novo protocolo Internet, conhecido como IPv6 - Internet Protocol versão 6 - significa antecipar as vantagens de segurança, mobilidade e portabilidade, que permitirão nos próximos anos receber e enviar vídeos e imagens de terminais móveis, estabelecer comunicações seguras e ligar qualquer dispositivo à Internet. Para isto, estamos operando na RNP2 já com este protocolo de forma nativa, e promovendo colaboração com as iniciativas européias, através de uma conexão direta entre Brasil e Portugal, patrocinada por operadores de telecomunicações nos dois países. Este ano, os Grupos de Trabalho, formados por pesquisadores da RNP e academia, estarão desenvolvendo projetos de integração de voz ao backbone, vídeo digital, sistemas de diretório, qualidade de serviço e redes ópticas.

Estes resultados se devem principalmente ao Programa Interministerial em Redes, celebrado entre o Ministério da Educação e o Ministério de Ciência e Tecnologia em 2000, e são fruto da visão estratégica de que uma infra-estrutura de redes avançadas para ensino superior e pesquisa é um componente essencial para o desenvolvimento do país. Há também a importante parceria com empresas fabricantes como IBM, Harris do Brasil, Compaq e Cisco, que investem nos projetos de infra-estrutura diretamente ou através da Lei de Informática.

A rede não é apenas um laboratório nacional para prototipação de futuras aplicações. É também infra-estrutura para ensino e pesquisa que permite o uso de bibliotecas digitais - site de periódicos da CAPES, SciElo -, a educação a distância - reciclagem de professores de ensino médio em matemática pelo IMPA - projetos de Grid computacionais - AccessGrid na UFRGS, DataGrid com CERN, projetos de genoma. Há também redes acadêmicas estaduais, como a ANSP - São Paulo -, a RedeRio - Rio de Janeiro - e a RCT2-SC - Santa Catarina - desenvolvendo e apoiando projetos muito importantes para suas comunidades de ensino e pesquisa.

A nova Internet não surgirá na tela do computador com data e hora marcada. Ela estará se incorporando ininterruptamente à velha Internet, tornando-a melhor, mais segura, mais fácil. Será como uma nova pele que nasce para substituir a antiga. Não será tão rápido como gostaríamos, mas a boa notícia é que ela já nasceu.

Nelson Simões é diretor geral da Rede Nacional de Pesquisa (RNP).

 

Atualizado em 10/04/2002

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