Reportagens






 
Utilização do sensoriamento remoto no suporte à pesca

Manlio Fernandes Mano e
Carlos Leandro da Silva Junior


Introdução
As atividades da Oceansat voltadas à pesca foram iniciadas em 1996, com o projeto SATPEIXE, numa parceria com a Quaker Brasil Ltda. e o Sindicato das Indústrias de Pesca de Itajaí (Sindipi), introduzindo a cultura do sensoriamento remoto (SR) na pesca do atum. O projeto incluía o fornecimento diário de Cartas de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) - obtidas a partir dos dados do sensor AVHRR a bordo dos satélites da série NOAA -, juntamente com a interpretação oceanográfica e a localização dos prováveis pontos de pesca. A Figura 1 apresenta uma carta de TSM para o litoral sul-sudeste do Brasil.

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Diante dos resultados bastante positivos, no que se refere ao aumento de captura, outros clientes, na pesca industrial e amadora, foram surgindo e novas tecnologias foram agregadas ao produto. Surgiu, então, o SIGAPA (Sistema de Informações Geográficas Aplicado à Pesca do Atum), um SIG criado para permitir o cruzamento das informações de TSM, com um banco de dados ambientais e de captura, facilitando a visualização e as tomadas de decisão. A Figura 2 mostra uma janela do SIGAPA, com diferentes tipos de informação.

Atualmente, novos sensores orbitais permitem a obtenção de outras informações de interesse à pesca, aumentando as potencialidades do SR voltado à essa aplicação. Além da TSM, outro parâmetro de grande importância é a concentração de clorofila, que é um indicativo de produtividade primária. Sensores como o Seawifs e o Modis são capazes de fornecer essa informação. Dados auxiliares, como vento e onda, também podem ser extraídos de sensores orbitais, tais como Quikscat, Topex/Poseidon e Radarsat.

Sensoriamento remoto e a oceanografia pesqueira
O principal objetivo no uso do SR é potencializar o aumento da captura de peixes de interesse, a partir da localização de áreas que apresentam indicações oceanográficas favoráveis à presença dos cardumes, considerando simultaneamente as características biológicas da espécie e a importância da manutenção dos estoques pesqueiros.

Existe, para cada espécie de peixe, uma faixa de temperatura considerada ótima para seu metabolismo. As sardinhas, por exemplo, adaptam-se melhor às águas mais frias, com menos de 23ºC; enquanto atuns e afins habitam águas mais aquecidas, tolerando temperaturas acima de 25ºC. Assim, a localização de determinada espécie de peixe depende principalmente da temperatura da água do mar (Matsuura, 1997).

Os grandes pelágicos de interesse industrial ou para a pesca esportiva, como albacora, bonito, espadarte, marlim, entre outros, são peixes encontrados principalmente na quebra da plataforma continental, onde se localiza o limite oeste da Corrente do Brasil (CB), que é a principal corrente de migração desses peixes. A CB se caracteriza por altas salinidades e temperaturas e por ser pobre em sais nutrientes e, conseqüentemente, em clorofila. Além disso, a alta profundidade da termoclina ao longo de sua extensão dificulta a presença desses sais na zona eufótica, tornando a produtividade bastante baixa. Revisões bibliográficas sobre as principais características da CB podem ser vistas em Dias-Neto e Mesquita (1998), Matsuura (1995) e Paiva (1997).

Essas migrações normalmente estão associadas à reprodução e à própria sazonalidade das propriedades físicas da água. A área de desova dos atuns e bonitos, por exemplo, é próxima ao Equador. Quando crescem, estes peixes migram em direção ao sul, em busca de alimento. No verão, as águas aquecidas chegam até o Rio Grande do Sul, e os peixes migram até a região da convergência subtropical, rica em nutrientes. Já nos meses de agosto, setembro e outubro, tem-se o período considerado de entressafra para a pesca de atuns no litoral sul/sudeste, devido ao recuo das águas quentes.

Considerando todas essas características da oceanografia pesqueira, a Oceansat buscou desenvolver uma metodologia capaz de monitorar, via sensoriamento remoto, as condições de temperatura da superfície do mar e a distribuição das áreas de maior concentração de clorofila-a, a fim de mapear as faixas ótimas de temperatura de cada espécie, os limites da CB e as áreas onde há maior disponibilidade de alimentos. Os pontos mais propícios à pesca são aqueles onde há uma maior proximidade entre as águas da CB, onde os grandes peixes pelágicos migram, e as águas que apresentam maior produtividade primária, onde se concentram os peixes dos quais eles se alimentam.

Estudos recentes feitos pelos pesquisadores da Oceansat na região de Cabo Frio, onde ocorre o fenômeno de ressurgência, que traz águas ricas em nutrientes até a superfície, e no nordeste brasileiro comprovaram a grande potencialidade no uso combinado de TSM e clorofila, permitindo aperfeiçoar a metodologia de pesca por satélite. Foi possível verificar que o aumento da concentração de clorofila na região de Cabo Frio ocorre antes do afloramento das águas frias de fundo na superfície e dura mais do que o período em que a ressurgência pode ser detectada na imagem termal. Além disso, as áreas produtivas ocupam extensões maiores do que aquelas estimadas a partir das imagens de TSM. Isso pode ser visto nas Figuras 3 e 4, que apresentam carta de TSM e clorofila (obtida pela sensor Modis), respectivamente, para dois dias consecutivos. Dessa forma, os mapas de clorofila maximizaram a identificação das áreas produtivas.

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Em relação à determinação da localização da CB, a utilização combinada de TSM e concentração de clorofila permite uma definição mais precisa dos limites dessa corrente, principalmente para regiões ao norte do litoral do Espírito Santo, onde não há um contraste térmico entre as águas costeiras e a CB, mas pode-se identificar um contraste de concentração de clorofila. Isto fica claro nas Figuras 5 e 6, referentes a mapas de TSM e clorofila, respectivamente, para uma mesma data no litoral do nordeste. Apesar de não haver o contraste na imagem de TSM, nota-se na de clorofila a distinção entre as águas costeiras (azul claro) e a CB (azul escuro). Assim, apesar de não haver ressurgências na região nordeste e norte, as áreas de grande produtividade, decorrentes da descarga fluvial de nutrientes, poderiam ser melhor mapeadas.

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É necessário ressaltar, entretanto, que as cartas de clorofila não devem substituir as cartas de TSM no uso aplicado à pesca, tendo em vista a importância destas no mapeamento das condições térmicas mais propícias a cada espécie de peixe.

No Brasil, a utilização de dados de satélite aplicados à pesca teve início no final da década de 70, quando foram utilizadas imagens do satélite NOAA-5, no auxílio à determinação de zonas propícias à pesca da sardinha (Maluf, 1978). Um histórico da utilização do sensoriamento remoto na pesca nacional pode ser visto em Silva Junior e Maluf (1993), onde já era apontada a necessidade da combinação de dados de TSM e clorofila-a, para uma maior precisão na localização de cardumes. Estudos recentes de Ciotti e Kampel (2001) mostram a importância da combinação desses parâmetros no estudo de fenômenos físicos e biológicos na costa sul/sudeste brasileira.

Recursos pesqueiros X tecnologia espacial
Relatórios recentes, como o Revizee e o GeoBrasil 2002, indicam uma exploração excessiva dos recursos pesqueiros no Brasil, havendo, inclusive, o risco de colapso. A maioria dos estoques se encontram sob máxima exploração, acima do nível de sustentabilidade ou em fase de esgotamento (Dias-Neto & Dornelles, 1996).

Diante desse cenário, a Oceansat começa a focar suas ações num conceito de pesca seletiva. A tendência, portanto, é a inclusão de um número cada vez maior de parâmetros ambientais obtidos por sensoriamento remoto e/ou por medições in situ, a fim de criar uma rede de dados capaz de localizar pontos de cardumes classificados por espécie. Já estão em andamento, por exemplo, pesquisas para extração da salinidade.

O sensoriamento remoto permite a obtenção de informações de extensas áreas em tempo quase real e com uma resolução temporal e espacial cada vez melhores. Novos sensores e satélites são projetados e lançados em órbita anualmente, oferecendo uma vasta gama de dados ambientais aos mais diferentes tipos de usuário.

Portanto, o emprego da tecnologia espacial não deve ser considerado uma ameaça à sustentabilidade dos recursos pesqueiros e sim uma ferramenta poderosa no aumento da eficácia da nossa pesca, maximizando a captura apenas das espécies cujos estoques ainda não atingiram a plena explotação.

Assim, o emprego dessa e outras metodologias semelhantes deve sempre estar acompanhado do conhecimento das características biológicas de cada espécie de interesse, a fim de respeitar seu período de reprodução e a recuperação dos estoques, promovendo um aproveitamento sustentável desta atividade, o que é uma preocupação constante da Oceansat.

Referências:
Ciotti, A. M.; Kampel, M. Concurrent observations of ocean color and sea surface temperature between Cabo Frio e Cabo de São Tomé. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, 10., Foz do Iguaçu, abr. 2001. Anais. São José dos Campos: INPE, 2001. Sessão Técnica Oral. p. 785-791. Repositório da URLib: dpi.inpe.br/lise/2001/09.19.12.21
Dias-Neto, J.; Dornelles, L. C. C. Diagnóstico da pesca marítima do Brasil. Coleção Meio Ambiente. Série Estudos Pesca, 20. Ibama, Brasília, 1996. 165p.
Dias-Neto, J.; Mesquita, J. X. Potencialidade e explotação dos recursos pesqueiros do Brasil. Ciência e Cultura, São Paulo, 1998. 40 (5): 427-441p.
Maluf, S. O sensoriamento remoto aplicado a um modelo de carta de pesca. São José dos Campos, out. 1978 (INPE-1379-PRE/176).
Matsuura, Y. A biologia e oceanografia pesqueira de atuns e afins. Seminário de captura e produtividade do atum no Brasil. Itajaí, 13-16 outubro 1997.
Matsuura, Y. Explotação pesqueira. In: Os ecossistemas brasileiros e os principais macrovetores de desenvolvimento: subsídios ao planejamento da gestão ambiental. (Ed). Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. Brasília, 1995. (4.6): 42-48p.
Paiva, M. P. Recursos pesqueiros estuarinos e marinhos do Brasil. Fortaleza: EUFC. 1997. 287 p.
Silva Junior, C. L.; Maluf, S. Possibilidades de aplicação do sensor AVHRR/NOAA na pesca brasileira. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, 7., Curitiba, mai. 1993. Anais. INPE, 1993.


Manlio Fernandes Mano e Carlos Leandro da Silva Junior são pesquisadores da Oceansat - Tecnologia Espacial para Monitoramento Ambiental S/C Ltda.

 
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Atualizado em 10/03/2003
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