Reportagens






Editorial:
Admirável Nano - Mundo - Novo
Carlos Vogt
Reportagens:
Aplicações tecnológicas dependem de investimentos privados
Nanotecnologia ainda não está no dia a dia das pessoas
Vantagens e riscos da nanotecnologia ao meio ambiente
Fabricação de nanoestruturas
Nos EUA, investimentos podem alcançar os do Genoma
Setor privado internacional é grande investidor
Aplicações militares estão sendo incentivadas no EUA
Nanotecnologia une diferentes visões de ciência
Artigos:
O que é nanotecnologia?
Cylon Gonçalves da Silva
Nanoredes
Marcelo Knobel
Nanotecnologia molecular e de interfaces
Oscar Loureiro Malta
Nanodispositivos semicondutores e materiais nanoestruturados
Eronides F. da Silva Jr.
Nanomagnetismo
Sergio Machado Rezende
Nanobiotecnologia e Saúde
Zulmira Lacava e Paulo Morais
Computação Quântica
Ivan S. Oliveira
Nanociência e nanotecnologia
Alaor Chaves
Nanociência e nanotecnologia no LNLS
José A. Brum
Rede de pesquisa em nanobiotecnologia
Nelson Durán e Marcelo De Azevedo
Há mais espaços lá embaixo
Richard Feynman
Poema:
Pós-Realidade
Carlos Vogt
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Nanomagnetismo

Sergio Machado Rezende

A palavra magnetismo está associada ao fenômeno pelo qual um ente tem o poder de atrair e influenciar outro ente. Sua origem está ligada ao nome de uma cidade da região da Turquia antiga que era rica em minério de ferro, a Magnésia. A palavra surgiu na Antiguidade, associada à propriedade que fragmentos de ferro têm de serem atraídos pela magnetita, um mineral encontrado na natureza, de composição química Fe3O4. Os fenômenos magnéticos foram os primeiros a despertar a curiosidade do homem sobre o interior da matéria. Os primeiros relatos de experiências com a "força misteriosa" da magnetita, o ímã natural, são atribuídos aos gregos e datam de 800 a.C. A primeira utilização prática do magnetismo foi a bússola, inventada pelos chineses na Antiguidade. Baseada na propriedade de uma agulha magnetizada em se orientar na direção do campo magnético terrestre, a bússola foi importante instrumento para a navegação no início da era moderna.

Os fenômenos magnéticos ganharam uma dimensão muito maior a partir do século XIX, com a descoberta de sua correlação com a eletricidade. Em 1820, o físico e químico Hans Crhistian Oersted descobriu que uma corrente elétrica passando por um fio também produzia efeito magnético, mudando a orientação da agulha de uma bússola nas proximidades. Mais tarde, o físico e matemático francês Andre Ampère formulou a lei que relaciona o campo magnético com a intensidade da corrente do fio. O efeito recíproco, pelo qual um fio próximo de um ímã sofre a ação de uma força quando atravessado por uma corrente, foi descoberto logo em seguida. Pouco depois, em 1831, Michel Faraday na Inglaterra e Joseph Henry nos Estados Unidos, descobriram que um campo variável podia induzir uma corrente elétrica num circuito. No final do século XIX estes três fenômenos eram perfeitamente compreendidos e já tinham inúmeras aplicações tecnológicas, das quais o motor e o gerador elétrico eram as mais importantes.

Atualmente, os materiais magnéticos desempenham papel muito importante nas aplicações tecnológicas do magnetismo. Nas aplicações tradicionais, como em motores, geradores, transformadores, etc, eles são utilizados em duas categorias: os ímãs permanentes são aqueles que têm a propriedade de criar um campo magnético constante; os materiais doces, ou permeáveis, são aqueles que produzem um campo proporcional à corrente num fio nele enrolado, muito maior ao que seria criado apenas pela corrente. A terceira aplicação tradicional dos materiais magnéticos, que adquiriu grande importância nas últimas décadas, é a gravação magnética. Esta aplicação é baseada na propriedade que tem a corrente numa bobina, na cabeça de gravação, em alterar o estado de magnetização de um meio magnético próximo. Isto possibilita armazenar no meio a informação contida num sinal elétrico. A recuperação, ou a leitura, da informação gravada, é feita, tradicionalmente, através da indução de uma corrente elétrica pelo meio magnético em movimento na bobina da cabeça de leitura. A gravação magnética é a melhor tecnologia da eletrônica para armazenamento não-volátil de informação que permite re-gravação. Ela é essencial para o funcionamento dos gravadores de som e de vídeo, de inúmeros equipamentos acionados por cartões magnéticos, e tornou-se muito importante nos computadores.

As propriedades magnéticas das substâncias se devem a uma propriedade intrínseca dos elétrons, seu spin (palavra em inglês que significa girar em torno de si mesmo). O spin é uma propriedade quântica do elétron, mas pode ser interpretado, classicamente, como se o elétron estivesse em permanente rotação em torno de um eixo, como o planeta Terra faz numa escala muita maior. Como o elétron tem carga, ao spin está associado um momento magnético, o qual se comporta como uma minúscula agulha magnética, tendendo a se alinhar na direção do campo magnético a que está submetido. Nos átomos mais comuns o spin total é nulo, pois os elétrons ocupam os orbitais satisfazendo o princípio de Linus Pauling, ora com o spin num sentido, ora no outro. Entretanto, para certos elementos da tabela periódica, o spin total é diferente de zero, fazendo com que o átomo tenha um momento magnético permanente. Este é o caso dos elementos do grupo de transição do ferro, como níquel, manganês, ferro e cobalto, e vários elementos de terras raras, como európio, gadolínio, etc. Os materiais formados por esses elementos ou suas ligas têm propriedades que possibilitam suas aplicações tecnológicas. O mercado mundial de materiais magnéticos e seus dispositivos compreende, atualmente, cerca de 150 bilhões de dólares por ano. Por essa razão, a pesquisa para seu aperfeiçoamento é muito intensa em todo o mundo. Mas não é apenas por sua importância tecnológica e econômica que os materiais magnéticos concentram hoje intensa atividade de pesquisa no mundo inteiro. O magnetismo dos materiais constitui um dos campos de pesquisa básica mais férteis e ativos da física, dada à imensa diversidade das suas propriedades e dos fenômenos que neles são observados.

As aplicações mencionadas são baseadas em propriedades e fenômenos clássicos, todos conhecidos e compreendidos desde o início do século XX. A evolução tecnológica dessas aplicações ocorreu por causa da descoberta de novos materiais, aperfeiçoamento das técnicas de preparação, etc. Porém, nos últimos 15 anos, a pesquisa em materiais magnéticos ganhou um grande impulso por conta de descobertas feitas com estruturas artificiais de filmes muito finos. Os filmes finos podem ser preparados por vários métodos diferentes, dependendo da composição, espessura e aplicação. Todos eles se baseiam na deposição gradual de átomos ou moléculas do material desejado sobre a superfície de outro material que serve de apoio, chamado substrato. A fabricação de filmes ultra-finos, com espessuras da ordem ou fração de 1 nanômetro ( 1 nm = 10-9 m), tornou-se possível graças à evolução das técnicas de alto vácuo. Hoje é possível fabricar estruturas artificiais controlando a deposição de camadas no nível atômico, com alto grau de perfeição e pureza. É também possível depositar sobre um filme com certa composição química, outro filme de composição diferente. Isto possibilita a fabricação de estruturas com propriedades magnéticas muito diferentes das tradicionais, cuja compreensão microscópica exige o conhecimento detalhado dos filmes, das interfaces e das interações entre os átomos. Estas estruturas compreendem filmes simples de uma única camada magnética sobre um substrato, ou filmes magnéticos e não-magnéticos intercalados, e também estruturas com mais de uma dimensão na escala nanométrica, chamadas nano-estruturas magnéticas de maiores dimensões.

A possibilidade de se fabricar estruturas magnéticas artificiais na escala nanométrica, tem levado ao surgimento de novas áreas de pesquisa básica em magnetismo, estimuladas pela descoberta de novos fenômenos. No movimento de um elétron atravessando um filme grosso (com espessuras de 1 micrômetro ou mais), ele sofre inúmeras colisões no trajeto, perdendo a memória de seu spin. No entanto, ao atravessar um filme de espessura nanométrica, ele preserva a orientação original do spin. Isto dá origem a propriedades de nano-estruturas magnéticas que não eram conhecidas nos materiais. Um dos novos fenômenos mais importantes é a magnetoresistência gigante, observada em multicamadas de certos filmes magnéticos (como Fe, Co, Ni e suas ligas) intercalados com filmes metálicos não magnéticos (como Cr, Cu, Ru). Para certas espessuras dos filmes não-magnéticos, da ordem de 1 nm, a resistência do sistema varia muito com o campo magnético nele aplicado. Este fenômeno foi descoberto em 1989, tendo como autor principal do trabalho original o gaúcho Mario Baibich, professor da UFRGS (M.N. Baibich et al., Phys. Rev. Lett. 61, 2472 (1988)). Este efeito permite fabricar um sensor magnético de dimensões físicas muito reduzidas, que ao ser atravessado por uma corrente elétrica, desenvolve uma tensão elétrica que depende do campo magnético. Além deste, vários outros fenômenos foram descobertos nos últimos anos, tais como acoplamento entre camadas vizinhas, transporte dependente de spin, efeito túnel magnético, entre outros. Estes fenômenos têm provocado o surgimento de um grande número de trabalhos científicos que procuram caracterizar as propriedades dos materiais, descobrir novos sistemas e fenômenos e entender microscopicamente suas origens. Por outro lado, as diversas aplicações desses fenômenos na eletrônica está dando origem a um novo ramo da tecnologia, chamado spintrônica, no qual as funções dos dispositivos são baseadas no controle do movimento dos elétrons através do campo magnético que atua sobre o spin.

Recentemente, a tecnologia de leitura magnética foi revolucionada com a introdução de cabeças magneto-resistivas, baseadas no efeito de magneto-resistência gigante. Os avanços tecnológicos nesta área são impressionantes. Para exemplificar, a capacidade de gravação magnética nos discos dos computadores que, em 1995 era de 1 Gigabits/polegada2, com a introdução das cabeças de leitura de magneto-resistência gigante, passou para 20 Gigabits/polegada2 em 2002, possibilitando fabricar disk-drives com capacidades superiores a 100 Gigabits. Nos últimos dois anos ganhou força a idéia de que será possível fabricar uma memória RAM de efeito túnel magnético que venha substituir as memórias de semicondutores atualmente utilizadas, com a grande vantagem de ser não-volátil. Além dessas aplicações, muitas outras estão sendo pesquisadas com base em diversos dispositivos já produzidos em forma de protótipos, como válvulas de spin, transistor de spin etc. O Brasil participa deste esforço com um contingente maior que 100 pesquisadores de todo o país, que integram uma rede nacional de nano-magnetismo, apoiada pelo CNPq, coordenada pelo Professor Marcelo Knobel, da Unicamp (veja artigo). As atividades estão concentradas em pesquisa básica, pois não há indústrias nessa área no país. Em recente reunião realizada no CBPF no Rio, os integrantes da rede discutiram com colegas do exterior muitas possibilidades tecnológicas e esperam que o Governo Lula implemente uma política industrial que estimule a pesquisa tecnológica na indústria.

Sergio Machado Rezende é Professor Titular de Física da UFPE

 
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Atualizado em 10/11/2002
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