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A pesquisa em nanociência e nanotecnologia no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron

José A. Brum

Neste artigo, discutiremos como a pesquisa em nanociência e nanotecnologia é desenvolvida no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), e como este pode servir para projetos nesta área do conhecimento. Para melhor situarmos a nossa discussão, é importante lembrar o que é o LNLS. Inaugurado e aberto ao público em julho de 1997, ele é, hoje, um complexo de laboratórios centrado em torno da fonte de luz síncrotron, e complementado por vários outros laboratórios, como o Laboratório de Microscopia Eletrônica (LME), o Laboratório de Microscopia de Tunelamento e Força Atômica (MTA), o Centro de Biologia Molecular Estrutural (CEBIME) e o Laboratório de Ressonância Magnética Nuclear. Este complexo de laboratórios opera como um centro nacional aberto, oferecendo sua infra-estrutura a todos os pesquisadores do Brasil e do mundo. O LNLS possui uma pequena equipe de pesquisadores próprios que, além de serem responsáveis pelos equipamentos e dar apoio a usuários externos, desenvolvem programas de pesquisa na fronteira do conhecimento. A maior parte dos pesquisadores que usufruem da infra-estrutura disponível no LNLS, aproximadamente 90%, são de outras instituições.

Nanociência e nanotecnologia é um dos programas de pesquisa desenvolvidos no LNLS. É útil relembrarmos algumas características desta nova área de conhecimento, onde o comprimento característico é o nanômetro (1 nanômetro = 10-9 m = 0,000000001 m = 1 bilhonésimo do metro). Costumamos definir nanociência e nanotecnologia como a pesquisa e desenvolvimento tecnológico no nível atômico, molecular e macromolecular, na escala de 0,1 à 100 nanômetros, que tem como objetivos proporcionar a compreensão de fenômenos e materiais na escala nano, criar e utilizar estruturas, dispositivos e sistemas que tenham propriedades e funções únicas devido ao seu tamanho reduzido. O sucesso desta empreitada, desde o seu aspecto científico até o seu desenvolvimento tecnológico, depende de dominarmos várias etapas. Entre estas, destacamos:

a) A síntese dos materiais nano. Temos que ser capazes de sintetizar novos materiais com as dimensões nanométricas (formados por centenas ou mesmo milhares de átomos), na forma desejada, com precisão (nanométrica ou sub-nanométrica!) e, se desejarmos uma aplicação tecnológica viável, temos que capazes de reproduzir o processo com alta precisão;
b) A caracterização e análise dos nanomateriais. É necessário que conheçamos com precisão as propriedades intrínsicas dos nanomateriais, como composição, estrutura, morfologia, e como isso pode ser utilizado para gerar materiais com propriedades pré-estabelecidas;
c) A manipulação de nanoobjetos. Esta etapa é essencial para a formação de estruturas e sistemas que possam integrar-se para realizar funções complexas e também integrar-se com o mundo macroscópico, com o qual estamos habituados e podemos operar diretamente.

O programa de nanociência e nanotecnologia do LNLS tem uma equipe de pesquisadores atuando na fronteira da pesquisa e que mantém técnicas avançadas e essenciais, disponíveis para a toda a comunidade científica e tecnológica, permitindo a caracterização detalhada à nível atômico (estrutura, composição química, morfologia, arranjo e organização) dos nanoobjetos. Vamos primeiro examinar alguns dos principais instrumentos científicos existentes no LNLS que são utilizados nessa área do conhecimento.

Comecemos pela fonte de luz síncrotron: uma lâmpada que emite luz de diferentes cores (ou frequências) . Esta luz síncrotron é emitida por elétrons altamente energéticos que circulam em um acelerador circular ou anel de armazenamento. Quando partículas carregadas, como os elétrons, mudam de direção - ou são aceleradas -, elas emitem ondas eletromagnéticas, ou luz. Esta emissão é particularmente intensa e focalizada quando os elétrons tem energias muito altas, tais que suas velocidades são muito próximas da velocidade da luz. No caso do LNLS, os elétrons possuem uma energia de 1,37 bilhões de eV (életrons-Volts). Para produzir estes elétrons, utiliza-se um canhão eletrostático, onde os elétrons são gerados e pré-acelerados à energia de 80 mil eV, e um acelerador linear (LINAC), onde eles são acelerados até atingir a energia de 120 milhões de eV. Eles são transportados para um acelerador circular intermediário, o síncrotron injetor, onde adquirem a energia de 500 milhões de eV. Finalmente, eles são transportados para o anel de armazenamento onde, primeiro, são acelerados até atingir a energia final de 1,37 bilhões de eV e ficam então armazenados por várias horas (tempo de vida típico de 14 horas). Este anel é, na verdade, um poliedro, formado por seis seções retas e seis pontos de inflexão da trajetória, permitindo completar a circunferência. Estes pontos de inflexão são produzidos por doze eletroímãs que curvam a trajetória dos elétrons. É neste processo que a emissão de luz síncrotron ocorre, com a luz sendo emitida tangencialmente à curvatura dos elétrons. O síncrotron emite luz em todo o espectro de frequência ou energia, desde a luz infra-vermelha (baixa energia, caracterizada por um grande comprimento de onda) até os raios-X duros (alta energia, caracterizados por um pequeno comprimento de onda; por raios-X duros identificamos os raios-X altamente energéticos e com grande capacidade de penetração na matéria) passando pela luz visível, ultra-violeta e raios-X moles. Este espectro contínuo, juntamente com o alto fluxo e focalização (brilho) são as principais características que tornam um síncrotron uma fonte de luz valiosa no estudo de nanomateriais.

Foto do Hall Experimental do LNLS mostrando o Anel de Armazenamento e o Síncrotron Injetor e algumas linhas de luz.

Para realizar os experimentos, constroem-se as linhas de luz que tem como função coletar a luz síncrotron, selecionar o comprimento de onda de interesse e a focalizar. No seu final são acopladas estações experimentais, que permitem então a análise do material desejado. A figura acima mostra o síncrotron no LNLS com algumas de suas linhas de luz. De uma maneira geral, o feixe de luz é projetado sobre uma amostra do material em estudo sendo depois coletado por um detector. De forma simplificada, podemos dizer que a luz pode ser espalhada no material ou absorvida por este. Quando a luz é espalhada, ela permite identificar estruturas com as dimensões similares as do "tamanho" da luz incidente, isto é, do seu comprimento de onda. Utilizando diferentes técnicas de espalhamento com comprimentos de onda específicos, podemos obter informações sobre o tamanho e forma das nanopartículas e mesmo sua distribuição atômica (por exemplo, a distância interatômica nos materiais é de alguns décimos de nanômetros; esta dimensão pode ser "medida" através dos raios-X duros, que possuem comprimentos de onda similares). Ao mesmo tempo, diferentes átomos absorvem luz com diferentes comprimentos de onda. Se olharmos para a luz que é absorvida no experimento, podemos extrair informações sobre a composição química da nanopartícula, isto é, os tipos de átomos que a compõe. A combinação destas técnicas disponíveis no LNLS permite, portanto, obtermos informações precisas sobre a estrutura, forma e composição, com precisão atômica, dos nanomateriais, entre outros.

Complementariamente à fonte de luz síncrotron, estão os laboratórios de microscopia LME e MTA. Uma parte significativa do programa de nanociência no LNLS é desenvolvida nesses grupos. O LME possui dois microscópios eletrônicos de varredura, um de baixo vácuo e outro por efeito de campo. O terceiro microscópio, de alta resolução por transmissão de elétrons, é o mais potente (ver figura abaixo). Neste equipamento, um feixe de elétrons é criado e injetado sobre a amostra. Esta é preparada especialmente na forma de um filme bem fino, que permite a passagem dos elétrons sob determinadas condições, formando uma imagem real da amostra. No caso do microscópio disponível no LNLS, os elétrons são acelerados por um canhão eletrostático de 300 kV e resolução de 0,17 nanômetros. Com esta resolução, é possível a observação direta do arranjo atômico em muitos materiais. O MTA, por sua vez, concentra-se na microscopia de varredura por sonda, possuindo um microscópio de força atômica e um de tunelamento em ultra-alto vácuo. Esse microscópio permite a determinação local das propriedades dos elétrons dos sólidos, e também de nano-objetos individuais.

Microscópio de alta resolução por transmissão de elétrons instalado no LME.

Vamos, brevemente, examinar dois casos que exemplificam a pesquisa em nanociência desenvolvida no LNLS. Recentemente, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, do LNLS e da HP (Palo Alto, EUA) estudaram a formação de ilhas, ou nanopartículas de germânio (Ge), crescidas na superfície do silício (Si). Controlando as condições de crescimento destas estruturas, elas adquirem formas diversas, como pirâmides ou domos. Estas formas estão associadas à mistura que ocorre entre os átomos do Si e do Ge. A figura abaixo ilustra o resultado obtido, onde o código de cores indica o grau de mistura dos átomos de Si e Ge. Eles observaram que as nanopartículas com formato tipo domo apresentam uma forte mistura entre os átomos enquanto que as que possuem formato tipo pirâmide são formadas essencialmente por átomos de Ge. Foi possível também extrair a distribuição da relaxação da tensão e da energia elástica nestas nanopartículas. Este conhecimento detalhado sobre a forma e composição das nanopartículas foi obtido através da combinação da técnica de microscopia de força atômica, que permitiu observar a forma das nanopartículas, e de difração de raios-X, que possibilitou conhecer a composição atômica ao longo da nanopartícula.

Medida direta do perfil de composição, relaxação de tensão e energia elástica de ilhas auto-formadas de Ge sobre Si obtidas por espalhamento anômalo de raios-X (R. Magalhães-Paniago, G. Medeiros-Ribeiro, A. Malachias, S. Kycia, T.I. Kamins e R. Stan Williams, Phys. Rev. B, a ser publicado em dezembro de 2002).

Um outro exemplo muito interessante, desenvolvido pela equipe do LNLS, foi o estudo de nanofios de ouro. Na figura abaixo vemos um fio de ouro extremamente fino, formado por apenas algumas camadas atômicas. Neste caso, o microscópio eletrônico teve uma dupla função: produzir os nanofios de ouro e realizar a observação. Os nanofios são produzidos utilizando o feixe de elétrons para "furar" um filme fino de ouro. Estes furos evoluem e a separação entre eles tende a diminuir até ficar um fio extremamente fino como vemos abaixo. Ao mesmo tempo, esse sistema é observado no microscópio, permitindo compreender o processo de formação e ruptura de nanofios metálicos. A combinação desses resultados com experimentos de condutância permitiu a associação das características da condutância nos nanofios com a estrutura atômica dos mesmos. Devido aos efeitos quânticos, a condutância nos nanofios metálicos difere fortemente da condutância nos fios metálicos macroscópicos com os quais estamos acostumados.

Imagem de um nanofio de ouro obtida através de microscopia de alta resolução por transmissão de elétrons (V. Rodrigues, T. Fuhrer e D. Ugarte, Phys. Rev. Lett. 85, 4124 (2000)).

Estes dois trabalhos realizados no LNLS, exemplificam a necessidade de utilizar um conjunto de técnicas sofisticadas para realizar trabalhos de fronteira na caracterização e estudo de nanossistemas. Outro grande desafio para o desenvolvimento da pesquisa experimental nesta área está na capacidade de gerar, construir e desenvolver as amostras dos materiais os quais se quer investigar. O LNLS tem procurado desenvolver um esforço na área de síntese de nanomateriais, tanto por métodos físicos como químicos, contando ainda com um laboratório de microfabricação. Um grupo de teoria está sendo implantado para oferecer apoio teórico para os estudos realizados no laboratório. A integração de todos estas instalações, oferece um conjunto de laboratórios essenciais e único para o estudo dos nanomateriais e que são acessíveis a toda comunidade científica nacional e internacional.

José A. Brum é diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron

 
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Atualizado em 10/11/2002
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