Reportagens






 
O sistema de avaliação da educação superior no Brasil

Otaviano Helene

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC) tem examinado a situação do ensino superior no Brasil sob ópticas diferentes e complementares. O Censo da Educação Superior, a Avaliação Institucional, a Avaliação das Condições de Ensino e o Exame Nacional de Cursos (ENC) formam um sistema abrangente que mostra qualitativa e quantitativamente a situação da educação superior no País.

O censo, realizado anualmente, faz um retrato do ensino superior a partir da coleta de um amplo leque de informações, como número de alunos, concluintes, cursos, instituições e docentes. A Avaliação das Condições de Ensino é realizada quando o curso necessita do credenciamento ou da sua renovação. Trata-se de uma verificação feita por uma comissão de professores que analisa o curso no seu próprio local de funcionamento, considerando o corpo docente, a infra-estrutura e o projeto didático-pedagógico.

A Avaliação Institucional é uma verificação aos moldes das Condições de Ensino, que leva em conta as mesmas dimensões, além de considerar também o Plano de Desenvolvimento Institucional. É realizada cada vez que uma instituição de ensino superior procura se credenciar e, depois disso, repetida a cada quatro anos. Além dessas avaliações, operacionalizadas pelo Inep, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC) faz ainda a avaliação dos cursos de pós-graduação, completando assim o quadro das condições do ensino superior no País.

O ENC, que atribui um conceito ao curso a partir de uma prova aplicada aos formandos, é uma parte apenas desse sistema. E, embora o exame tenha assumido uma dimensão hipertrofiada, ele deve ser colocado em sua devida proporção: apenas um dos vários instrumentos adotados no âmbito do Ministério da Educação para conhecer a realidade da educação superior.

Algumas características do ENC podem ser apontadas pela sua exacerbada repercussão. O ENC é obrigatório, embora não corresponda a um dever cívico, nem gere direitos. É exatamente o contrário: não fazê-lo gera punições. O resultado do exame leva a um ordenamento dos cursos superiores, sem significar necessariamente que os classificados entre os piores sejam ruins e os classificados entre os melhores sejam bons. Em certas áreas do conhecimento, cursos com nota D são perfeitamente aceitáveis e, em outras, cursos com B podem estar abaixo de qualquer patamar aceitável.

Uma instituição de bom nível, com um corpo docente bem preparado e condições de funcionamento adequadas, por exemplo, que esteja instalada numa região tradicionalmente carente de ensino, provavelmente apresentará nas primeiras turmas de formandos desempenho aquém do que seria desejado. Entretanto, essa é uma situação transitória que será superada. Após um período de tempo mais longo, se a instituição causar uma interferência no desenvolvimento cultural e escolar na região, os estudantes passarão a ter um desempenho adequado. Neste caso, uma nota baixa no ENC não traduz essa situação específica e penaliza um esforço de melhoria de um quadro educacional.

Por outro lado, um curso com conceito A no ENC numa região bastante densa e desenvolvida do País pode adicionar pouco conhecimento aos estudantes. É o que acontece quando os jovens que têm acesso ao ensino superior possuem, previamente, uma sólida formação educacional e cultural. Neste caso específico, a nota A pode refletir muito mais este perfil de entrada do que propriamente aquilo que o curso proporcionou de ganho em termos de conhecimento.

Uma outra questão é o boicote, que faz com que excelentes cursos fiquem colocados entre os piores e, como conseqüência, alguns entre aqueles com desempenho E sejam guindados ao conceito D, outros que deveriam ter recebido D recebem C, e assim por diante. Finalmente, uma outra razão que ampliou as dimensões do ENC foi a enérgica oposição tomada por associações ligadas a avaliações de cursos em várias áreas do conhecimento, pesquisadores da área educacional e entidades estudantis e científicas. Isso tudo serviu para chamar a atenção para o ENC, ofuscando, conseqüentemente, os outros estudos sobre o ensino superior brasileiro e outras possibilidades de avaliação mais comprometidas com a realidade nacional e com os anseios da sociedade.

O programa do Presidente Lula apresentado à sociedade afirmava claramente a necessidade de rever o Exame, e o Ministério da Educação, coerente com esta diretriz, tem proposto o seu aperfeiçoamento. Para isso, vamos ouvir pessoas e associações e estudar os outros mecanismos de avaliação já em uso no Brasil e aqueles utilizados em outros países.

Não podemos deixar que a luz do holofote lançada sobre o ENC nos ofusque e nos impeça de estudar os resultados de todos os processos de avaliação do ensino superior de forma a diagnosticar seus problemas e apontar possíveis soluções. É preciso lembrar também que o sistema de avaliação construído durante o governo FHC tinha uma perspectiva liberalizante para a educação, completamente diferente da proposta do governo Lula.

Otaviano Helene é presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC)

 
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Atualizado em 10/02/2003
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