Editorial:

O mistério da impiedade
Carlos Vogt

Reportagens:
Violência e Segurança: questões de Política
Um novo cotidiano para as favelas cariocas
Sociedade se mobiliza contra a violência
Penas alternativas e dignidade humana
Mídia dramatiza a violência
TV não provoca comportamento violento
Violência extrema pode ter causas biológicas
Artigos:
O desafio da violência
Gilberto Velho

A Guarda Municipal e a Segurança Públical
Eliezer Rizzo

Guerra e Paz refletem a natureza dupla do homem
Ulisses Capozolli
Trabalho, pobreza e trabalho intelectual
Carlos Vogt
Bitita
Carolina Maria de Jesus
O Bolsão ou A Vida
Eni Orlandi
Poemas:
A Edificação do Ódio
Carlos Vogt
Parábola de Mulher
Carlos Vogt
Bibliografia
Créditos
 

Sociedade se mobiliza contra a violência

A quem cabe a segurança pública? Até pouco tempo atrás a única resposta seria: "ao poder público", representado pela polícia, justiça ou sistema penitenciário. Hoje, a redução da criminalidade e da violência é, cada vez mais, objeto de atuação direta da sociedade civil organizada, através de diversas entidades. A maioria delas trabalha com a prevenção, justamente para preencher um vácuo deixado pelas agências estatais. As experiências vão desde projetos nas escolas, aulas de cidadania nas comunidades carentes até campanhas pela paz. Essa mobilização social deu início à formação de Organizações Não Governamentais (ONG's) contra a violência. Grande parte delas surgiu como resposta a um momento de forte tensão.

Em 17 de dezembro de 1993, no Rio de Janeiro, milhares de pessoas vestidas de branco fizeram dois minutos de silêncio e pediram paz, após o assassinato de oito meninos junto à Igreja da Candelária e a chacina de 21 pessoas em Vigário Geral. Daí nasceu, entre outros, o Viva Rio.

Em agosto de 1997, estudantes de direito da Universidade de São Paulo (USP) lançaram a campanha Sou da Paz para chamar a atenção da sociedade para a necessidade de combater as armas de fogo. Nesta época, foram recolhidas mais de 3.500 armas. Em janeiro de 1999 foi criado o Instituto Sou da Paz com o objetivo de multiplicar as atividades iniciadas na campanha anterior.

O Instituto São Paulo contra a Violência surgiu em novembro de 1997, após o seminário São Paulo Sem Medo, promovido pelo Núcleo de Estudos da Violência, da USP, Fundação Roberto Marinho e Rede Globo de Televisão. Nesse encontro foram debatidos as bases de um movimento, mais tarde formalizado oficialmente como instituto, destinado a colaborar com a sociedade e os governantes na formulação e implementação de políticas e programas para reduzir a violência.

Os trabalhos desenvolvidos pelas ONG's envolvem diferentes parceiros, desde voluntários, associações de moradores e de classe, empresas e governos. O Instituto São Paulo Contra a Violência lançou em novembro de 2000, o Fórum Metropolitano de Segurança Pública de São Paulo que reúne 39 prefeitos da Grande São Paulo. O objetivo, de acordo com a secretária executiva do Fórum, Carolina Ricardo, é uma atuação articulada que permita identificar os problemas ligados à violência em cada município.

O Fórum é dividido em quatro Grupos de Trabalho que elaboram diretrizes nas áreas de Violência, Informação Criminal, Guarda Municipal e Comunicação Social. "A complexidade do tema demanda diversas ações que devem conjugar esforços, envolvendo todas as prefeituras e, principalmente, atingindo a comunidade local", afirma Carolina Ricardo. Nos meses de novembro e dezembro, o Fórum Metropolitano realizará cinco seminários sobre a prevenção à violência. Os encontros serão nos municípios de Suzano, Santo André, Barueri, Mairiporã e São Paulo.

O Disque Denúncia (0800 15 63 15), um projeto do Instituto São Paulo Contra a Violência em parceria com a Secretaria de Estado de Segurança Pública, comemorou um ano de aniversário no último 31 de outubro. Ele é uma central de atendimento telefônico através da qual qualquer pessoa, com absoluta garantia de anonimato, pode fornecer informações sobre crimes, colaborar com a polícia na prevenção e contribuir para a resolução dos problemas de segurança pública. A denúncia é analisada e encaminhada ao setor competente da polícia, que informa ao denunciante as providências adotadas e os resultados.

Em um ano, o serviço recebeu 25.428 denúncias. Em 2001, os meses com maior volume de denúncias foram março (2.428) e outubro (2.124). Até 19 de outubro, foram presas 893 pessoas, recapturados 95 fugitivos, evitadas 15 fugas, recuperados 81 veículos, apreendidos 57 veículos, localizados 13 desmanches, apreendidas 221 armas, 17.572 bens e abertos 68 inquéritos policiais.

As perspectivas do Instituto São Paulo Contra a Violência para o próximo ano são ampliar a divulgação com campanhas na mídia, expandir o serviço para o interior do Estado e aperfeiçoar o software de sistema de busca. "As denúncias aumentam com a melhor divulgação do serviço e do número telefônico do Disque Denúncia. Por esta razão vamos iniciar uma nova campanha e esperamos com isso reavivar a memória da população", diz Ronildo Machado, do Fórum.

 

Ação preventiva

A melhoria das relações comunitárias e a educação para a cidadania são essenciais na prevenção da violência. Não é à toa que a maioria dos projetos das ONG's são desenvolvidos no ambiente escolar.

O Instituto Sou da Paz atua no projeto Grêmio em Forma, que faz parte da pesquisa Paz na Escola, realizada em parceria com o Instituto Latino-Americano das Nações Unidas (Ilanud) (veja box sobre pesquisas desenvolvidas pelo Ilanud) e Ministério da Justiça.

O projeto Grêmio em Forma prevê a criação de material de apoio à criação de grêmios, como o Caderno Grêmio em Forma, escrito a partir de conversas com educadores, visitas a escolas e debates com alunos, para descobrir suas dúvidas. O projeto é desenvolvido em algumas escolas públicas do bairro Jardim Ângela, região da cidade de São Paulo com altos índices de violência. As atividades incluem oficinas para debater questões de direitos humanos, violência e cidadania.

Em maio de 2000, o Instituto Sou da Paz implantou o projeto Observatório de Direitos Humanos, nos bairros de Jardim Ângela, Jardim Jacira, Jardim Comercial e Heliópolis. Durante seis meses, jovens mapearam os problemas de suas comunidades. Os grupos trabalharam o direito à educação, à cultura e lazer, o combate à violência e ao desemprego. As informações levantadas serão cruzadas com os diagnósticos oficiais e formarão os Relatórios da Cidadania, a serem publicados e encaminhados à ONU.

Ainda no bairro Jardim Ângela, o Instituto Sou da Paz atua no projeto Espaço Criança Esperança. Uma iniciativa voltada à criação de um centro modelo de atendimento de crianças e adolescentes e ao fortalecimento comunitário, como formas de prevenção do crime.

 

Campanhas pelo desarmamento

A maior destruição de armas no mundo em um só dia ocorreu no dia 24 de junho passado, no Rio de Janeiro, organizada pelo governo do Estado em parceria com o Viva Rio. Cerca de 20 mil pessoas participaram da cerimônia de destruição de 100 mil armas de fogo. O ato foi celebrado na Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio Ilícito de Armas Leves, ocorrida no período de 9 a 20 de julho, em Nova York, como "exemplar", não só pela quantidade de armas, mas principalmente pela participação popular. Foi bom para mudar um pouco da imagem do país, que é campeão mundial de casos de mortes relacionados com o emprego de armas de fogo.

Apesar do impacto positivo no âmbito internacional, a campanha recebeu algumas críticas. A principal era de que estavam sendo destruídas apenas armas antigas. Para o coordenador de desarmamento do Viva Rio, Antônio Rangel, o tempo de uso das armas não invalida a importância do movimento. "Uma arma de 40 anos mata da mesma forma que uma nova. Além disso com a destruição eliminamos os riscos de desvios ou aluguel de armas", diz. Algumas das armas destruídas foram apreendidas até cinco vezes consecutivas, revelando que há freqüentes desvios dos depósitos da Divisão de Fiscalização de Armas e Explosivos para o circuito criminal.

Para conseguir destruir tal quantidade de armas, o Viva Rio teve que enfrentar uma batalha judicial. Pela lei, as armas só podem ser destruídas após 20 anos de concluído processo judicial. Através de negociações com o Ministério da Justiça, Tribunal Estadual de Justiça e Procuradoria de Justiça foi possível reduzir o prazo para cinco anos. Se o prazo fosse ainda menor poderia ser realizado um novo ato nas mesmas proporções. "Ainda temos no depósito 100 mil armas com menos de cinco anos de processo que poderiam ser destruídas", afirma Rangel.

A importância das atividades do Viva Rio e do Sou da Paz pelo desarmamento foi reconhecida também pelo governo brasileiro. A prova disso é que essas duas ONG's integraram a delegação brasileira na Conferência da ONU. O Brasil foi um dos 10 países em todo o mundo que convidou ONG's para compor sua comitiva. Os participantes da Conferência se comprometeram em implementar na América Latina mecanismos de controle do tráfico ilegal de armas. A Conferência terá continuidade, nos dias 19 a 21 de novembro, no Chile.

A luta pelo desarmamento deverá ser ampliada. Nos dias 21 a 23 de junho foi realizado, no Rio de Janeiro, o 1º Seminário de ONG's do Brasil e do Mercosul sobre redução de Armas Leves. O evento reuniu 29 entidades do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai. "Estamos persuadindo ONG's que trabalham com outras formas de violência a incluir em suas agendas a luta contra a proliferação de armas", explica Antônio Rangel. De acordo com o coordenador do Viva Rio, a formação de entidades que trabalham com essa questão na América do Sul é nova, ao contrário da América Central, onde já atuam nessa área mais de 90 organizações da sociedade civil.

Algumas das campanhas de desarmamento têm o objetivo de convencer a população de que ter uma arma em casa não garante a proteção da família, mas a expõe ao risco. Com essa finalidade, o Viva Rio lançou em maio passado, no Dia das Mães, a campanha Arma Não! Ela ou Eu. Mulheres que perderam seus filhos e parentes com o uso de armas de fogo estão à frente do movimento. A participação das mães também é fundamental na campanha Mãe, Desarme seu Filho. A intenção é incentivar o desarmamento dos jovens, apelando para a ação das mães. Em breve será lançada uma ampla campanha de divulgação do tema com filmes publicitários na TV.

(LC)

Atualizado em 10/11/2001

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