Educação para a cidadania é fundamental para garantir a qualidade do regime democrático, ressaltam pesquisadores

Por Inácio de Paula

O entendimento dos cidadãos sobre o funcionamento democrático é fundamental para salvaguardar o regime. Estudos sobre educação para a cidadania na democracia contemporânea, como os realizados pela socióloga Maria Victoria de Mesquita Benevides Soares, do Departamento de Filosofia da Educação e Ciência da Educação (USP), e também de outros pesquisadores, mostram que a escola é o lugar de destaque para refletir e promover a educação para a democracia por meio da formação de cidadãos.

Na democracia, existe um misto de patriotismo, civismo e cidadania. Cada um dos três exige um comprometimento distinto do indivíduo na sociedade. Para a historiadora Josianne Francia Cerasoli, professora e pesquisadora do Departamento de História, da Unicamp, quase sempre, tais caminhos são incompreendidos ou são desconsiderados pelos cidadãos e, por isso, é tão importante educar para a democracia. Em diálogo com a abordagem da socióloga Maria Victoria, Josianne explica que o cidadão precisa conhecer como os processos legais funcionam. Para elas, o conhecimento e o estudo andam juntos.

O patriotismo se relaciona com o respeito aos símbolos e monumentos de caráter coletivo. “É quase como um conjunto de procedimentos de como agir corretamente em público em relação a algum símbolo nacional”, sintetiza a professora. Um pouco além, encontra-se o civismo. Interligado ou não ao patriotismo, o civismo implica no reconhecimento do conjunto de leis fruto do debate social. Nele, são reconhecidos os valores comuns a toda a sociedade, que precisam ser respeitados – e que não necessariamente coincidem com o valor pessoal.

“Hipoteticamente, imagine que uma pessoa tirou a vida de outra e eu queira que esta seja punida, também, com a morte. A lei que existe, que é respeitada e foi construída coletivamente, não permite pena de morte no Brasil. Mesmo que, supostamente, eu seja a favor da pena de morte, devo reconhecer — por civismo — que a sociedade não construiu esta ideia e preciso respeitar. Não posso achar que a minha convicção passa acima da lei”, exemplifica a pesquisadora.

Na cidadania, o engajamento e o comprometimento avançam um pouco mais. Segundo Josianne Cerasoli, ao exercer a cidadania, o indivíduo oferece os seus melhores recursos para o bem coletivo. Ele deixa de ser um personagem que aguarda ser atendido pelas leis ou alguém que dispara crítica descontente e acha que cumpriu seu papel. “O cidadão não é só o respeitador das leis, mas um personagem que olha o tempo inteiro para o que é exigido dele para melhorar o convívio social”, esclarece.

No caminho para a democracia existe a educação para cidadania e, por isso, é importante saber que nos três níveis de engajamento social, mesmo que as receitas sejam diferentes, a educação é o ingrediente comum entre eles. “Uma educação para a democracia bebe na fonte da cidadania”, finaliza a professora.

Escola democrática

Raul Cabral França, doutorando em educação pela Unicamp, realiza sua pesquisa acerca do desenvolvimento de projetos pedagógicos inovadores em escolas públicas. “Entendemos por inovador o projeto que rompe em algum grau com o modelo escolar tradicional”, explica. Esse modelo de gestão oportuniza a realização de assembleias escolares, espaços de diálogos com periodicidade e formato definido nos quais  podem ser discutidas questões relativas à convivência, às regras e ao ambiente escolar em geral.

Segundo Raul, a Escola Municipal de Guarulhos (SP) Manuel Bandeira é um dos exemplos de organização inovadora, que desenvolve a prática de gestão democrática e consciente do espaço público. Por meio do “conselhinho”, funcionários e estudantes decidem as melhorias realizadas na instituição. Essa prática, aliás, é também adotada em outras escolas. Sua pesquisa de doutorado acompanha precisamente duas outras instituições, a Escola Municipal de Educação Infantil Nelson Mandela, da cidade de São Paulo, e a Escola Municipal de Ensino Fundamental Helena Futava Takahashi, de Hortolândia (SP).

A escola Nelson Mandela, por exemplo, é referência para a educação pública, com projetos premiados, principalmente no combate ao racismo e pela inclusão. Na coleção de prêmios se destacam o “Educar para a Igualdade”, promovido pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) e o Prêmio Paulo Freire de Qualidade do Ensino Municipal, da Câmara Municipal de São Paulo. O destaque foi devido ao projeto “Diretor e diretora de escola por um dia”. É um momento em que pais, alunos e funcionários avaliam as ações da escola e sugerem medidas de melhorias para a gestão.

Já a escola Helena Futava Takahashi engatinha os primeiros passos rumo ao modelo de gestão democrática. “Na lógica do ‘eu critico! eu felicito! eu sugiro!’ sobre a escola, dois representantes de cada classe participam de uma reunião com a coordenadora pedagógica para apresentar os pontos que surgiram nas assembleias de classes ocorridas anteriormente. Neste momento, a gestão escolar está no processo de elaboração das respostas que serão designadas para todos os alunos”, explica Raul.

Ao encontro do que esclarece Cerasoli sobre cidadania, Raul França explica que esse exercício introduz no cotidiano dos estudantes a vivência de valores democráticos, como o debate entre diferentes pontos de vista, a proposição de soluções para problemas coletivos e a resolução pacífica de conflitos. “O propósito de inovar na escola deve ser indissociável de uma concepção humanizadora crítica e emancipatória, e do compromisso social de superar desigualdades”, finaliza o doutorando.

Inácio de Paula é formado em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Atualmente, cursa especialização em jornalismo científico no Labjor – Unicamp.