Eu, ele, nós, eles – a ciência da empatia

Por Bruno Moraes e Phillipe Pessoa

Frente a um período de grave crise econômica e humanitária, diversos intelectuais, políticos e celebridades mundiais têm defendido a vocação empática como força revolucionária para superação das crises e a construção de um mundo mais solidário. Esta atraente e convincente ideia, no entanto, encontra inimigos declarados, como Paul Bloom, professor da Universidade de Yale, que publicou o livro Against empathy: the case for rational compassion (Contra a empatia: o caso a favor da compaixão racional, ainda sem tradução para o português). “Quando as pessoas pensam em empatia, pensam em caridade. Mais e mais, eu penso em violência e guerra”, declarou Bloom em entrevista cedida ao podcast Big Think.

A capacidade de estabelecer uma enorme e complexa rede de interações sociais foi fundamental para a sobrevivência e dispersão da espécie. Esta, por sua vez, deriva de uma enorme gama de faculdades interpessoais, em especial a de cooperar com outros indivíduos a partir da compreensão mútua. Na essência destes atributos, está o conceito psicológico multifacetado da empatia, que não é exclusivo, mas é proeminente na espécie humana. Comportamentos associados a essa habilidade são identificados em outras classes do reino animal.

Empatia: debate conceitual e evolução das pesquisas

Embora o termo empatia tenha origem há mais de cem anos, seu conceito não está bem estabelecido. Pesquisadores avaliaram dezenas de artigos científicos e encontraram ao menos 43 definições distintas. Por fim, chegaram a um entendimento, explicitado no artigo “Empathy: a review of the concept”:

“Empatia é uma resposta emocional (afetiva), dependente da interação entre traços característicos e influências de estado. Processos empáticos são desencadeados automaticamente, mas também moldados por um processo controlado do topo para a base. A emoção resultante é similar à percepção (diretamente sentida ou imaginada) e entendimento (empatia cognitiva) do estímulo da emoção por alguém, com reconhecimento de que a fonte da emoção não é este mesmo alguém”.

A neurociência dedicou-se por uma mais de uma década – pelo menos entre 1995 e 2005, segundo revisão de Zaki e Ochsner, em 2012 – a desvendar os aspectos afetivos e cognitivos da empatia, a partir de uma perspectiva mecanicista. Essa abordagem busca identificar e estudar componentes isolados de um sistema e inferir o funcionamento geral a partir da reunião das partes. “Esta é uma primeira tentativa de estruturação, que caracteriza a presença de um aspecto mais automático (afetivo), ligado ao contágio emocional, ao compartilhamento da emoção do sujeito observado; e a presença de um processo controlado (cognitivo), de assumir a perspectiva, compreender o pensamento do outro (teoria da mente)”, afirma o professor Paulo Sérgio Boggio, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Além de identificar duas dimensões da experiência empática, os estudos indicaram uma grande independência funcional e evolutiva entre as redes e estruturas relacionadas à afetividade e cognição. Todavia, a soma das partes nem sempre explica o conjunto, em especial no caso de fenômenos complexos como o comportamento humano.

Atenta a isso, a psicologia concentrou esforços numa perspectiva holística, mais ampliada, observando os comportamentos dentro do contexto real das relações entre os indivíduos. De fato, os estudos acerca da empatia sob o prisma da psicologia reconheciam a presença de um componente afetivo e outro cognitivo da mesma, entretanto indicavam que eles seriam altamente interativos. A diferença das abordagens disciplinares era um dos motivos para a disparidade de resultados e conceituações apontadas anteriormente. Assim, a necessidade de uma compreensão interdisciplinar, provocou uma mudança de perspectiva na abordagem da neurociência, de modo a permitir a comparação e o diálogo com os achados de outras áreas.

O panorama dos animais sociais

Nem “empatia”, nem “sociedades”, e muito menos a ideia de “cooperação” são exclusivos dos seres humanos. Em grupos de suricatos, por exemplo, os animais se revezam para vigiar as entradas das tocas, e chegam a se juntar em grupos para enfrentar predadores como serpentes. No pantanal e amazônia brasileiros, ariranhas também unem esforços para enfrentar animais maiores, como jacarés e até onças pintadas. Como serão os processos cerebrais e mentais de cada um dos indivíduos ao se envolver nesses comportamentos, e como serão os laços entre eles?

O pesquisador holandês e professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Emory, Frans de Waal, vem dedicando as últimas décadas de sua vida profissional ao estudo da cooperação animal, em especial ao altruísmo. Para a biologia evolutiva, comportamento altruísta ocorre quando uma ação resulta em benefício de um indivíduo da mesma espécie, com alguma desvantagem para aquele que toma essa ação. O mais comum nos estudos que tentavam entender as bases para esse tipo de comportamento era desconsiderar a possibilidade de animais agirem dessa maneira sem a expectativa de um retorno. E como a própria evolução depende de retornos benéficos para a sobrevivência e reprodução, um comportamento altruísta espontâneo seria absurdo.

Conforme de Waal argumenta em um artigo de revisão, faz pouco sentido assumir que seres humanos são a única espécie dotada de comportamento verdadeiramente altruísta, sem expectativa de retorno. Especialmente quando a razão para esse pressuposto é o receio de humanizar os bichos, ou assumir que eles sejam capazes de raciocinar e fazer inferências mentais. Isso porque, muitas vezes, os benefícios de um comportamento que melhora a vida outros indivíduos do grupo (como levar alimento e água para os adoecidos, ou cuidar de filhotes com laços mais distantes de parentesco) não são imediatos.

“A vida social impõe todo o tipo de demandas sobre a inteligência, como manter a paz dentro do grupo, promover a reconciliação após uma briga, prestar atenção em alguns favores para manter a reciprocidade, entender seu lugar na hierarquia e as formas de melhorá-lo etc. Dessa maneira, a vida social deve ter uma forte influência na evolução cerebral”, enfatizou de Waal à reportagem.

E, da mesma forma que os animais praticam sexo tendo como retorno imediato apenas o prazer, sem a compreensão de que a consequência é o nascimento de filhotes, a evolução dos cérebros sociais pode muito bem ter criado mecanismos de recompensa imediata por ações que contribuem para o bem-estar do grupo, mesmo que os benefícios não sejam conscientemente considerados. Segundo a hipótese defendida por de Waal, se há vantagens de longo prazo (evolutivas) para se comportar de maneira a aumentar o bem-estar dos indivíduos dentro de um grupo, a adoção desses comportamentos deve resultar em uma recompensa, em termos de bem-estar, que deve ser imediata. Isso reforçaria a tendência de agir de maneira pró-social, ou seja, tomando decisões que resultam na melhoria da qualidade de vida do coletivo e na manutenção da paz dentro do grupo.

Ao revisar a literatura a respeito de comportamento social em animais em busca de entender os vários fenômenos relacionados a ações altruístas, Frans de Waal decidiu por trabalhar com uma das mais amplas definições de empatia. Para isso, ele se atentou a qualquer indício da capacidade de perceber os estados emocionais de outros indivíduos (empatia afetiva). E também procurou por qualquer coisa mais complexa do que isso, como responder a esses estados emocionais ou dar sinais da capacidade de considerar estratégias para consolar ou ajudar aqueles que estejam passando por algum problema. E, sim, estamos falando de animais não humanos.

Quando se trata de animais que vivem em bandos, a vantagem conferida pela capacidade de cada membro de identificar se os outros estão tranquilos, assustados, ou empolgados por encontrar comida é óbvia. Dessa maneira, mesmo que nem todos os membros do grupo vejam um predador, eles são capazes de responder ao medo dos outros e se esconder. Essa habilidade também é importante para a coordenação de movimentos coletivos.

Mentes que se moldam juntas

Primatas são os mais estudados quando o assunto é comportamento social, e têm grande proximidade com a espécie humana. Em geral, formam grupos e unidades familiares, e cada membro coopera para encontrar alimentos, defender o território, proteger uns aos outros de predadores e cuidar dos filhotes. Filhotes aprendem comportamentos com os membros mais velhos, principalmente relacionados à alimentação, e mesmo primatas adultos mantêm a capacidade de imitar uns aos outros e, através disso, aprender a desempenhar certas ações.

Foram os macacos-pregos que interessaram Patrícia Izar, professora do Departamento de Psicologia Experimental da USP, durante sua formação como pesquisadora. “Como etóloga (estudiosa do comportamento), busquei analisar os sistemas sociais destes animais com base em modelos que relacionam ecologia e comportamento”, conta.

Para ela, a vida social tem a particularidade de trazer tanto uma intensa competição dentro dos grupos animais quanto um estímulo à cooperação. Surge, a partir disso, uma hierarquia, decorrente da distribuição dos custos e dos benefícios de se agregar a outros seres, incluindo os danos que se sucedem a eventuais conflitos. Portanto, há espaço para o surgimento de mecanismos de evitação de brigas e resolução de conflitos. E, permeando toda essa história, está a capacidade de reagir ao que os outros estão sentindo.

Aparentemente, o cuidado com o outro deriva de um tipo especial de relação, que todos os mamíferos e aves exibem por pelo menos uma curta fase da vida: o cuidado com os filhotes. “A empatia é um traço generalizado entre mamíferos, que provavelmente se iniciou com o cuidado materno. As mães precisam responder aos sinais de estresse de seus filhotes, como quando estão com fome, frio ou em perigo”, elabora o professor Frans de Waal. “Portanto, as fêmeas de mamíferos precisam de empatia, o que também explica porque ela é mais desenvolvida em fêmeas e o porquê de haver um envolvimento do hormônio ocitocina (que, entre outras funções em machos e em fêmeas, está envolvido em diversas etapas do cuidado materno). Mas então a capacidade para empatia se estendeu para outras relações, incluindo indivíduos não aparentados, incluindo os machos, e surgindo em situações nas quais ela poderia ser útil na manutenção de relações de cooperação.”

Fêmea de macaco-prego carregando um filhote. A empatia parece ter se iniciado com o cuidado materno, e depois se generalizou para outras relações. Macacos-prego são alguns dos poucos animais que conseguem aprender a usar ferramentas pela observação de um outro indivíduo realizando essa tarefa. Foro: Tiago Falótico (reproduzida de Wikimedia Commons)

O professor de Waal lembra, porém, que nem toda espécie empatiza da mesma forma, ou apresenta mecanismos mais elaborados de reação às emoções alheias. “Em algumas espécies, o uso da empatia é bastante limitado, mas em outras (como lobos, golfinhos, elefantes e primatas) ela pode ser bem extensiva”. Ela vai desde o contágio emocional básico que faz com que camundongos apresentem sinais de estresse ao verem a dor de outros camundongos, até comportamentos mais complexos, como demonstrações de cuidado e capacidade de tomar a perspectiva dos outros. Para citar dois exemplos de comportamento altruísta³, temos os casos de macacos rhesus e de ratos que recusam acionar mecanismos que lhes dariam comida em situações nas quais isso também ocasiona a eletrocussão de um outro indivíduo da mesma espécie.

Demonstrações de preocupação empática aparecem tanto em chimpanzés, que têm o costume de consolar membros do grupo que saíram feridos após confrontos, quanto em filhotes de macacos rhesus consolando outros filhotes que apanharam de membros mais velhos do grupo. E animais domésticos como cães e gatos respondem com tentativas de consolo a sinais de tristeza e estresse de seus donos, o que é impressionante já que se trata de um envolvimento e proatividade em relação ao estado emocional de um ser de outra espécie.

Ainda mais interessantes, apesar de mais raros, são casos que sugerem um passo além de entender e tentar reconfortar os outros: o de tentar entender os motivos por trás das ações e emoções alheias, e traçar estratégias mais complexas. Isso está implicado no ato de mães orangotango ao fazer pontes com o próprio corpo entre duas árvores, para permitir a passagem dos filhotes. Isso porque, além de entender a perturbação dos pequenos, também são capazes de entender o motivo e desenvolver uma estratégia para resolvê-lo. Essa capacidade também está por trás do aprendizado social, talvez uma das mais revolucionárias possibilidades que podem surgir na vida em grupo.

“Além das questões da defesa contra predadores e da coordenação para patrulhar o território e conseguir comida, a vida social facilita a transmissão de informação, incluindo inovações. De tal forma que geralmente se encontra um maior repertório de comportamentos tradicionais, tanto no que se refere a sinais comunicativos quanto ao uso de objetos, em espécies sociais. A transmissão social de comportamentos novos permite que soluções individuais sejam rapidamente espalhadas no grupo e depois pela população, com potenciais consequências evolutivas”, diz a professora Patrícia Izar.

Bruno de Sousa Moraes tem graduação em ciências biológicas (UFRJ), mestrado em ecologia (UFRJ) e é pós-graduado em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.

Phillipe Pessoa é bacharel em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais