Flávia Linhalis: O isolamento social mostrou a urgência em incorporar tecnologias ao ensino

Por Bianca Bosso

O isolamento social imposto pela pandemia de covid-19, que se estende desde o primeiro trimestre de 2020, trouxe à tona a possibilidade de novos usos para o ambiente virtual, que podem favorecer o ensino e a acessibilidade a conteúdo. As tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), por exemplo, podem ser aliadas importantes nesse processo.

A pesquisadora Flávia Linhalis Arantes ajuda a entender o papel dessas ferramentas na formação de profissionais. Doutora em ciências da computação e matemática computacional e coordenadora do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED), Linhalis realiza pesquisas relacionadas a educação a distância, pensamento computacional, interação humano-computador e software livre.

Quais são as principais aplicações das tecnologias digitais de informação e comunicação para a formação de profissionais em um cenário onde as escolas e universidades estão fechadas?

Neste contexto, as principais aplicações das TDIC estão voltadas para questões do currículo, do processo de ensino e aprendizagem e da avaliação. Essas aplicações consistem principalmente na possibilidade de aulas on-line (síncronas), vídeo aulas (assíncronas) e nos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA). Pensando na formação de profissionais na universidade, um ponto que merece destaque são as aulas práticas remotas. Por exemplo, aulas práticas de anatomia para o curso de medicina e odontologia, aulas práticas de circuitos eletrônicos no curso de engenharia elétrica, entre outras. No entanto, nos laboratórios remotos, as realidades virtual e aumentada ainda não são capazes de substituir o fazer com a “mão na massa” que um laboratório presencial proporciona.

Esses métodos podem ser usados em todas as fases e áreas de ensino?

São tecnologias que podem ser usadas em todas as áreas, mas cada segmento do ensino tem suas especificidades, da educação infantil ao ensino superior. Para alunos da universidade, o ensino a distância pode funcionar muito bem, pois o nível de desenvolvimento intelectual do estudante é mais avançado, permite lidar com ferramentas digitais e, em muitos casos, autorregular o próprio aprendizado. Outra coisa bem diferente é tratar o ensino a distância para crianças do primeiro ano no ensino fundamental, que estão em processo de alfabetização.

O isolamento social contribuiu para o aceleramento do processo de virtualização do ensino?

Acelerou para muitos, certamente. Se a perspectiva é de que a situação se prolongue, então fica evidente a urgência em incorporar tecnologias ao ensino. O isolamento social deixou isso muito claro.

Há evidências de que a virtualização favorece o aprendizado?

Não há evidências que o uso de TDIC favorece o aprendizado, a não ser em casos muito específicos. Por exemplo, já se sabe que alunos autistas interagem melhor com os professores com o apoio de tecnologias do que sem esse apoio. De modo geral, o que favorece o aprendizado não é o uso das TDIC, mas sim a metodologia usada no processo educativo. Pensar em TDIC da educação é pensar sobre a formação de pessoas tendo as tecnologias como ferramentas mediadoras, seja na modalidade totalmente a distância, no ensino híbrido ou no ensino presencial. Em cada uma dessas modalidades é preciso ter uma metodologia própria. Processos educativos a distância envolvem uma maneira diferente de organização, uma metodologia própria para essa modalidade. É um processo que exige um cuidado e um tempo de planejamento.

A virtualização do aprendizado pode criar um distanciamento entre o aluno e o conteúdo? E no contexto da pandemia, isso funciona da mesma forma?

Acho que isso depende do perfil do aluno, do professor, da disciplina/curso e da metodologia utilizada. É difícil generalizar. O que favorece o aprendizado e aproxima (ou distancia) o aluno do conteúdo não é o uso das TDIC, mas sim a metodologia usada no processo educativo. Acho que existe um distanciamento evidente entre aluno-aluno e aluno-professor que, para alguns, pode impactar no aprendizado ou na maneira de absorver conteúdos. Mais uma vez, é difícil generalizar. Muitos sentem falta do presencial – na sala de aula há maior possibilidade de problematizar, de reagir a um gesto que o aluno faz, um olhar, a entonação em uma fala, uma cara de dúvida. No ensino remoto grande parte disso se perde, é mais difícil ter a percepção dessas sutilezas.

A virtualização pode contribuir para a acessibilidade (no sentido de possibilitar o acesso de usuários a materiais que, sem esse recurso, não chegariam até eles, seja por limitações de distância ou por deficiências físicas)?

Nesse sentido sim. Certamente o uso da internet e das TDIC pode melhorar o acesso a materiais. Mas não podemos generalizar. Se por um lado existe uma contribuição no sentido de acesso/acessibilidade, por outro pode aumentar ainda mais as desigualdades sociais, pois nem todos têm acesso à internet banda larga e computadores/laptops em casa. É preciso considerar se, em uma mesma turma/curso/colégio/universidade, há alunos que terão acesso e outros que não terão. Isso é um problema que foge aos domínios da universidade e entra na esfera da inclusão digital, das políticas públicas que deveriam ser trabalhadas para permitir esse acesso com equidade. Como não deixar ninguém para trás?

Quais são as perspectivas para a virtualização do ensino em um futuro próximo? O que a experiência do isolamento social adicionou a essas perspectivas?

É inegável que as tecnologias facilitam a nossa vida. Quando voltarmos da pandemia, não seremos os mesmos e utilizaremos mais as ferramentas tecnológicas. Por exemplo, a presença em reuniões universitárias foi maior on-line quando comparada às reuniões presenciais. O mesmo pode ser pensado com relação ao ensino, em uma amplitude maior, que inclui metodologias adequadas. Acredito que a experiência do isolamento nos mostrou a viabilidade de trabalhar e estudar a distância e acho que o ensino híbrido terá seu espaço ampliado na universidade no pós pandemia.