Oculto, camuflado, disfarçado: colonialismo alemão na China

Por Mechthild Leutner

O racismo contra os asiáticos vem se mostrando cada vez mais evidente na Alemanha desde o início da pandemia de coronavírus em 2020, incitado por discussões na mídia sobre a questão se a China deve ou não ser culpada pelo surto. Pessoas que são asiáticas sofrem ataques verbais, imagens na mídia estigmatizam os chineses que usam máscaras e humoristas ridicularizam o idioma chinês. Trata-se de uma continuação dos clichês e imagens negativas sobre a China que se originaram nos tempos coloniais e que já foram revividos durante a ditadura nazista e a fase anticomunista da Guerra Fria nas décadas de 1950 e 1960.

O domínio colonialista alemão na China, que vem sendo repetidamente suprimido e também frequentemente camuflado, não parece ter sido resolvido até hoje. Muito pelo contrário, exibe uma certa longevidade oculta sob um véu. Não no exercício real do poder – o Império Alemão teve que devolver sua colônia na China já em 1914, assim como todos os outros direitos soberanos que as potências coloniais haviam imposto àquele país.

Mas o que permaneceu é uma perspectiva colonialista herdada de dominação sobre os conquistados e o pensamento racista de superioridade dos “brancos”, em torno da arrogância cultural que transparece aqui, que ainda vem à tona hoje em dia e que – reforçada pelo debate da Nova Guerra Fria e o discurso que a China representa um rival sistêmico e inimigo – emerge em novas formas. A China e a Ásia aprendem “conosco”, não somos nós que aprendemos com a China nem com Ásia – o poder da interpretação é afirmado da mesma forma que antes.

Muitos alemães, especialmente os das gerações mais jovens, não têm consciência dessa conexão com a história colonialista alemã nem sabem sobre o regime colonialista alemão na China. Os nomes de ruas de cidades alemãs que ainda se referem a esse passado colonialista são entendidos totalmente sem referência histórica, como a Praça de Pequim e a Rua Kiautschou, em Berlim. Às vezes, após longos debates, grupos que criticam o colonialismo pelo menos conseguem acrescentar placas explicativas às ruas cujos nomes se referem às origens coloniais.

Ambições coloniais em relação à China já foram expressas nos estados alemães após a Primeira Guerra do Ópio em 1840/41[1]. Com o envio da denominada expedição prussiana depois de 1860/61 à China, entre outros lugares, essas ambições coloniais foram traduzidas em política. Em 1861, após a vitória das tropas britânicas e francesas na China na Segunda Guerra do Ópio, a ameaça da força militar e dos movimentos diplomáticos foram suficientes para forçar a China a assinar um tratado injusto também com a Prússia/Alemanha. Assim, a Prússia/Alemanha também se integrou ao sistema colonialista na China e lucrou com isso.

A China era uma colônia informal das grandes potências imperialistas e teve que renunciar à sua soberania em muitas áreas; porém o sistema político do país permaneceu intacto. A China era considerada semicivilizada; havia sido uma antiga civilização altamente desenvolvida, mas agora era considerada degenerada. Portanto, a China precisava ser “civilizada”.

A Prússia/Alemanha também usufruiu de todos os privilégios de domínio que os poderes imperialistas que a França e a Inglaterra já haviam imposto: tarifas de comércio baixas e lucrativas, também sobre o ópio (assim foi legalizada a importação de ópio), estabelecimento de tratados para novos portos que os navios de guerra estrangeiros também foram autorizados a usar à vontade como porto de escala, jurisdição especial para todos os estrangeiros e estabelecimento de legações estrangeiras na capital Pequim.

Nas décadas seguintes, o império alemão assegurou sua preeminência na China através de pressão política e militar e a expandiu, mas a princípio não conseguiu impor a conquista de uma colônia territorial semelhante à Hong Kong da Grã-Bretanha por causa da firme resistência do governo chinês. No entanto, foi possível adquirir o conhecimento necessário para uma maior expansão (e também gerar a experiência profissional necessária para a expansão colonialista, inclusive para a China, com a fundação do Seminário de Línguas Orientais em Berlim, em 1887).

As agressões militares sucessivamente da Rússia, Japão, França e Grã-Bretanha na China levaram à cessão de novos territórios periféricos e de antigos estados subordinados como a Coreia e o Vietnã no final da década de 1890. Décadas de exploração econômica, que exacerbaram a desigualdade social e provocaram revoltas em casa, também deixaram a China enfraquecida política e militarmente, incapaz de oferecer resistência efetiva.

Desde o início da década de 1870, o império alemão exigiu o estabelecimento de uma chamada estação de carvão na costa chinesa ou na ilha de Taiwan, a fim de manter mais eficientemente manobráveis os navios de guerra alemães que cruzavam as águas do leste asiático desde o final da década de 1860. Essa ideia de uma “base” foi expandida até que uma simples chegada de navios de guerra em 1897 ocupou a baía de Jiaozhou/Kiautschou na província de Shandong. A cidade de Qingdao/Tsingtau foi adquirida como território arrendado de Kiautschou e a província foi declarada esfera de influência alemã com privilégios especiais.

O termo “território arrendado” posteriormente serviu, e ainda serve até certo ponto, para que o lado alemão camuflasse o fato de que o território era na realidade uma colônia, um domínio sobre os conquistados. Estruturas coloniais de governo, campanhas militares de punição e baixas correspondentes da população civil, exploração econômica dos depósitos de carvão da província de Shandong, hegemonia cultural, segregação espacial e sociocultural, reprodução constante da desigualdade: essas eram as características dominantes também na colônia de Kiautschou na China. Isso não foi questionado porque foram apresentados como projetos de modernização a construção de um porto moderno, de ferrovias, escolas e vilas na praia (bem como uma cervejaria) e a criação de uma faculdade germano-chinesa em Qingdao com o propósito de treinar trabalhadores locais. Tais projetos eram bastante propagandeados no discurso da época como sinais de uma colônia alemã modelo e como uma contrapartida à Hong Kong britânica e até hoje continuam a encontrar seu lugar na historiografia alemã.

Surgiu resistência também contra os governantes coloniais. Enquanto oficiais e intelectuais chineses exigiam massivamente, mas sem sucesso, reformas políticas de seu governo em resposta à ocupação de Jiaozhou, a população rural comum, que viu sua ordem cultural ameaçada sobretudo pelos missionários estrangeiros, se rebelou. Os boxers, grupos rurais de combatentes qigong, inclusive na província de Shandong, mobilizaram-se contra os estrangeiros, ganhando apoio de líderes militares chineses e políticos que agora acreditavam que poderiam se libertar de seus opressores estrangeiros.

As oito potências coloniais, incluindo a Alemanha, reagiram de forma rápida e decisiva aos ataques a missionários estrangeiros e, finalmente, ao cerco do bairro das embaixadas em Pequim. Em 17 de junho de 1900, navios de guerra estrangeiros atacaram as tropas do governo chinês e lutaram até chegarem a Pequim. Pequim foi tomada e, assim como em 1861, os conquistadores a saquearam e pilharam. Muitos dos bens saqueados foram introduzidos no mercado internacional de arte, produzindo polpudos lucros – a restituição deles até hoje ainda está pendente. Na realidade, quase nunca é discutida.

Ao mesmo tempo, as potências aliadas enviaram uma força expedicionária internacional sob a liderança alemã. O enviado alemão Clemens von Ketteler havia sido baleado e morto por boxers em Pequim. O kaiser Wilhelm II queria vingar essa atrocidade de uma forma especial. Ele formulou os planos de vingança em seu infame discurso quando os navios de guerra alemães partiram da Alemanha. E foi assim que as tropas alemãs, enquanto avançavam e se mobilizavam, compensavam sua busca inútil por combatentes sobreviventes do movimento boxer atacando brutalmente a população civil.

Como resultado da Guerra dos Boxers, a China teve que concordar com novas cessões territoriais, enclaves coloniais em várias cidades e, acima de tudo, pagar uma quantia quase inimaginável em compensação: 450 milhões de taels, mais juros. Nos anos seguintes, esses pagamentos devoraram a maior parte das receitas fiscais da China e o empobrecimento do Estado e de toda a população atingiu novas dimensões sem precedentes. Após o colapso do império em 1911, a república chinesa também teve que assumir essas obrigações até 1942. Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha, por sua vez, foi forçada a renunciar aos pagamentos e aos privilégios colonialistas após 1918.

A narrativa alemã dominante sobre seu próprio regime colonialista na China foi a da construção bem-sucedida de uma colônia modelo moderna em contraste com a Hong Kong britânica. A partir da década de 1950, na República Democrática Alemã, e a partir dos anos 1980 na República Federal, os historiadores começaram a examinar esse tema em profundidade. Mas ele não foi amplamente divulgado para o público. Na China, o século colonialista de 1840 a 1942 é chamado de Século da Vergonha. A grande maioria da população na Alemanha, assim como a mídia, ainda está longe de uma ampla popularização da visão crítica do passado colonialista da Alemanha na China. Isso também é demonstrado pela quase completa omissão dessa história, na qual a Alemanha teve seu quinhão, nos discursos da mídia atual sobre a China e também sobre Hong Kong.

Mechthild Leutner é professora doutora na Universidade Livre de Berlim

[1] O relato a seguir se baseia em minha pesquisa sobre a história colonial alemã na China, detalhada mais recentemente em: Mechthild Leutner: “Kolonialpolitik und Wissensproduktion: Carl Arendt (1838-1902) und die Entwicklung der Chinawissenschaft, (Política Colonial e a Produção do Conhecimento: Carl Arendt (1838-1902) e o Desenvolvimento de Estudos Chineses),” Münster: Lit 2016. Parte do artigo representa uma tradução de meu artigo: “Die Mär von der Musterkolonie, “O mito da colônia modelo. O colonialismo alemão na China ainda é suprimido e camuflado hoje em dia)” Em: Südlink 188 (2019)