Pandemia aumenta abandono, mas também adoção de pets

Especialistas temem que o abandono de animais de estimação cresça ainda mais no pós-pandemia, apesar do aumento de adoções para mitigar a solidão durante o isolamento social

Caroline Marques Maia e Roberta Bueno

Os animais de estimação, também chamados de pets, somam cerca de 139 milhões no Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2018. A pandemia do novo coronavírus expôs a relação das pessoas com os pets, sobretudo cães e gatos, os mais populares. Se, de um lado, o medo de contágio da Covid-19 aumentou o número de animais abandonados – mesmo não havendo evidências de que se contaminem ou que sejam transmissores do vírus – de outro, o distanciamento social tem levado à adocão de um pet para driblar a solidão.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que só no Brasil existam mais de 30 milhões de animais abandonados, sendo cerca de 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães. Nas grandes cidades, a cada 5 habitantes há um cachorro, dos quais 10% estão abandonados. Mas na pandemia o número de animais abandonados vem crescendo e pode piorar quando a quarentena acabar. “Infelizmente, penso que há uma possibilidade maior dos animais adotados agora serem abandonados após a pandemia, pois o ser humano tende a se voltar para os seus próprios interesses  e se esquecer dos bons momentos vividos juntos com os seus animais”, enfatiza Stelio Pacca Loureiro Luna, médico veterinário e docente na Universidade Estadual Paulista (Unesp) que coordena um projeto de pesquisas sobre dor e qualidade de vida em animais.

Com a pandemia, o abandono de animais tem crescido. Créditos: Pixabay

Parte do abandono durante a pandemia pode ser consequência da desinformação. Muitas pessoas, com medo de que os animais sejam transmissores da Covid-19, acabam por abandoná-los sem antes buscar informações adequadas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde Animal, não há justificativa para tomar medidas contra animais de companhia que possam comprometer seu bem-estar. Um artigo recente publicado na revista Journal of Travel Medicine traz um alerta sobre o abandono de animais domésticos em função do pânico. “Um problema são as informações errôneas de que cães e gatos podem transmitir o coronavírus. Certamente esse não é o caso para cães e ainda não há comprovação definitiva para gatos”, aponta Stelio.

Outra possível razão para o abandono dos pets na pandemia é que muitas famílias estão lidando com a instabilidade financeira. Conforme lembra o veterinário, antes de adotar é preciso ter noção do gasto envolvido no cuidado de um animal. “Nas devidas proporções, adotar um animal é a mesma coisa que ter um filho, ou seja, passamos a ser responsáveis por aquele animal”, conclui.

Para Eliana Ferraz Santos, bióloga que trabalha com resgate e adoção de gatos abandonados no Departamento de Proteção e Bem-Estar Animal (DPBEA) da prefeitura de Campinas (SP), a probabilidade de abandonar o animal após a adoção, mesmo na pandemia, depende muito do cuidado ao avaliar as pessoas que chegam com intenção de adotar. “É importante gastar tempo fazendo uma boa entrevista e avaliando bem os prós e os contras em cada caso; adoção precisa ser algo muito bem avaliado por quem faz a entrevista com o possível tutor”, destaca a bióloga.

A adoção

Por outro lado, felizmente, a pandemia fez com que mais pessoas quisessem adotar um animal de estimação. Isso reflete como os pets podem ajudar as pessoas a lidarem melhor com o isolamento. De acordo com Caio Maximino de Oliveira, psicólogo e professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), a solidão causada pelo isolamento social é dolorosa e pode impactar tanto a parte física quanto mental das pessoas, afetando negativamente a saúde e a qualidade de vida. “Muitas vezes, as pessoas procuram formas de resolver essa solidão; algumas o fazem com ligações frequentes para as pessoas queridas, outras adotam animais de estimação”, comenta o psicólogo.

Caio ainda pontua que os pets ajudam as pessoas a enfrentarem situações difíceis, que envolvem muito medo, como o momento que vivemos agora. “Os animais de estimação são importantes em momentos de crise e desastre. A educadora Holly Travis sugere que isso acontece porque a relação com os pets parece dar um senso de estabilidade quando outros aspectos da vida cotidiana estão além do controle individual”, explica. Nesse cenário, a adoção de animais na pandemia é uma atitude natural, mas as pessoas devem trabalhar a expectativa antes de realmente adotarem um animal. “A imagem que as pessoas transmitem dos pets nas redes sociais é muito diferente da realidade desses animais, e essa disparidade pode gerar muita frustração. Mas se essa expectativa for trabalhada, os animais de estimação podem atenuar de maneira muito significativa o sentimento de solidão”, destaca o psicólogo.

Esse alerta também faz parte do dia a dia de Eliana no DPBEA. “No departamento [Proteção e Bem-Estar Animal], sempre tivemos a preocupação de falar sobre a posse responsável, independentemente da pandemia. Adotar um animal é um ato de muita responsabilidade. Não é simplesmente chegar e adotar um bicho, levá-lo para casa, ‘usá-lo’, enjoar dele e aí querer jogar fora e abandoná-lo. A posse responsável é um ato que tem que ser muito pensado”, enfatiza.

De acordo com Eliana, outra possibilidade para o aumento das adoções na pandemia é o ganho de tempo livre pela redução das atividades das pessoas na quarentena. “Acredito que muita gente, há muito tempo, estava querendo ter um animal de companhia mas, devido a vida ser muito corrida, as pessoas acabam sempre postergando isso. E agora, com as pessoas mais reclusas, talvez tenha dado ‘esse tempo’ para adotar um pet”, afirma. A bióloga aponta que as pessoas também tem indicado ou influenciado a adoção de pets. “As pessoas estão sendo multiplicadoras para que outros também tenham esse ato de adotar um animal”, comenta.

O gatinho Lilo foi adotado durante a pandemia por Jaqueline Messina no Departamento de Proteção e Bem-estar Animal (DPBEA) da Prefeitura de Campinas (SP). Créditos: Eliana Ferraz

Garantindo o bem-estar de todos

Para garantir uma convivência harmoniosa entre as pessoas e seus pets é importante levar em conta as necessidades de todos os envolvidos nessa relação. No momento, a maior preocupação com o bem-estar dos pets é quando a quarentena acabar. Eliana salienta que é preciso avaliar se aqueles que pretendem adotar terão disposição para dar a atenção necessária aos animais depois de um dia de trabalho ou estudos. Ela não recomenda a adoção de pets por pessoas que saem para trabalhar de manhã e que à noite ainda vão para a faculdade, porque vão chegar cansadas e, certamente, não terão disposição para interagir com o animal, que passou o dia sozinho. Nessa situação, o tutor pode até se irritar com o pet.

Quando os tutores precisam se ausentar em parte do dia, é necessário fornecer um ambiente adequado para que os animais não sofram com a separação. “Uma forma simples para melhorar o bem-estar animal é prover enriquecimento ambiental. Para os gatos, pode-se fornecer tecidos em que possam afofar os membros e tanto para cães e gatos, disponibilizar brinquedinhos como bolas de tênis”, orienta Stelio. Animais também precisam de companhia e distração.

Segundo a Lei Federal de Crimes Ambientais nº 9.605 (1998) e a Constituição Federal Brasileira (1988), o abandono de animais é considerado maus-tratos e é crime. As denúncias de abandono ou outros tipos de maus-tratos devem ser feitas junto ao órgão público competente do município, no setor de vigilância sanitária, zoonoses ou meio ambiente. No estado de São Paulo, também podem ser feitas pelo site da Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (DEPA), um serviço da Secretaria de Segurança Pública criado para enviar denúncias de crimes ocorridos no estado.