Punições exemplares garantiram a manutenção do império romano

Por Graziele Souza

As chamadas “punições exemplares” servem para confirmar o poder de alguém, com intenção de que se restabeleça a ordem e, muitas vezes, impõem o medo de maneira impactante para evitar a recorrência das atitudes que levaram àquele ato.

Alguns dos casos mais famosos das punições exemplares envolveram a Roma antiga. Para o Rafael da Costa Campos, doutor em história pela USP, professor da Universidade Federal do Pampa, e editor da Alétheia: revista de estudos sobre antiguidade e medievo, “havia punições aplicáveis para praticamente todos os tipos de delitos e crimes existentes na sociedade romana”.

Campos cita as mais praticadas, pois “havia uma infinidade de punições possíveis: açoitamento, espancamento, decapitação, esquartejamento, enforcamento, carbonização, enterramento, afogamento no rio Tibre, lançamento de uma rocha (chamada de tarpeia) ou das escadarias do fórum; era igualmente comum – principalmente para criminosos políticos da aristocracia – o banimento da cidade de Roma, fosse para uma ilha, ou para regiões longínquas do império”, concluiu.

As punições variavam de acordo com os crimes, mas “delitos comuns cometidos pela plebe recebiam julgamentos bastante duros, mas não era menos vergonhoso para um aristocrata”, diz o professor. Assim como era comum que senadores e familiares, que foram condenados por crimes, caíssem em desgraça política e cometessem suicídio, para não chegar a testemunhar o confisco dos bens – como era comum em casos de traição, ele explica.

Os crimes mais comuns e que tinham maior repercussão na sociedade romana eram parricídio, adultério, traição militar ou traição à majestade do Estado e ao imperador.

Um gladiador contra o império

O exemplo mais conhecido de punição exemplar na história antiga é Spartacus, um gladiador que liderou uma rebelião de escravos contra Roma.

Spartacus é um dos mais famosos gladiadores da história, possuindo a fama de homem que desafiou Roma. Mas para Rafael Campos, mesmo ele sendo alguém que desertou do exército, foi escravizado e liderou uma rebelião de escravos, muito de sua fama se deve à construção de um personagem. “Sobre a celebridade, ela se deve – a meu ver – muito mais à construção romanceada de sua personagem pela contemporaneidade (a ideia de um subjugado que se rebela contra as estruturas opressoras de poder), do que propriamente pela sua existência entre os contemporâneos romanos”, afirmou.

Spartacus nasceu na cidade de Trácia, no nordeste da Grécia, foi pastor e soldado romano. Ele desertou e, em 73 a.C., foi preso e vendido em Cápua, na Itália, para uma escola de gladiadores. Revoltou-se contra a humilhação e liderou uma fuga que envolveu 78 escravos. Eles se armaram com facas e outros instrumentos cortantes que acharam pelo caminho e fugiram do local onde os gladiadores ficavam.

Segundo o Plutarco, filósofo e biógrafo grego que viveu entre 46 d.C. e 119 d.C., o grupo de fugitivos deu sorte de encontrar e se apossar de um carregamento de armas para gladiadores que estava sendo conduzido para outra cidade, aumentando a chance de resistir a ataques. Começaram a atacar propriedades rurais vizinhas, atraindo ainda mais escravos para o grupo, não só os cativos, mas também pastores e camponeses pobres da região.

Os romanos demoraram para entender a gravidade da situação e, por isso, mandaram 3 mil homens para tentar acabar com a rebelião – mas os enviados tinham acabado de entrar no exército e não tinham preparo para as batalhas. A intenção do exército era bloquear a trilha que levava para fora do Vesúvio, na tentativa de fazer com que os gladiadores se rendessem pela fome, mas eles conseguiram descer pelo outro lado da montanha e atacaram por trás, sendo essa a primeira vitória do gladiador.

Após isso, o governo romano enviou a legião de 12 mil homens contra o grupo de fugitivos, mas foram derrotados. O objetivo de Spartacus era ir para sua terra natal, Trácia, mas decidiu voltar para o sul, possivelmente para atacar Roma, que estava sem seus dois generais.

Para continuar rumo ao sul, foi feito um acordo com piratas, mas espiões romanos descobriram o plano e subordinaram os corsários. Spartacus tentou fazer um acordo, porém foi negado. Com isso, os rebeldes atacaram o exército romano em 71 a.C.

O exército dos rebeldes liderados por Spartacus foi derrotado e os seis mil sobreviventes crucificados ao longo dos 200 quilômetros da Via Ápia, de Cápua, com o objetivo de intimidar os escravos e impedir que qualquer outra rebelião ocorresse.

Para o professor, “torna-se especialmente complexa a tarefa do historiador em debruçar-se sobre um dos crimes mais corriqueiros da sociedade romana, mas que, para a sociedade ocidental, representa um elemento fundamental de sua tradição: a crucificação”.

“Era uma forma de punição pública e exemplar aplicada a condenados subversivos e inimigos da ordem imperial”, acredita. Ele ainda citou que a crucificação de Jesus “é um exemplo de punição a um criminoso de maior repercussão para a sociedade, em virtude do próprio legado de sua figura religiosa para a constituição da tradição cristã, na qual estamos imersos até hoje”.

Graziele Souza é graduanda do 5º período de jornalismo pela PUC-Campinas e estagiária de jornalismo no Labjor/Unicamp.