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http://www.comciencia.br/reportagens/2005/12/05.shtml

Autor: André Gardini
Data de publicação: 10/12/2005

Novos mecanismos visam melhorias para educação fundamental

Duas importantes discussões sobre a educação básica envolveram políticos, professores, pesquisadores e representantes da sociedade civil nos últimos meses. Uma diz respeito à extensão do período de permanência na escola, na educação fundamental. A outra se refere à substituição do atual Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef) pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais em Educação (Fundeb). Ambas mostram os rumos dados às políticas nacionais de educação fundamental no Brasil e exemplificam as ações do Estado para garantir à criança o direito à educação.

O Sistema Educacional Básico Brasileiro
Educação infantil: destinada a crianças de 0 a 6 anos de idade. Compreende creche e pré-escola
Ensino fundamental (1º grau): Abrange a faixa etária de 7 a 14 anos e com duração de 8 anos. É obrigação do Estado garantir a universalidade da educação neste nível de ensino
Ensino médio (2º grau) e médio profissionalizante: Duração variável entre 3 e 4 anos
Fonte: IBGE

No dia 24 de novembro deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 3.675 de 2004, que amplia a duração do ensino fundamental de oito para nove anos (veja notícia). Assim, o ingresso das crianças no ensino fundamental passa a ser a partir dos seis anos, quando antes era sete. O PL chegou ao Senado para ser votado no dia 6 de dezembro, mas foi adiada para o dia 7 do mesmo mês. O motivo foi a existência de itens polêmicos como o piso nacional de um salário mínimo para o magistério e o percentual de complementação da União depois de cumpridos os primeiros quatro anos de vigência do Fundeb. De acordo com informações publicadas na Agência Câmara, estados e municípios terão até 2010 para instituir o ensino de nove anos. A ampliação exigirá modificações nos currículos, na proposta pedagógica, no material didático e nos recursos. Segundo o secretário de Educação Básica do MEC, Francisco das Chagas, o fato de o aluno ingressar um ano antes no ensino fundamental não aumenta o gasto do estado ou município, pois esse aluno será incluído no Fundef. Aproximadamente 12 estados e mais de mil municípios já implementaram os nove anos de ensino fundamental.

“Se for para aumentar um ano e os problemas de reprovação e de não aprendizagem persistirem, não adiantará muito. Na verdade, teria que ser pensada toda a reestruturação da educação fundamental de modo que o aluno saísse com as habilidades que estão previstas na LDB [Lei de Diretrizes e Bases]”, analisa a presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Juçara Maria Dutra Vieira. Ela acredita que quanto mais tempo a criança permanecer na escola, tanto melhor, mas ela chama a atenção para o fato de que essa deve ser uma política abrangente, isto é, não adianta apenas aumentar um ano sem uma discussão profunda sobre a estrutura de toda a educação fundamental. A educação básica é hoje dividida em ensino fundamental e médio, sendo que a educação fundamental compreende duas faixas, educação infantil (0 a 6 anos) e educação fundamental (7 a 14 anos), e a educação média envolve a faixa etária entre 15 e 17 anos.

Vieira assinala que “o Estado tem a função de garantir o direito fundamental da educação e da socialização das crianças, que implica na progressiva universalização da educação infantil”. Ela ressalta que, através do debate, a sociedade é quem define os rumos que as políticas públicas de educação deverão seguir.

A outra proposta em discussão, a da implementação do Fundeb, tem como objetivo suprir a falta de recursos para investimentos nos ensinos infantil, fundamental e médio. Do jeito que está hoje, o Fundef, responde apenas pelos gastos com ensino fundamental, mas, conforme lembra Vieira, o problema não é a falta de recursos, mas direcionamento e prioridades de investimentos. Ela reconhece que o investimento em educação é alto, mas a sociedade tem que enfrentar o debate sobre esse assunto e ao poder público cabe o papel de mediador. Vieira diz que o Estado prioriza outras ações, tais como a isenção de impostos para a instalação de empresas em determinado lugar, impostos esses que poderiam gerar recursos para a educação e outras áreas de interesse social.

De acordo com o Ministério da Educação (MEC) o Fundeb irá aumentar os recursos aplicados pela União, pelos estados e pelos municípios na educação básica pública e melhorar a formação e o salário dos profissionais da área. Com duração de 14 anos (2006-2019), o Fundeb atenderá os alunos da educação infantil, do ensino fundamental e médio e da educação de jovens e adultos e será implantado de forma gradativa nos quatro primeiros anos. O objetivo é atender, no quarto ano de vigência, 47,2 milhões de alunos com investimentos públicos anuais de R$ 50,4 bilhões, dos quais R$ 4,3 bilhões provenientes da União. Esta complementará os recursos quando, nos estados e no Distrito Federal, o valor anual por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente. No atual Fundef, o Ministério da Educação investe, em média, R$ 570 milhões/ano para a complementação do fundo. Com o Fundeb, haverá mais recursos da União para a educação básica.

José Marcelino de Rezende Pinto, Consultor da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e professor da Universidade de São Paulo (USP), explica que o Fundeb só poderá suprir a falta de recursos para a educação no Brasil se a União assumir uma participação mais ativa no fundo e garantir o repasse dos recursos para a aplicação no ensino. “Hoje o Brasil gasta com recursos públicos cerca de 4% do PIB em educação. Estudos feitos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) demonstram que para o atendimento das metas do Plano Nacional de Educação, esse gasto deveria ser ampliado progressivamente até um patamar de 8% do PIB em 2011, para depois iniciar um processo de queda, estabilizando-se, em torno de 5,5% do PIB”.

Os dados do IBGE mostram que o Brasil chegou ao final do século XX com 96,9% das crianças de 7 a 14 anos de idade na escola. Mas, em relação às crianças de zero a seis anos, este índice é bastante inferior. Em 2002 apenas 36,5% das crianças dessa faixa etária freqüentavam creche ou escola. Se levarmos em conta as crianças de zero a 3 anos de idade apenas 11,7% estavam matriculadas. Na tabela abaixo estão as proporções de crianças e jovens que freqüentam escola, segundo as faixas etárias, para o Brasil e as cinco grandes regiões. O baixo número de crianças em creches acontece porque no Fundef a educação infantil não era incluída, o que não acontecerá com o Fundeb. Sem os investimentos do governo federal em educação infantil e sem os repasses de verbas para os municípios, as Escolas Municipais de Ensino Infantil (Emeis) não conseguem suprir as demandas. Uma saída foram as creches particulares que surgiram em todo o país. Depois de muita negociação entre representantes da sociedade civil, MEC e Ministério da Fazenda, as creches foram incluídas no Fundeb.

 
Taxa de freqüência à escola ou creche da população residente
Total
0 a 6 anos
7 a 14 anos
15 a 17 anos
Brasil
31,7%
36,5%
96,9%
81,5%
Nordeste
35,5%
37,7%
95,8%
79,9%
Sudeste
29,2%
38,6%
97,8%
83,8%
Sul
29,3%
33,6%
97,9%
78,8%
Centro-Oeste
32,5%
30,7%
97,1%
80,3%
Fonte: IBGE. Síntese de Indicadores Sociais 2003

A comissão que analisa a criação do Fundeb fechou, no dia 29 de novembro, um acordo com o Ministério da Fazenda para a inclusão das creches no Fundo. Isso significa um salto significativo no padrão de qualidade de ensino atualmente oferecido. Rezende Pinto entende que a União deveria aplicar no Fundo o equivalente a 1% do PIB para as creches. Hoje a União contribui com menos de 3% dos recursos totais do Fundef, quando, segundo a Lei nº 9424/96, essa participação deveria ser de cerca de 10% do total. “O débito acumulado nos últimos anos da União com o Fundo já supera os R$ 20 bilhões. Se um município não cumpre a lei, ela sofre intervenção; o que acontece quando a União não cumpre a lei? Quem é responsabilizado?”, questiona.

De acordo com informações da Assessoria de Imprensa do Ministério da Educação (MEC) o governo não reconhece essa dívida. O diretor do Departamento de Desenvolvimento de Políticas de Financiamento da Educação Básica do MEC, Paulo Egon Wiederkehr, explica que o governo federal nunca deixou de repassar o dinheiro para os estados e municípios e que há diferentes interpretações sobre os valores da dívida, que estaria sendo acumulada desde 1998. “Acontece que no Fundef os valores eram repassados com base em um valor mínimo calculado por aluno. Quando o estado não atingia esse valor mínimo a União repassava a diferença. Formas diferentes de interpretação dos valores de repasse geraram essa discussão. Com o Fundeb, o valor repassado para os estados serão fixos, assim pretendemos eliminar esses desentendimentos”.

Vagas com qualidade: um modelo a ser seguido

Outra proposta de aumento do tempo de permanência da criança na escola se dá no sentido de ampliar o número de horas do dia e não ao longo dos anos. Essa era a proposta dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), instalados no Rio de Janeiro na década de 90. Foi o primeiro sistema de ensino público que funcionou em período integral, em contraposição aos sistemas de períodos da maioria das escolas brasileiras. Inspirados nas escolas de Porto Alegre (RS), os Cieps são escolas que funcionam como centros de educação e cultura para as populações da periferia metropolitana do Rio de Janeiro, constituídos de laboratórios e bibliotecas e que oferecem atividades de cultura e lazer. Foram construídos 506 Cieps, sendo que alguns perderam sua função original e funcionam hoje como escolas comuns que dividem o ensino em períodos. Alguns funcionam como Ginásios Públicos (GPs) onde são oferecidos cursos para alunos do ensino fundamental e médio e alguns programas de educação à distância. Outros foram simplesmente abandonados.

No final de 2003, foram implementados pela prefeitura de São Paulo os Centros de Educação Unificados (CEUs), que trouxeram uma nova proposta para a educação básica, incorporando atividades ligadas à cultura e ao lazer, em um projeto que recupera o modelo do Cieps cariocas. Além de priorizar as áreas mais carentes, principalmente da zona leste e zona sul (veja mapa abaixo), os complexos educacionais incluem creche, escola de educação infantil, escola de ensino fundamental, teatros, cinemas e espaços para esporte, como piscinas, quadras e pista de skate. Essa ação visa transformar o lugar em um ponto de encontro da comunidade.

O professor da Faculdade de Educação da USP, Roberto da Silva, que escreveu o livro Educação com qualidade social: a experiência do CEU em São Paulo, explica que o projeto proposto segue uma concepção pedagógica de integração operacional entre diversas secretarias da prefeitura como educação, cultura, esportes, assistência social e comunicação social. Ele explica que os CEUs têm quatro objetivos específicos que indicam a funcionalidade de cada centro na comunidade em que foi construído e que estão associados a uma “operação urbana” com intenção de melhorar a qualidade de vida das comunidades locais. Os objetivos abrangem o desenvolvimento integral da criança, do adolescente, do jovem e do adulto; funciona como um pólo de desenvolvimento da comunidade e de inovação de experiências educacionais e também como protagonismo juvenil, ou seja, incluir crianças, adolescentes e jovens que não estejam matriculados nos CEUs, mas que podem usar os espaços institucionais para a participação e representação política.

Notícias recentes de que o atual prefeito de São Paulo, José Serra, pretende construir mais cinco unidades não animam o professor da USP. “Serra deveria construir os outros 24 que a gestão anterior não fez, pois os terrenos já estavam definidos e com a documentação em ordem. Tinha-se clareza sobre quais alterações deveriam ser feitas e o modo de implementação também seria diferente dos primeiros 21 CEUs. Um CEU sem os quatro objetivos específicos que motivaram sua construção é apenas um ‘escolão’ como dizem uns ou um ‘clube da periferia’ como dizem outros”, destaca Silva.

Mas é possível que a prefeitura, diante dos resultados das avaliações dos CEUs, amplie o número de centros no município. Os CEUs funcionam em período integral, inclusive nos finais de semana. Além das aulas, como em qualquer escola comum, oferecem a programação de tempo livre para esporte e lazer tendo como público-alvo crianças e adolescentes das próprias unidades e das escolas adjacentes, com faixa etária a partir de quatro anos. Os centros também atendem pessoal da terceira idade, com atividades esportivas e socioculturais. Os CEUs têm como principio o conceito de praças públicas, um equipamento público que serve de ponto de encontro para a comunidade.

(AG)

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Atualizado em 10/12/2005

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