Editorial:

Modelos e
Modelagens

Carlos Vogt

Reportagens:
Modelos matemáticos e simulações computacionais
Peixes transformados em números
Modelos desvendam crise da pesca
Empresas também utilizam modelagem
Modelagem na previsão do tempo e do clima
Simulações para proteger o meio ambiente
Auxílio da modelagem à medicina
Um caminho para a inteligência artificial
Algoritmo para ver futebol
Modelagem e música
Artigos:
Matemática para a produtividade
Miguel Taube Netto

Modelagem baseada em imagens
Paulo Cezar Carvalho

Átomo de Bohr, rato de laboratório...
Roberto Covolan e
Li Li Min
Modelagem aplicada à saúde pública
Hyun Mo Yang
Dinâmica de populacões: de angstroms a quilômetros, de íons a "sapiens"
Wilson Castro Ferreira Jr.
Poema:
Máxima mínima
Carlos Vogt
 
Fontes
Créditos
 

Empresas também utilizam métodos matemáticos

A modelagem matemática tem aplicações no ambiente empresarial há muitos anos. Seja para otimizar a produção, seja para fazer simulações. De uma forma ou outra tem sido um grande auxílio à tomada de decisões nas empresas.

Apesar de usada em larga escala, a modelagem matemática passa despercebida pela maioria das pessoas, mesmo dentro das organizações onde é aplicada. Muitas vezes um trabalhador utiliza softwares para solucionar os problemas do seu departamento e não faz idéia de quantos modelos matemáticos e equações esses programas contêm.

Segundo Miguel Taube Netto, professor do Instituto de Matemática Aplicada da Unicamp e presidente do conselho de administração da empresa UniSoma - Matemática para a Produtividade S.A., um modelo matemático pode conter até 30 mil equações e envolver até um milhão de variáveis. Certamente, os avanços da informática permitem hoje que se faça cálculos para lidar com sistemas tão complexos assim.

Taube Netto diz que poucas empresas utilizam modelos matemáticos

Taube Netto define modelagem matemática como "o esforço de representação de processos físicos, econômicos, biológicos, através de um formalismo matemático, o qual permite que se faça previsões ou interpretações em relação ao universo que se pretende modelar". E isso vai ter aplicação na engenharia, na biologia, e até mesmo no campo da economia. "Hoje a formação do economista exige a matemática para que esse profissional entenda alguns modelos. Isso porque a matemática serve de suporte para a tomada de decisão. (Veja entrevista com Luiz Flávio Autran Monteiro Gomes)", afirma o presidente da Unisoma.

Desde a sua criação, em 1984, a UniSoma cria modelos matemáticos para representar processos decisórios em ambientes empresariais e vem desenvolvendo trabalhos com empresas de diferentes setores. Companhia Vale do Rio Doce, Sadia e Companhia Siderúrgica Tubarão são algumas delas. Mas Taube Netto salienta que apesar de ser crescente e de extrema importância para auxiliar nos processos decisórios, a aplicação da modelagem nas empresas ainda é pequena.

O presidente da UniSoma ressalta ainda que há uma certa confusão entre softwares de gestão empresarial e modelagem matemática. Muitas empresas de informática oferecem softwares que fazem uma boa compilação das informações da empresa, os chamados ERPs (Enterprise Resource Planning), o que, segundo ele, é muito importante, mas esses softwares não lidam com as especificidades do negócio. Já a modelagem matemática lida justamente com isso. (Veja artigo nesta edição)

Para auxiliar a empresa na resolução de um problema, o modelador precisa definir muito bem o problema, conhecer todos os processos da empresa, ter bons conhecimentos de matemática e tecnologia de informações. Vencidas essas etapas, o modelador vai utilizar todas as informações disponíveis, estejam elas armazenas em sistemas ERP ou não, e partirá, então, para o estudo de variáveis e elaboração das equações que irão conduzir o empresário à solução do problema.

Segundo Taube Netto, a linguagem da modelagem matemática compreende vários recursos de álgebra linear, de cálculo, de estatística, além de recursos de manipulação de dados. Ele diz que é possível organizar tabelas, introduzir dados em forma de equações, tratar curvas. "São facilidades que antes não existiam. Essas operações eram feitas separadamente e hoje é possível fazer de forma conjunta", diz o professor.

O trabalho desenvolvido pela UniSoma para a Sadia, desde 1989, é um bom exemplo de aplicação da modelagem matemática no ambiente empresarial. É importante destacar que na indústria de carne, ao contrário de outros setores, como o automobilístico ou o de eletrodomésticos, o processo é de desmontagem do produto. "O fator de distinção desse segmento é que o início do trabalho é no campo, criando o animal e depois esse animal é separado em partes", destaca o professor da Unicamp.

O problema a ser resolvido na Sadia era como a empresa usaria os frangos para gerar diferentes produtos. "Os frangos são abatidos com trinta e poucos dias e os produtos são diferenciados por faixa de peso. Em um lote que tenha a média de peso de dois kilos, é possível encontrar frangos de um quilo e meio, bem como de dois quilos e meio. Essa dispersão faz com que o problema de dimensionar a oferta de frangos fique complicada", diz Taube Netto.

O acompanhamento do frango é feito desde o alojamento dos pintinhos até o abate. O processamento no frigorífico e a alocação da produção em cada um dos frigoríficos para atender a cada um dos mercados são as últimas etapas e todas essas variáveis tornam o processo bastante complexo. Até a rotulagem, que é feita em várias línguas, tem que ser programada previamente.

Para resolver o problema da Sadia, a UniSoma desenvolveu um modelo que otimizava o abate e a produção, que era de um milhão de aves por dia, em sete fábricas diferentes. Segundo Taube Netto, o sistema de modelagem matemática mostrou um excepcional resultado econômico. Por volta de 97, a Sadia começou a trabalhar com o sistema ERP, e todos os esforços se voltaram para a implantação do ERP, sem a participação da UniSoma nessa etapa. Mas recentemente a equipe da UniSoma voltou para continuar o trabalho na área de aves, ampliando agora o escopo do trabalho também para os setores de suínos e de produtos industrializados (salsichas, salames, mortadelas).

Outro exemplo de aplicação de modelos matemáticos para empresas é o RLM (Ração de Lucro Máximo), um software desenvolvido pelo Prof. Dante Pazzanese Lanna e pelo pesquisador Luiz Gustavo Barioni, da Escola Superior de Agronomia "Luiz de Queiroz" (Esalq/USP).

O programa começou a ser desenvolvido em 1988, na Universidade de Cornell, nos EUA. O Prof. Dante Lanna, coordenador da equipe do RLM, faz parte de um grupo que trabalha com modelos matemáticos para a simulação do metabolismo e do uso de nutrientes em animais domésticos. Este programa recebeu o nome de Cornell Net Carbohydrats And Protein System (Sistema de Carboidratos e Proteína Líquida de Cornell). Ele descreve através de equações matemáticas, as propriedades do alimento e todo o processamento no organismo do animal. Por exemplo, informamos o programa que o animal recebeu 20 quilos de feno, 5 quilos de milho, 3 quilos de farinha de soja. Através das equações, o sistema descreve o processo de digestão, estima a quantidade de nutrientes absorvidos, prevê quanto vai ser depositado de gordura e de músculo (no caso de animais de corte) e qual será a produção de leite (no caso das fêmeas). Para tanto leva em conta a qualidade dos alimentos ingeridos e as características do animal que são informadas ao programa (peso, raça, potencial genético, idade, etc.).

Ainda em parceria com a Universidade de Cornell, a equipe da Esalq começou a desenvolver o RLM (Ração de Lucro Máximo), software que tinha as mesmas características do programa americano, que foi aos poucos sendo realimentado com informações obtidas em experimentos feitos no Brasil, de forma a corresponder à realidade da produção nacional. Ou seja, algumas equações que descreviam os processos do metabolismo dos alimentos ou do crescimento do animal tiveram que ser alteradas. Tanto as características dos animais, como os alimentos disponíveis precisavam estar de acordo com as condições da pecuária brasileira.

O programa inclui uma biblioteca com a composição dos alimentos disponíveis no Brasil e permite a simulação do metabolismo de nutrientes, a quantidade de alimento consumida e do ganho de peso (e seu conteúdo de músculo e gordura). Segundo Lanna, a primeira etapa é a de construção do modelo, quando são organizadas as equações. A segunda etapa é a de validação do modelo. Essa etapa consiste em fazer experimentos que são planejados para testar os resultados fornecidos pelo software, de forma a verificar se coincidem ou não com a realidade dos experimentos. Um aspecto importante é que o programa deve estimar com acurácia e precisão a qualidade da carne produzida.

Uma vez que a equipe da Esalq se sentiu segura, através dos experimentos de validação, de que o modelo estimava corretamente o ganho de peso e a composição do ganho de peso, passou para uma nova etapa. A terceira etapa é a introdução no programa de uma rotina de otimização econômica do processo. Ou seja, se o modelo descreve adequadamente o que vai ocorrer biologicamente, é possível incluir os custos de cada alimento e simular diferentes estratégias de alimentação até encontrar aquela que maximiza o lucro ou minimiza o custo de produção de carne. Outra possibilidade interessante é que a partir da simulação de ganho de peso e desempenho dos animais, o responsável pela tomada de decisões tem informações para fazer negócios em mercados futuros.

O programa desenvolvido na Esalq garante também uma dieta equilibrada aos animais, uma vez que se, por ventura, na formulação da dieta, há um desequilíbrio de nutrientes, falta cálcio ou proteína, por exemplo, o sistema alerta para o problema. "O modelo animal do RLM funciona com aproximadamente 90 equações, o que supera a capacidade humana de integrar todo esse conhecimento", afirma Lanna.

O software, de recomendações de nutrição de bovinos é, hoje, usado em praticamente todos os grandes confinamentos do país, empresas de consultoria e também nas fábricas de ração brasileiras. "Trata-se de um sistema de otimização não linear, que já conta com mais de 450 usuários", afirma Lanna.

Imagens geradas pelo software CATIA utilizando modelagem matemática

Na Tritec Motors, uma joint venture entre a Daimler Chrysler e a BMW, que produz motores para os veículos da Mercedes, da BMW e da Chrysler, o departamento de Engenharia de Produto, que faz análises dos modelos que são projetados nos EUA e produzidos no Brasil, também utiliza modelagem matemática para o trabalho.

Alessandro Machado, engenheiro de produto e qualidade da empresa, utiliza o software Catia (um tipo de CAD (Computer Added Design)) para modelar as peças que irão constituir o motor. "Para cada componente, há um modelo matemático em três dimensões no Catia", explica.

Para Machado, as principais vantagens do uso desses modelos matemáticos - que estão contidos no software - é a economia de tempo e de dinheiro. A Tritec não projeta os motores, mas no caso da necessidade de se alterar uma peça que será produzida, isso pode ser feito pelo software. O projetista pode analisar o que acontece se aumentar a altura da peça, por exemplo, podendo, assim, verificar se será possível manter aquela geometria e o que precisará ser alterado nos componentes que se ligam à peça, além de outras funcionalidades. Um detalhe interessante é que o projetista não precisa saber que cálculos o computador está fazendo e tampouco ele precisa conhecer as equações que serão solucionadas para dar a resposta ao problema que ele tem nas mãos. E isso pode ser feito sem dispêndio de material e em muito pouco tempo. "Trata-se de estudos que envolvem simulação de montagem", diz o engenheiro, acrescenta ainda que, antigamente, essas análises eram feitas pelo método de tentativa e erro.

Para essa fábrica de motores, os modelos matemáticos que permitem a elaboração do desenho da peça em três dimensões auxiliam em grande medida a produção. Segundo Machado, esse desenho é depois impresso em duas dimensões, com todas as informações necessárias para a confecção da peça. Outras informações são preparadas pelo projetista, para auxiliar o processo, tais como: dimensões, especificações de material e especificações dos testes aos quais a peça será submetida.

(SP)

 

Atualizado em 10/02/2002

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2002
SBPC/Labjor
Brasil

Contador de acessos: